O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. FOTO: Divulgação

Para o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, “quem trabalha com arte e cultura no Brasil vive hoje sobressaltado e inseguro”. “Caminhamos para uma situação que aponta para a censura, perseguição aos que pensam diferente e são críticos, e que toda a área cultural e artística será tratada como inimiga”, diz. E continua: “Podemos dizer, sem dramas, que estamos caminhando para o fim da contribuição do Estado para o desenvolvimento cultural do Brasil”.

A crítica de Juca, que assumiu a pasta nas gestões de Lula e Dilma Roussef e foi secretário de Cultura da cidade de São Paulo na gestão de Fernando Haddad, se refere às novas regras da Lei Rouanet, à paralização dos repasses da Ancine (Agência Nacional de Cinema), a partir de uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União), e à retirada de patrocínios para projetos culturais por parte de empresas públicas, notadamente a Petrobras.

Após uma semana conturbada para o meio cultural, que envolveu grande reação de artistas e intelectuais às recentes decisões do governo Jair Bolsonaro, Ferreira afirma que “o presidente eleito resolveu declarar guerra à arte e à cultura”. “Como se já não fossem suficientes os problemas que o país está enfrentando e as crises do governo… Uma crise econômica profunda, desemprego, perda de direitos sociais etc.”

Quanto aos ideólogos da nova direita que pautam o novo governo e consideram que a cultura e o mundo acadêmico estão dominados pelo “marxismo cultural” e pelo esquerdismo, Ferreira é ainda mais contundente: “Às vezes eu me pergunto de que filme de terror saíram esses personagens. Paranóicos e belicosos, não se adaptam ao ambiente democrático”.

Leia abaixo a íntegra da entrevista concedida pelo ex-ministro à ARTE!Brasileiros:

ARTE!Brasileiros – Assistimos ao mesmo tempo, nos últimos dias, à reformulação da lei Rouanet, ao pedido da TCU para suspender os novos contratos da Ancine e paralisar os repasses da agência e à retirada de patrocínios de empresas públicas para o setor cultural. Como você enxerga esses fatos? Vê eles separadamente ou em conjunto, como parte de uma mesma diretriz?

Juca Ferreira – Sem compreender a importância da cultura e da arte para o desenvolvimento do país, sem políticas culturais que contribuam para o desenvolvimento cultural do país e orientem o governo e a sociedade, sem patrocínio, sem financiamento, fomento e incentivo, via apoio direto pelo fundo nacional de cultura ou sob a forma de incentivo fiscal, podemos dizer, sem dramas, que estamos caminhando para o fim da contribuição do estado para o desenvolvimento cultural do Brasil.

Mais especificamente quanto à decisão do TCU, você afirmou em artigo na Folha de S.Paulo que o risco é que, com a legítima preocupação de impedir mau uso do recurso público, seja paralisada uma política pública para o audiovisual que deu ótimos resultados durante os últimos governos. Queria que falasse um pouco sobre isso, do risco que corre o cinema nacional.

Quem trabalha com arte e cultura no Brasil vive hoje sobressaltado e inseguro. Caminhamos para uma situação que aponta para a censura, perseguição aos que pensam diferente e são críticos, e que toda a área cultural e artística será tratada como inimiga. Para não parar, [artistas e produtores] buscam equilibrar-se em meio a esse caos, obrigados a tirar leite de tijolo para manter as atividades e artísticas funcionando.

Todo o sistema de patrocínio e fomento público está ameaçado. Sem o apoio das políticas públicas e com o fim do Ministério da Cultura, todo o processo cultural e artístico passa a ser mais lento, mais precário, mais cheio de contratempos e de reviravoltas, na base apenas da vontade dos artistas, produtores e fazedores de cultura e do enorme impulso criativo do povo brasileiro. Desde o impeachment da presidenta Dilma Roussef estamos vivendo um retrocesso e parece que o pior ainda está por vir.

Sobre a Rouanet, mais especificamente, como você vê as mudanças?

Medidas inócuas, demagógicas e refletem um total desconhecimento da lei e dos seus mecanismos. Só vai piorar a situação e tornar mais difícil para a arte e a cultura em geral. As medidas dessa IN são inócuas e demagógicas. Fingem democratizar e cercear abusos. Essa IN é um conjunto tosco de quem ouviu o galo cantar e não sabe onde. Só vai complicar ainda mais e inviabilizar o patrocínio e o fomento.

