Abdias Nascimento, Raízes n.º 1, exposta em Inhotim
Abdias Nascimento, Raízes n.º 1 - Tributo a Aguinaldo Camargo, 1987. Foto: Coleção Museu de Arte Negra - IPEAFRO

Em junho, o Instituto Inhotim inaugurou um novo momento de sua história. O empresário, colecionador, mecenas e fundador do Inhotim, Bernardo Paz, transferiu de forma definitiva para a instituição uma inestimável coleção composta de aproximadamente 330 obras de sua coleção de arte contemporânea nacional e internacional, incluindo todas as 23 galerias e obras permanentes do museu.
A pandemia e as dificuldades econômicas que exigiram a redução de equipes de trabalho não conseguiram tornar opaco o brilho dos jardins que albergam mais 4,3 mil espécies de diversos continentes e que formam parte do Jardim Botânico do Instituto.

A doação de Bernardo Paz encabeça o projeto O Inhotim de Todos e Para Todos, que tem como objetivo fortalecer a vocação pública da instituição, seu caráter de museu vivo e seu colecionismo ativo.

O movimento inclui também a constituição de uma nova governança, com representatividade da sociedade civil, liderada por uma nova diretoria formada por Lucas Pessôa, como diretor presidente, Paula Azevedo, diretora vice-presidente, e Julieta González, diretora artística.

A coleção tem expoentes da cena nacional e internacional, como Anri Sala, Arthur Jafa, Babette Mangolte, Chris Burden, Dan Graham, David Lamelas, Do Ho Suh, Ernesto Neto, Matthew Barney, Nelson Leirner, Rosana Paulino, Olafur Eliasson e Yayoi Kusama.

A doação, de caráter definitivo e irrevogável, contempla também as galerias emblemáticas de artistas como Adriana Varejão, Carlos Garaicoa, Cildo Meireles, Doug Aitken, Lygia Pape, Matthew Barney, Miguel Rio Branco, Valeska Soares, Rivane Neuenschwander e Tunga, entre outros.

“O Inhotim nasceu de um projeto de vida e foi se ampliando ao longo dos anos. A doação é um processo natural desse percurso. O Inhotim não é meu, é de todo mundo”, afirma Bernardo Paz, fundador do Instituto.

Com a chegada da nova diretoria em janeiro de 2022, o Inhotim deu início a um processo de ampliação da participação da sociedade civil. Para isso, uma das primeiras medidas foi a constituição de uma nova e moderna governança, por meio da formação de um novo Conselho Deliberativo.

O novo Conselho terá Bernardo Paz como presidente e o empresário mineiro Eugênio Mattar como vice-presidente. Junto a eles estarão 18 pessoas, entre executivos de diversos setores e agentes culturais como Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheiras 101 – programa que visa à inclusão de mulheres negras em conselhos de administração – e CFO da 99jobs; Susana Steinbruch, colecionadora e conselheira fundadora da Fundación Museo Reina Sofia; e Guilherme Teixeira, diretor da Barbosa Mello Construtora.

O Conselho passa a ser a instância máxima da instituição, com mandatos alternados e estabelecidos, assegurando sua constante renovação. O grupo, neste momento constituído por 20 pessoas – que deverá ser ampliado até o fim do ano com mais dez integrantes –, terá mandatos temporários, renovados de três a quatro anos. O novo Conselho será responsável pelas deliberações administrativas e financeiras do Instituto, mas não terá papel decisório na programação cultural, que se mantém independente e organizada pela diretoria artística. Além do grupo Deliberativo, o Inhotim também terá um Conselho Fiscal, com a função de acompanhar e fiscalizar as prestações de contas e a organização financeira da instituição.

O objetivo desta proposta organizacional é permitir maior transparência e contato com a sociedade como um todo, dada a magnitude do projeto.

Novas exposições

A curadora Julieta González e o curador assistente de Inhotim, Deri Andrade, inauguraram na Galeria da Mata o Segundo Ato do Museu de Arte Negra, idealizado por Abdias Nascimento. A exposição, realizada em parceria com o IPEAFRO, enfoca a história do Teatro Experimental do Negro, criado em 1944. Documentos, livros e fotografias mostram o quanto, já nos anos 1950, era profícuo o movimento antirracista e pelo reconhecimento da arte negra no Brasil. A carreira de Abdias Nascimento foi permeada pela importância que, para ele, tinham as raízes africanas na cultura do País. Foi isso que guiou sua trajetória como dramaturgo, escritor, artista plástico e parlamentar.

Essa mostra cresce em conversa com o vídeo apresentado na Galeria da Praça, de Isaac Julien, Looking for Langston: I Dream a World, que parte de uma pesquisa sobre a vida do poeta, ativista social, dramaturgo afro-americano Langston Hughes (1902-1967), seus amigos e colegas escritores negros que formaram o Renascimento do Harlem, movimento que ocorreu no começo do século 20, baseado nas expressões afro-americanas e que refletiam sobre identidade e sexualidade.

A investigação sobre personalidades proeminentes do século 20, como Langston, é uma constante na obra de Isaac Julien. O artista se debruça sobre a vida de personagens de começo de século, com o objetivo de revisitar as narrativas históricas oficiais.
O vídeo reúne imagens ficcionais, reproduzindo impecavelmente costumes de época, junto a imagens jornalísticas, No caso de Hughes, Julien faz uso da ficção para refletir e desmistificar o estereótipo do homem homossexual, negro e americano que, na década de 20, não podia se expressar como gostaria. “É uma tentativa de preencher as lacunas da história com uma ficção”, diz Douglas de Freitas, curador do Inhotim.

