Clarissa Tossin, 'Old Planet' e 'Mars Rising', 2019. FOTO: Instagram Clarissa Tossin

A brasileira Clarissa Tossin é um dos destaques do setor Discoveries da Art Basel Hong Kong, sendo representada pela galeria Commonwealth and Council, sediada em Los Angeles. Apresentando uma nova leva de trabalhos. Em 2018, Tossin já tinha exposto na cidade asiática, convidada a exibir a obra em vídeo Ch’u Mayaa (2017) na mostra Emerald City (2018) na K11 Art Foundation.

A artista falou à ARTE!Brasileiros sobre o trabalho que apresenta na ABHK 2019:

A!B: Como o livro de Octavia Butler inspirou você nesses trabalhos para o Basel Art HK?

Clarissa Tossin: Os trabalhos apresentados na Art Basel Hong Kong são parte de um trabalho maior que surgiu do meu interesse no uso de tradições indígenas amazônicas de Octavia E. Butler em sua trilogia de ficção científica Xenogenesis (1987-89), onde a Amazônia se torna o local para uma nova civilização de híbridos humano-alienígenas, os Oankali, após o colapso ecológico autoinfligido da Terra. Eu amo a figura do Ooloi na série de Butler, eles são o terceiro sexo indeterminado do Oankali que, na minha opinião, incorporam certas características de um xamã nativo, dada sua capacidade de armazenar toda a informação genética que eles adquirem dentro de seus corpos pela ingestão de amostras. O fato de o Ooloi “ingerir” amostras de nosso mundo vivo para compreendê-lo/decodificá-lo oferece uma conexão a Antropofagia, sobre canibalizar a cultura como estratégia de sobrevivência: “Só a antropofagia nos une”. Aposto que Manifesto Antropofágico foi uma das referências de Butler. Eu também estou particularmente interessada na protagonista da trilogia, Lilith, que incorpora características de um guerreiro amazônico. Ela é resistente e resiliente e dá origem a uma nova civilização de híbridos.

A!B: Como o seu olhar se voltou para a Amazônia?

A floresta tropical da Amazônia se repete em meu trabalho como um local particularmente rico para investigar as implicações das cadeias de commodities do capitalismo global e, portanto, uma perpetuação das forças coloniais representadas no meio ambiente, culturas e povos da região. Mas a Amazônia é o lado reprimido das narrativas da modernidade brasileira que retratam a capital do Brasil à frente e no centro. Crescer em Brasília instigou meu interesse por aquelas contranarrativas não reconhecidas, implícitas no ambiente fabricado, e fundamentou os meus trabalhos anteriores sobre a Amazônia, que focavam no legado de incursões de profissionais extrativistas e deslocamentos arquitetônicos na floresta.

A!B: Qual a ligação dos seus trabalhos com os pensamentos das grandes nações sobre o meio ambiente hoje?

As obras da Art Basel HK abordam a pegada da sociedade de consumo na sedimentação geológica da Terra como um alerta para uma mudança comportamental coletiva atrasada que reconhece que os seres humanos são parte da natureza e que precisamos trabalhar contra a passividade que cerca essa questão.

Acredito que parte dessa obsessão espacial vem de nossa ansiedade sobre os resultados potencialmente catastróficos do aquecimento global na Terra, e a outra parte é apenas a cultura do medo em jogo para justificar a criação de uma indústria interplanetária que pode eventualmente usar dinheiro e recursos públicos. Os trabalhos da Art Basel HK concentram-se na corrida espacial para Marte como uma forma ilusória de abordar as questões ambientais atuais.


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