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DOCUMENTA 14 ATENAS






             Faz todo sentido, afinal, que, no Conservatório,   É desse programa que vem um dos fortes questio-
             obras sonoras e performativas sejam majoritárias.   namentos sobre o próprio modelo do evento: “Como
             Um outro exemplo dessa estratégia está na obra do   se pode produzir uma crítica dentro de uma mega-
             norte-americano Benjamin Patterson para os jardins   mostra em uma economia neoliberal globalizada?
             do Museu Bizantino e Cristão.  Participante do movi-  Somos forçados a abraçar contradições. Pode o
             mento Fluxus, um dos grupos que deram origem à   museu ser usado contra seu próprio regime patriar-
             arte contemporânea, nos anos 1960, Patterson não   cal e colonialista de visibilidade? Podem as ten-
             obteve reconhecimento como Beuys, Nan June Paik   sões entre Atenas e Kassel serem usadas como
             ou Yoko Ono, também participantes do Fluxus. Para   um espaço crítico para pensar uma ação artística
             a documenta 14, ele criou uma sinfonia sonora de   alternativa e projetos ativistas além do conceito de
             sapos nos jardins do museu, já que há 1.500 anos   estado-nação e corporações? Como se produz ação
             essa área era conhecida como Ilha dos Sapos. Outra  através da cooperação? Vamos falir, mas vamos ten-
             referência para a obra é a peça As Rãs, do drama-  tar”, afirma Preciado no texto sobre o Parlamento.
             turgo grego Aristófanes (405 a. C.). Patterson, morto   A citação é longa, mas aponta de forma signifi-
             no ano passado, propôs essa obra como um “grafite   cativa como essa edição da documenta pretende
             sonoro” composto por gravações do coachar de   estar mais próxima de um estado de dúvidas do
             sapos e de seres humanos imitando o anfíbio.  que de certezas. Outro aspecto que aponta para
             Assim, em Atenas, a mostra divide-se em nada   essa estratégia é seu programa educativo. Apren-
             menos que 40 espaços, alguns com apenas uma   dendo com Atenas é o nome de trabalho da mostra
             obra, caso do Museu Bizantino, outros com conjun-  e, na coletiva para jornalistas, Szymczyk afirmou
             tos mais numerosos, como o Conservatório, onde   que “aprender com Atenas é constatar que é pre-
             estão alocados 47 artistas, e o Museu Nacional de   ciso abandonar preconceitos, que a grande lição
             Arte Contemporâneo, com 70. Todos os locais onde   é que não há lições”.
             a mostra ocorre são espaços públicos. Szymczyk   Por isso, o termo cunhado para o programa educa
                                                                                                   -
             não quis se aliar aos colecionadores privados gregos   tivo é justamente “unlearning”, ou seja, “desapren-
             com seus museus particulares. Também compõem   der”.  Isso se reflete na mostra de forma bastante
             a configuração grega da documenta 14 uma pro-  radical, já que raros trabalhos da exposição são
             gramação para um canal de televisão local, a ERT,   contextualizados ou explicados em legendas, obri-
             denominada Keimena, com a exibição de filmes de  gando os espectadores a ter uma experiência sem
             diretores como Chantal Akerman, Apichatpong,   mediação com as obras. Em muitos casos, a falta
             Harum Farocki e Jonas Mekas, com introduções   de informação chega a comprometer a compreen-
             comentadas. Desde 8 de abril, no site da documenta,   são da obra. Afinal, o contexto é importante para
             também são feitas emissões por rádio, sendo que,   entender, por exemplo, que as pequenas colagens
             entre 9 e 28 de julho, a Rádio MEC do Rio de Janeiro  de Elizabeth Wild, exibidas no Conservatório, são
             será responsável pela programação, ação coorde-  fruto de uma trajetória singular. Nascida em Viena,
             nada por Janete El Haouli e José Augusto Mannis.  em 1922, ela emigrou para a Argentina, em 1938,
                                                         fugindo do nazismo. Em 1962, ela se transfere para
             “VAMOS FALIR”                               a Suíça e, finalmente, para a Guatemala, em 1996,
             A documenta 14 terá também uma ampla programa -  onde vive até hoje. Lá, todo dia, ela realiza pequenas
             ção pública organizada por Paul Preciado, denomi-  colagens a partir de revistas, uma espécie de diário
             nada Parlamento dos Corpos, que teve início já em  de exílio, vivendo em meio à floresta Panajachel,
             setembro do ano passado e que terá a presença de  junto com a filha Vivian Suter, outra artista na docu-
             Suely Rolnik durante a fase final em Atenas, junto   menta, afastadas do mundo “civilizado”. É possível,
             com Aílton Krenak. No dia 27 de abril, com a questão   contudo, entender parte dessa história no vídeo
             “Como é se sentir um problema”, o Parlamento dos   de Rosalind Nashashibi, Vivian Garden, exibido na
             Corpos iniciou sua fase em Kassel.          Escola de Belas Artes de Atenas, outro dos locais


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