Wi-fi Gráti
Instalação Wi-fi Grátis (ou Intromissão). Foto: Melina Furlan

Por Clara Sampaio
Colaboraram: Carlo Schiavini e Elvys Chaves

Wi-Fi grátis é uma frase familiar em boa parte dos centros urbanos, acompanhada de símbolos que se tornaram parte da linguagem visual contemporânea. Invisível, mas essencial, essa rede conecta pessoas, rompe barreiras físicas e redefine a maneira como o conhecimento e a participação se tornam possíveis. No contexto da obra proposta pelos artistas Carlo Schiavini e Elvys Chaves para o 8º Seminário Internacional Arte!Brasileiros em Vitória, porém, essa ligação se propõe como um gesto de “hackeamento”, uma atitude que questiona as estruturas institucionais e a própria materialidade do objeto de arte.

Como podem os públicos estarem ainda mais ativos e engajados? Quais corpos são incluídos ou excluídos das instituições culturais? Partindo dessas questões, os artistas criam uma escultura que explora o deslocamento crítico entre dentro e fora, arte e público.
Posicionada na biblioteca do Museu de Arte do Espírito Santo (MAES) – um lugar simbólico do papel educativo da instituição – a obra estabelece um diálogo direto entre o espaço do museu, seu acervo e a cidade, acionado por transeuntes, que, por meio de uma câmera na fachada do museu, incorporam uma veste digital.

Por sua vez, dentro da biblioteca, imagens são construídas em diversas superfícies, televisores com “defeito”, cujas particularidades de emissão de sinais e glitches compõem pictoricamente seu desenho. Em um deles é possível ver o modelo humano que gerou o elemento vestível: encontrado em um banco de dados, este corpo vazio, misterioso e sem cor, conecta-se aos seus semelhantes num espaço digital infinito: sem tempo, sem som, sem lugar.

Assista ao VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros: Narrativas contra-hegemônicas

Essa fusão entre o corpo e a tecnologia, expõe a onipresença de sistemas que sobrepõem as dimensões do público e do privado, do indivíduo e do coletivo. É a partir nessa noção de rede, que não apenas une, mas também permite observar e codificar, recombinar e materializar, que este trabalho se situa.

A instalação se estrutura a partir de uma composição vazada em ferro, sustentando televisores, painéis e outros dispositivos, criando um ambiente que remete tanto à transparência quanto à exposição dos meios de comunicação e controle. Para os artistas, “a ferragem exposta não é um detalhe secundário, mas um elemento essencial para que a obra cumpra sua função crítica e conceitual. Ela evidencia os processos e materiais de construção e reafirma a necessidade de espaços artísticos mais abertos, acessíveis e transparentes.”

Nesse embate entre corpo e tecnologia, a fusão entre o humano e a máquina se torna inevitável, e, como nos propõe Haraway 1, “há prazer nessa confusão de fronteiras, mas deve haver responsabilidade nessa construção”. A obra não apenas materializa essa interseção, como também alerta para seus riscos, evidenciando os limites fluidos entre criação humana e artificial, presença e controle, autonomia e vigilância.

Essa experiência convoca as pessoas ao risco: o de serem capturadas, mesmo que momentaneamente, ainda do lado de fora — e instadas a entrar, se quiserem. Wi-Fi Grátis pretende cativar com seu aparente “lugar comum” e convidar a uma reflexão e uma percepção mais profunda das urgências que nos atravessam.

O atrevimento em disponibilizar uma rede de internet em uma instituição ainda sem esse serviço, entende tal questão como urgente, e o gesto como mote e obra. Insere o trabalho na longa tradição da desmaterialização do objeto artístico, mas reafirma sua atualidade ao ressignificar a presença e a democratização dos espaços institucionais. No cruzamento entre tecnologia e estética, questiona-se não apenas o que significa estar conectado, mas para quem essa possibilidade realmente está aberta.

(1) Haraway, Donna J. Manifesto Ciborgue. O Manifesto das Espécies de Companhia. Tradução de Ana Maria Chaves. Lisboa: Orfeu Negro, 2022. ✱


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