Exposição "Arroz com feijão" de Iván Argote
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A nova exposição de Iván Argote “Arroz com feijão” na Vermelho presta homenagem à cultura popular sul-americana a partir de uma investigação crítica da tradição dos monumentos. No lugar de
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A nova exposição de Iván Argote “Arroz com feijão” na Vermelho presta homenagem à cultura popular sul-americana a partir de uma investigação crítica da tradição dos monumentos. No lugar de erguer memoriais a heróis notáveis, Argote monumentaliza a cultura compartilhada a partir de elementos cuja história foi elaborada pela ressignificação de ideias impostas por culturas dominantes.
A reelaboração das narrativas hegemônicas se inicia do lado de fora da galeria, no pátio, recebendo os visitantes. Em Antípodo: Curupira – uma monumental escultura em concreto pigmentado de 3 metros de altura – Argote celebra o Curupira, figura do folclore brasileiro que é protetor das florestas e dos animais, e que pode ser interpretado como uma reelaboração crítica da noção de “antípoda” elaborada pelos colonizadores europeus.
Desde a Antiguidade, a ideia de que os habitantes do hemisfério sul viveriam “invertidos” em relação ao norte foi mobilizada para sustentar uma visão hierarquizante e racializada do mundo, em que a diferença geográfica era convertida em signo de alteridade inferiorizada. Os pés voltados para trás do Curupira ecoam diretamente essa lógica de inversão, mas deslocam seu sentido: em vez de signo de inferioridade, tornam-se estratégia mítica de proteção da floresta. Ao caminhar pela mata, o Curupira deixa pegadas invertidas, fazendo caçadores e exploradores se perderem. Assim, o que, na leitura colonial, era marca de estranhamento e desumanização, no mito ganha um valor nobre, de astúcia e resistência, apropriando-se e subvertendo um imaginário imposto para criar uma entidade que inverte não apenas os pés, mas também a hierarquia simbólica entre colonizador e colonizado.
A escultura tem como fundo a fachada da galeria, onde Argote realizou uma imponente pintura mural que combina texto e formas vegetais. A imagem é composta por plantas nativas, como o feijão, espécies especulativas – inventadas por ele – e espécies invasoras, como o arroz. Plantas invasoras são espécies não nativas de um determinado local que, ao serem introduzidas, se adaptam tão bem que se espalham de forma agressiva. Elas competem por recursos com as plantas nativas, o que pode causar desequilíbrios no ecossistema.
Em meio a essa vegetação hipotética, Argote escreveu “COM A BOCA”. A frase é fragmentada em duas partes (COM A em cima, e BOCA embaixo), criando uma dupla leitura possível. A primeira (COM A BOCA) refere-se ao alimentar-se; a segunda (COMA BOCA), ao alimentar-se do outro. Na escala da fachada, o texto se torna um lema ou um slogan, em que comer pode ser lido como a possibilidade antropofágica de incorporar e ressignificar o outro.
Da entrada até a sala principal, Arroz com feijão, série que dá nome à exposição, engrandece a dupla de grãos que constitui a base da alimentação do Brasil e de grande parte da América Latina. As esculturas são versões ampliadas de grãos de arroz e de feijão, feitas artesanalmente em faiança, e se distribuem horizontalmente pela sala principal da Vermelho, rompendo com a tradicional verticalidade dos monumentos a figuras masculinas.
A obra se fundamenta na ideia de Ternura Radical, conceito que Argote vem desenvolvendo ao longo de sua carreira, em que propõe a construção de outras narrativas possíveis sobre a história, capazes de gerar relações de convivência com o diferente a partir de uma visão compartilhada do passado.
Nesse sentido, Argote presta homenagem à sabedoria popular que uniu o arroz e o feijão para formar um alimento que não apenas reúne pessoas em torno da mesa, mas que também constitui uma das combinações nutricionais mais ricas. A união dos grãos, contudo, carrega um potente simbolismo cultural.
Essa combinação, hoje tradicional, surgiu do encontro de diferentes matrizes culturais. O feijão, cultivado há milênios pelos povos indígenas, já era alimento essencial do Caribe ao extremo sul da América; o arroz, por sua vez, foi introduzido pelos colonizadores europeus e difundido sob a exploração do trabalho de escravizados de origem africana. A introdução visava abastecer as crescentes demandas alimentares e comerciais da Europa. Gradualmente, o consumo conjunto se espalhou, adaptou-se às particularidades regionais e consolidou-se como referência da dieta latino-americana. Embora o prato reflita desigualdades históricas, ele expressa a criatividade popular diante das adversidades de estruturas persistentes de exclusão que dificultam a ampliação e a democratização do acesso à alimentação.
No segundo andar da exposição, o mesmo tipo de articulação pictórica da fachada pode ser visto na série de pinturas em seda Breathings [Respirações]. Aqui, as frases combinadas à vegetação fazem referência ao existir junto, a fluidos corporais e a canções populares. São frases como “O que flui por dentro”, “Caminhar da tua mão” e “Com a boca de feijão”. Todas estão instaladas sobre uma pintura mural que amplia a folhagem da fachada, construindo um horizonte de ideias de afeto, de dilatação do tempo e do conviver.
Para observar essa paisagem, Argote instalou na sala um conjunto de cadeiras coloridas chamadas Pájaros [Pássaros]. São cadeiras de balanço que celebram modelos que podem ser vistos em várias partes do Brasil e da Colômbia, mas aqui são construídas em duplas ou trios. Cada cadeira é ladeada por outra, virada para lados opostos, como namoradeiras. As cadeiras foram feitas para o compartilhar e para ver o tempo passar – para uma pausa conjunta. Embora estejam voltadas para direções opostas, permitem ver o parceiro de balanço, unindo lados contrários no mesmo ritmo, no mesmo tempo, juntos.
Serviço
Exposição | Arroz com feijão
De 02 de setembro a 10 de outubro
Segunda a sexta, das 10h às 19h, sábado, das 11h às 17h
Período
2 de setembro de 2025 10:00 - 10 de outubro de 2025 19:00(GMT-03:00)
Local
Galeria Vermelho
Rua Minas Gerais, 350, São Paulo - SP