Maria Laet, Terra, 2015
Maria Laet, Terra, 2015

O silêncio alinhava. A calma faz sua escuta entre as frestas do asfalto e aplaina os veios com o líquido viscoso que deixa a marca de um grafismo denso, mas delicado. Maria Laet e seu trabalho têm a rara identidade entre autor e obra. Ambos atuam em silêncio e com um tempo dilatado. Ela está entre os artistas convidados da 33ª Bienal de São Paulo com um vídeo ainda não revelado, mas que pode tangenciar a reflexão do presente e sua fugaz duração, tomando o silêncio como objeto de reflexão.

Seu trabalho é pendular no sistema de arte, intimista, pensado, sem pressa. De qualquer ângulo que se olhe, ele transmite leveza e se revela como um invento do olhar recuperando apagamentos da cidade. A ideia de que o presente se compõe da justaposição de realidades distintas e camadas desconexas surge em Leito (2013), em que a superfície da calçada ou da rua é camuflada e transforma-se em um “mapa” ao receber o leite em suas rachaduras, constituindo-se em um canal fluído. Na contramaré da espetacularização, Maria trabalha na quietude e as transformações formais aparecem naturalmente e adquirem uma qualidade existencial acumulativa, por meio de um ciclo sutil.

O corpo é uma fonte de mensagem em si mesmo e destaca um de seus trabalhos singulares. A apropriação do poema concreto Galáxias, de Haroldo de Campos, escrito sem pontuação, abre várias possibilidades de leitura dos versos que ela transforma em fragmentos. Acompanhando o CD encartado, Haroldo lê 16 páginas de sua obra que deveria, segundo ele, ser lida em voz alta, como um livro-canção. Essas páginas compõem o trabalho da artista, e os furos correspondem aos silêncios que pontuam as breves pausas que Haroldo realiza durante a leitura. São espaços de respiração, tornam visível o invisível, como o limite que não é limite, como limite aonde se dá o encontro. Os furinhos são aonde o próprio papel respira, por onde passa luz e ar.

O que mais atrai no trabalho de Maria é essa leveza do tempo que perpassa tanto pela natureza, mas também pelo homem, de maneira tão fluída como uma névoa, como se a memória se diluísse nos pensamentos. As costuras, as rachaduras que sugam areias, líquidos que parecem veias preenchidas com algum apagamento indevido. Quando vi sua obra, no documentário de um canal de arte, pude perceber melhor o efeito do tempo em seu fazer. “Fico bastante tempo sozinha. E mesmo quando não estou, existe um silêncio íntimo, um estado de solidão que se mantém”, conta a artista. Ao contrário de algumas afirmações, não sinto acasos em seus desenhos, tudo parece como rios que escorregam calados, reforçando sulcos. O presente em sua obra se compõe pela sobreposição de realidades atemporais, no entanto tudo parece harmônico em torno de um tempo de condições efêmeras ou temporárias. Qual seria a chave do conceito? “Me interesso por elementos, estruturas que não sejam fechadas ao outro, que se deixem marcar, transformar e permear, falando ao mesmo tempo de limite e de continuidade”.

Em um voo sobre sua obra percebe-se a analogia entre a imagem, sujeito e olhar. Mas existiria uma busca fenomenológica da presença contínua? “Minha linguagem é visual e meu processo é movido pela percepção, intuição e sentimento. Não tenho questões de ordem filosófica como meu ponto de partida, como algo que me oriente. Mas é claro que o trabalho pode ser interpretado de um ponto de vista filosófico, e isso é bem-vindo”.

Em vídeo ou em instalação, ela tematiza o tempo e parece captar fragmentos do mundo irritadiço contemporâneo que, para o cidadão comum, apressado, parece o tempo não produtivo, desperdiçado, excedente, uma temporalidade suspensa. Mas, em seu universo é tudo ao contrário, porque justamente essa cadência lenta que dá ritmo à pulsação contínua e repousante de sua arte.


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