Isaac Julien, Stars, da série Looking for Langston Vintage, 1989-2017. Foto: Cortesia do artista

 

A doação contribui para tornar Inhotim mais ativo

Por Patrícia Rousseaux

arte!brasileiros conversou com a curadora Julieta González, nova diretora criativa que traz para Inhotim uma importante trajetória internacional. Atuou como curadora em instituições como o Tate Modern (Londres), o Masp, o Museo Tamayo (Cidade do México), o Museu do Bronx (Nova York) e o Museu de Belas Artes de Caracas. Em 2019, deixou o Museo Jumex, também no México, mas continuou trabalhando como curadora independente.

ARTE!✱ – Julieta, gostaríamos que comentasse algum exemplo de curadoria que lhe pareça emblemático na tua carreira.

Eu cito duas exposições que fiz com quase 15 anos de diferença, mas que tentaram, cada uma à sua maneira, desmontar algumas das matrizes de pensamento ocidental que dão forma aos nossos regimes visuais, culturais e museológicos. A primeira é Etnografía: Modo de Empleo – Arqueología, Bellas Artes, Etnografía y Variedades, que realizei no Museu de Belas Artes de Caracas, em 2002. Essa mostra desmontava a mirada etnográfica sobre o “outro” e fazia uma dissecção das metodologias antropológicas e suas lógicas com respeito à arte contemporânea.

A segunda foi Memorias del Subdesarrollo: Instancias Tempranas de Estéticas Descoloniales en América Latina (1960s-1980s), mostra que partiu do meu trabalho de tese de mestrado. Foi uma pesquisa para o projeto iniciado pelo Getty Institute, Pacific Standard Time, Latin America in LA, que pretendia tirar a produção artística da América Latina desses anos do nicho de conceitualismo latino-americano, a qual havia sido consignado nestas últimas duas décadas, e entender as especificidades de diversas produções sobre a lógica desenvolvimentista que permeou as diversas modernidades no continente. Acho que as duas mostras falam de uma constante na minha pesquisa como curadora, de pensar e articular o nosso discurso a partir da América Latina.

Julieta González, diretora criativa do Inhotim
Julieta González, diretora criativa do Inhotim. Foto: Patricia Rousseaux

Você chega a Inhotim num momento importante. Como você o vê?

A doação contribui para tornar Inhotim mais ativo, com uma programação pública mais intensa, mudanças mais dinâmicas nas galerias, colaborações com outras instituições, uma integração ainda maior entre arte e natureza e com as comunidades do entorno.

O que Inhotim traz como desafio? Como você resolveu a programação no caso das atuais inaugurações? Qual é o foco para este espaço expositivo?

Inhotim é um lugar como nenhum outro no mundo, e essa diferença traz muitos desafios que incitam a pensar muito além da arte e da exposição num sistema, indo para uma ecologia, onde a arte se encontra em relação com o território, a comunidade e a natureza.

No caso das inaugurações atuais, trabalhamos muito para dar uma forma mais específica ao projeto de Abdias Nascimento e convertê-lo no eixo norteador do programa até o final de 2023, quando terá fim esta parceria com IPEAFRO, que realmente inaugura uma virada epistêmica no pensamento, programa e na coleção do Inhotim, e uma relação mais permanente e estável com diversas comunidades, entre elas, a afro-brasileira.

Como são decididos os orçamentos na instituição? Um projeto é apresentado e então busca-se um financiamento, ou há um orçamento anual, por projeto, ao qual é preciso se adequar?

Estamos num momento inicial onde muitas coisas estão sendo reformuladas, mas o procedimento é bem parecido com o de outras instituições: fazemos uma previsão orçamentária, e o programa é construído a partir desses recursos disponíveis.

Como funciona a gestão? Vocês discutem os projetos em conjunto, entendendo e adequando conceitos e prioridades?

A diretoria artística é bastante autônoma no sentido que, depois de alinhar os pontos essenciais do programa, compartilhamos com o diretor-presidente e a diretora-vice presidente para viabilizar financeiramente ou para articular eventuais colaborações institucionais.

Qual é a relação da diretoria – mais especificamente da diretoria artística, sua neste caso – com a curadoria de arte, atualmente de Allan Schwartzman e Fernanda Arruda?

Allan Schwartzman é uma figura fundamental do Inhotim, iniciou este projeto com Bernardo Paz. Hoje, junto com a Fernanda Arruda, trabalha mais perto do Bernardo na aquisição de obras para sua coleção e em algumas das comissões artísticas para o Instituto. A direção artística e a equipe curatorial possuem um diálogo com eles sobre o programa e pontos em que as diversas estratégias podem se alinhar. Herdamos vários projetos iniciados por Allan e Fernanda, e que agora irão se concretizar, como a galeria para as obras de Yayoi Kusama, entre outros.

Houve um boato de que Inhotim estaria interessado em comprar a obra do pavilhão brasileiro de Veneza, do artista Jonathas de Andrade. Procede? Num caso desses quem toma as decisões de incorporar obras ao acervo do museu?

Com a doação das obras ao acervo de Inhotim, daqui para frente as aquisições serão definidas a partir de estratégias periódicas. Sobre sua primeira pergunta, essa possibilidade não entrou nas nossas estratégias.

Quais são os próximos movimentos?

São muitos. Por agora, os próximos atos da parceria com o IPEAFRO e a reorganização das salas temporárias de Inhotim, em diálogo com os temas que articulam as exposições de Abdias com as últimas aquisições de Bernardo Paz – muitas das quais formam parte desta doação. Estamos também dando continuidade a projetos infraestruturais como remodelação de galerias, conclusão de galerias que foram projetadas com anterioridade à nossa chegada, e projetos novos sobre os quais falaremos quando estiverem mais adiantados.


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