Representantes de fóruns, sindicatos e coletivos de artistas, durante audiência pública na Assembleia Legislativa
Representantes de fóruns, sindicatos e coletivos de artistas, durante audiência pública na Assembleia Legislativa

Em uma audiência pública com dezenas de artistas, produtores e gestores de cultura na tarde de quarta-feira, 20, na Assembleia Legislativa, na capital paulista, ativistas do setor pediram a revogação imediata dos editais da Lei Paulo Gustavo (LPG) elaborados pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Estado de São Paulo. Na manhã desta quinta-feira, 21, o próprio Ministério da Cultura, responsável pela execução da lei, soltou um comunicado advertindo para os desvios de finalidade de editais públicos.

A Lei Paulo Gustavo é uma lei federal de fomento à cultura que foi construída em 2021 e aprovada em 2022, com amplo apoio do Congresso Nacional e da comunidade artística nacional. A exemplo da Lei Aldir Blanc (LAB), de 2020, trata-se de uma legislação emergencial que dispõe sobre ações destinadas ao setor cultural (em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19). Em todo o país, estão sendo injetados, até o final deste ano, R$ 3,8 bilhões na cultura por meio da LPG. Então, por que os artistas estão tão empenhados na suspensão de sua aplicação em São Paulo?

Segundo os diagnósticos apresentados por representantes dos setores artísticos e coletivos diversos aos deputados estaduais, os problemas decorrem do seguinte: os 24 editais publicados neste mês  de setembro pela Secretaria de Cultura do Estado deverão ser distribuídos para apenas 900 projetos culturais, conforme estimativa do governo estadual. Isso representa 677,7% menos do que a Lei Aldir Blanc (que destinou R$ 264 milhões para São Paulo em 2020) conseguiu beneficiar em 2020, quando atingiu cerca de 7 mil projetos e iniciativas.

Os estudos dos coletivos artísticos apontam para outras formas de exclusão contidas nos editais. Os editais paulistas da LPG em São Paulo privilegiam grandes produções e propõem a concentração desses recursos – enquanto a Lei Aldir Blanc tinha uma média de R$ 37 mil  por projeto (e o próprio PROAC 2023 do governo do Estado tem um valor médio em torno de R$ 100 mil), a LPG distribuirá uma média de recursos média superior a R$ 400 mil.

A análise também apontou que 21 dos 24 editais destinam-se a projetos de pessoas jurídicas, em detrimento das pessoas físicas (o que é um contrassenso, para uma lei emergencial, já que quem mais sofreu as consequências da pandemia foram as pessoas físicas). Os editais ainda exigem que essas pessoas jurídicas tenham ao menos cinco anos de funcionamento legal, o que, além de ser um número arbitrário, desconsidera as centenas de pessoas que durante os últimos anos saíram do trabalho informal para abrir suas empresas culturais e voltar à formalidade. Os ativistas veem aí um direcionamento flagrante.

DESVIO DE FINALIDADE

O conjunto de editais, segundo os relatórios entregues na Assembleia Legislativa, contribui para tornar a LPG (se for mantida essa publicação), injusta, restritiva, totalmente desalinhada com o que versa o texto da lei e ainda atendendo a desvio de finalidade, já que os editais de audiovisuais (a maior parte dos recursos) desconsideram desigualdades regionais e históricas, retirando a obrigação de que ao menos 50% dos inscritos sejam de fora da capital. Isso é contrário ao texto da lei, que pede desconcentração territorial.

O impasse em São Paulo, a pouco mais de uma semana de se encerrarem as inscrições para pleitear os recursos da legislação, já preocupa o Ministério da Cultura. O comunicado desta quinta-feira, assinado pelo secretário executivo do ministério, Márcio Tavares, adverte para a necessidade de que sejam observadas algumas peculiaridades da Lei Paulo Gustavo. O Ministério da Cultura salienta que os editais da legislação não se enquadram nas regras da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, pois não se trata de contratação de serviços e aquisições de bens. “Assim, os estados, Distrito Federal e municípios devem abster-se de utilizar esses dispositivos para a execução das seleções públicas de fomento cultural”, avisa o texto.

O comunicado lembra que os agentes culturais que porventura forem contemplados com recursos dos editais só deverão focar no cumprimento de suas propostas (a efetivação do projeto é o critério primordial da prestação de contas), e que a exigência de relatório de execução financeira será uma medida excepcional. O espírito da lei é o de socorrer uma área fragilizada e vulnerabilizada pela pandemia e seus efeitos e pela “blitz” de obscurantismo empreendida pelo antigo governo de Jair Bolsonaro contra o setor, notoriamente crítico e independente em relação aos desmandos de uma gestão autoritária e fundada em preconceitos de gênero, raça e origem social.

Preocupados com o esgotamento dos prazos, os artistas, ativistas e gestores decidiram, na audiência pública da Assembleia Legislativa, procurar a secretária de Cultura, Economia e Indústrias Criativas, Marilia Marton, e também o próprio governador do Estado, Tarcísio de Freitas, para suspender com urgência o processo em curso com os 24 editais publicados. O setor diz que o governo do Estado ignorou as deliberações anteriores à publicação dos editais que foram fruto de pactuação, debates e discussões durante meses em todas as regiões de São Paulo, e pedem que esses subsídios voltem a ser considerados numa possível republicação.

 


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