Exposição "Gerardo Rosales – Caçador de Fábulas"
Detalhes
A obra de Gerardo Rosales (EUA, Venezuela-1967) se destaca pelo seu imaginário florestal, espinhoso, homoerótico, fantástico, em que figuras animais e humanas se entrelaçam, ao mesmo tempo, em atos de
Detalhes
A obra de Gerardo Rosales (EUA, Venezuela-1967) se destaca pelo seu imaginário florestal, espinhoso, homoerótico, fantástico, em que figuras animais e humanas se entrelaçam, ao mesmo tempo, em atos de amor e de caça. Latinx e queer, radicado há duas décadas nos Estados Unidos, Rosales faz parte de uma geração global de artistas que se identificam através de uma abordagem figurativa da natureza e da sexualidade em que espécies e gêneros se multiplicam numa incessante confusão mútua. Rosales dá conta deste fenômeno através da manipulação magistral de redes ornamentais, nas quais emergem suas personagens recorrentes – o urso, a borboleta, a cobra, o pássaro, o coiote, o burro, as árvores, a flor fálica.
A ironia é fundamental em seu trabalho: ironia textual – em títulos ao mesmo tempo sugestivos e polissêmicos, como Tigra mariposa (Butterfly tigra): uma cobra voraz e venenosa, mas talvez também o nome feminino e animalesco de uma prostituta, que, na verdade, representa uma maternidade inocente emoldurada por um florescimento de borboletas coloridas –, mas também ironia figurativa que se manifesta na referência constante a narrativas fabulosas, típicas de um imaginário infantil no qual, sub-repticiamente, transparecem a ambiguidade sexual e o conflito de gênero.
Se, por um lado, a verdade crua de uma sexualidade alternativa parece ser neutralizada no rico bordado figurativo das imagens, por outro, a aparente inofensividade do universo infantil revela, como se estivesse por trás de uma camuflagem, a crueza da caça, do desejo homoerótico, a ambiguidade perturbadora dos corpos, fantásticas figuras siamesas que se unem em atos ao mesmo tempo sutis e sexuais, onde a fronteira entre a animalidade e a animalidade humana é rompida.
Cobras fálicas e fluidas, pássaros voadores ou insetos gigantes, densas florestas de frutas flamejantes, em meio às quais se escondem atos de fertilização, secreções genitais, floração e gestação, o universo de Rosales é ao mesmo tempo cru e poético, lírico e explícito. Seu objetivo final, talvez, seja questionar uma certa ideologia de inocência com a qual nós, humanos de nosso tempo, transformamos a infância em uma fantasia original. Contra isso, as obras de Rosales nos lembram, por meio da beleza luminosa de suas treliças ornamentais, que nunca houve realmente uma origem desconhecida ou uma era de inocência; que a humanidade sempre, para sempre, foi marcada e destinada pela posse e pelo desejo, por sua exultação e sua ansiedade, por sua pequena morte diária e seu paraíso instantâneo e provisório.
Entre todas as imagens que Rosales cultiva em seu jardim de figurações perturbadoras e aparentemente inocentes, talvez a da caça se destaque: uma licença figurativa e poética para falar de sedução e“cruising” (paquera) de predação e trauma, do destino das espécies que buscam e consomem umas às outras. Um eco antigo sobrevive nessas obras muito recentes, uma pátina antiga de antiguidades ocultas. Diante delas, podemos evocar as tumbas de Tarquínia, por exemplo, a chamada “The Bulls”, que retrata, em estilos que não poderiam estar mais surpreendentemente próximos dos recursos plásticos de Rosales, a cena em que Aquiles, a cavalo, observa Troilo, escondido atrás de um monte, antes de matá-lo.
Não é apenas a presença heróica dos elementos naturais, a figuração esquemática dos personagens na tumba de Tarquínia que nos lembra o trabalho de Rosales. É também a caça, o ato de olhar com expectativa para a presa, por trás da qual está não apenas a possibilidade de violência, mas também a própria arqueologia da visão e, com ela, o fim da inocência que, marca desde o início, a existência dos seres humanos: “Desde a primeira pincelada”, escreve Pascal Quignard, “o fundo e a figura surgem juntos. Eles se opõem como duas polaridades. Na predação ativa, no salto dos carnívoros que atacam suas presas – na projeção de todos os seres que se projetam em seus pólos – o fundo e o corpo súbito e admirável que se move e se separa dele são desacoplados. A caça é o pano de fundo da arte. A vigília é o pano de fundo da contemplação. A fome é o pano de fundo do desejo. A carnificina é o pano de fundo da admiração”.
Inocente é aquele que se esquece de que no jardim da inocência um caçador já estava nos observando
Serviço
Exposição | Gerardo Rosales – Caçador de Fábulas
De 07 de novembro a 25 de janeiro
Segunda a sexta, das 10h às 19h, sábado, das 11h às 15h
Período
7 de novembro de 2024 10:00 - 25 de janeiro de 2025 19:00(GMT-03:00)
Local
Nara Roesler RJ
Rua Redentor 241 Ipanema Rio De Janeiro Rj