Outra critica é o fato de a classe artística não ter sido consultada. O próprio deputado Alexandre Frota, do partido do presidente, falou isso. Quer dizer, não há nenhuma tentativa de diálogo por parte do governo?

Como se já não fossem suficientes os problemas que o país está enfrentando e as crises do governo – uma crise econômica profunda, desemprego, perda de direitos sociais etc. – o presidente eleito Bolsonaro resolveu declarar guerra à arte e à cultura e chamar os artistas para a briga. Estão tentando destruir os avanços do cinema e do audiovisual brasileiro dos últimos anos, cercear e talvez extinguir a Ancine, interrompendo as linhas de financiamento público ao cinema brasileiro e agora resolveram inviabilizar a Lei Rouanet. Não são capazes nem querem aprimorar a Lei. Trata-se de uma política de terra arrasada.

Existe, por trás dessas mudanças, um claro viés ideológico, de desfazer políticas dos governos anteriores e de combater uma arte que seria de “viés ideológico de esquerda”. Ideólogos do governo e da nova direita falam, por exemplo, do marxismo cultural, que teria dominado a área cultural e acadêmica… 

Às vezes eu me pergunto de que filme de terror saíram esses personagens. Paranoicos e belicosos, não se adaptam ao ambiente democrático.

E como você pensa que pode haver nesse momento uma resistência ao que está acontecendo, à essas mudanças todas e às políticas para a cultura do novo governo?

Precisamos defender o que conquistamos nos últimos 20 anos. Precisamos recuperar o MinC. Precisamos defender as políticas públicas que materializam a responsabilidade do Estado democrático para com o desenvolvimento cultural do país. Em vez de extinguir, aprimorar os mecanismos e os direitos conquistados. Para começar, é preciso retomar o clima de respeito pelos que pensam diferente e investir na inteligência e no diálogo como condição básica para a vida em sociedade. Precisamos olhar para o futuro e entender que não há saída fora da democracia.


Cadastre-se na nossa newsletter

2 comentários

  1. TIRE A CULTURA DO MUNDO, PRA VER O QUE VAI SOBRAR!
    Léo Muniz

    Tenho como viajante
    visto e tenho me espantado
    um valor abandonado
    visto como irrelevante
    mas ele é muito importante
    nós devemos preservar
    dele muito bem cuidar
    a toda hora e segundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Quem diz que é desimportante
    supérflua e sem valor
    embora seja doutor
    continua ignorante
    desinformado e pedante
    não nota o que é pra notar
    não pisa onde é pra pisar
    é como um solo infecundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Diz que é segundo plano
    que não é prioridade
    mas veja que na verdade
    quase todo o ser humano
    seja sicrano ou beltrano
    sente gosto em relatar
    as coisas do seu lugar
    de onde foi oriundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Esse sujeito que diz
    que a cultura é dispensável
    creio que é bem provável
    que ele não seja feliz
    como sela sem teliz
    sem música para alegrar
    sem cordel pra declamar
    com sofrimento profundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Nunca viu televisão
    nunca foi num teatro
    nunca assistiu o Renato
    da familia de Aragão
    nem sabe quem é Faustão
    dá até pra se pensar
    que ele nunca viu falar
    em um Tim Maia rotundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    De circo não tem noção
    não dá valor ao palhaço
    fica feito um joão sem braço
    quando se fala em Sansão
    nunca viu um bom São João
    e carnaval nem pensar
    nem sabe o que é desfilar
    vive como um moribundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Nem nunca entrou num cinema
    nunca um filme assistiu
    nem nunca se divertiu
    nem recitou um poema
    sabe nada de iracema
    nem quem foi Zé de alencar
    vai logo se atravancar
    se dançar por um segundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

    Nunca ouviu um bom cantor
    nem nunca foi num forró
    nunca afroxou o gogó
    pra cantar pro seu amor
    cabra macho sim senhor
    desses que ao andar
    nunca muda seu olhar
    preso no oco-do-mundo
    TIRE A CULTURA DO MUNDO
    PRA VER O QUE VAI SOBRAR

Deixe um comentário

Por favor, escreva um comentário
Por favor, escreva seu nome