Manifestantes ocupadam a fachada no Congresso em manifestação de 2013. FOTO: Mídia Ninja

*Almir Pazzianotto Pinto

Tomo de empréstimo a Ortega y Gasset o título do artigo. Estamos, de fato, perante surpreendente, mas inevitável rebelião das massas, sofridas, abandonadas, pisadas por sucessivos governos, não importa de que partido político.

Não se trata de puro vandalismo, conquanto vândalos se aproveitem de situações caóticas para extravasar instintos anárquicos e destruidores. O que se percebe é a repentina e incontrolável erupção vulcânica, que faz aflorar o sentimento cívico de jovens estudantes ou pacíficos trabalhadores e servidores públicos, supostamente indiferentes e apáticos perante a corrupção.

O povo ocupou ruas e avenidas porque se convenceu de que não dispõe de canais de comunicação válidos e confiáveis com autoridades municipais, estaduais ou federais, pertençam elas ao Executivo, Legislativo, Judiciário. Deu-se conta de que, apesar de existirem 30 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral, não existem partidos e políticos que o represente e defenda com empenho, coragem, honestidade. Do PMDB, registrado sob o no 1, ao Partido Ecológico Nacional – PEN, cujo número de registro é 30, passando por PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB, PP, PSD e todos os demais, são meras siglas sem posição ideológica, que se digladiam para a conquista do poder pelo poder, ou na busca de ministérios, cargos, estatais, sociedades de economia mista.

Desamparado, ao povo restou sair às ruas, enfrentar cassetetes, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, deixando vir à tona a indignação de que está possuído, perante a ininterrupta onda de impunidade. Não por acaso, entre os cartazes exibidos pelos manifestantes, muitos cobram condenações efetivas para os réus do “mensalão”, pelo temor de que o Supremo engate marcha a ré e os absolva.

O encarecimento do bilhete único foi apenas o estopim de revolta que tardou acontecer. Estopim porque, entre todos os serviços públicos, em São Paulo e nas grandes capitais, o transporte coletivo é seguramente o pior. Não se trata de saber se o município subsidia ou não, se o valor cobrado é razoável, qual a porcentagem de aumento. O que há, entre os usuários, é a sensação de serem tratados como gado, e de que todas as promessas feitas, em repetidas campanhas, jamais serão cumpridas.

Se o aumento do bilhete único foi o estopim, a construção de fantásticos estádios para a Copa do Mundo, com dinheiro surrupiado dos contribuintes, forneceu a pólvora. Embora tivessem garantido, quando o Brasil foi escolhido como sede do campeonato, que tudo seria feito com recursos da iniciativa privada, o que se sabe é coisa radicalmente distinta, conforme dados publicados constantemente pela imprensa. Habituado a denúncias de superfaturamento e favorecimento, as obras da Copa do Mundo, de acordo com os números conhecidos, ultrapassaram todos os limites, e provocam a justa ira da população espoliada, como se viu em Brasília, no Estádio Mané Garrincha, quando a presidenta Dilma e o cartola multinacional Joseph Blatter foram estrepitosamente vaiados.

Entender as origens da rebelião não é tarefa difícil. Basta olhar a fisionomia dos participantes, na esmagadora maioria jovens sob a liderança de outros jovens, e conhecer minimamente a realidade.

O encarecimento do bilhete único foi só o estopim da revolta, que tardou a acontecer. Entre os serviços públicos, o transporte coletivo é o pior

As surpresas correm à conta do comportamento das autoridades. Nenhuma se mostrou à altura dos acontecimentos, deu demonstrações de haver entendido a gravidade do que se passava, ou competência para não perder o controle da situação. A participação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), foi patética e reveladora do espírito oportunista de S. Ex.a. Procurou lançar a culpa sobre o governo do Estado, esquecido de que parte considerável do transporte público é de responsabilidade do prefeito Fernando Haddad, do PT, autor, por sinal, do aumento de 20 centavos.

O velho PMDB, de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Freitas Nobre, Nelson Carneiro, Orestes Quércia, Pedro Simon e o PT representavam, na década de 1980, as esperanças de mudanças, após a derrota do regime militar. Hoje, inexistem, ou melhor, se divorciaram das raízes, confundem-se com os demais e não conseguem se comunicar com o povo. Descontados os excessos inevitáveis quando as lideranças estão divididas e diluídas no interior da massa, é indispensável reconhecer a importância das manifestações. O sucesso alcançado perderá sentido, entretanto, se for apenas passageiro. A partir de agora cabe aos jovens manifestantes a responsabilidade de se integrarem efetivamente na vida política, com o propósito de revitalizar os partidos, desalojar ultrapassados dirigentes e influir no resultado das próximas eleições. Se conseguirem, todos os sacrifícios serão válidos, e o Brasil brevemente se transformará no país desejado pelo povo.

 


*Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho 


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