Impressões coloridas modernas secando após serem lavadas novamente depois da inundação em Avebury Manor. Foto de Anna Barnes

A preservação a longo prazo de fotografias impressas — dadas as complexas reações químicas a que estão sujeitas, por natureza, e seu suporte de papel, frágil — já é um grande desafio em circunstâncias normais. Mas as aceleradas mudanças climáticas no mundo têm tornado as coleções fotográficas um desafio ainda maior e mais urgente, à frente de outros suportes. Instituições internacionais, como o Parlamento Europeu e o National Trust (Fundo Nacional para Locais de Interesse Histórico ou Beleza Natural, uma organização de conservação do patrimônio do Reino Unido) têm alertado, em relatórios, para a necessidade de se mudarem os protocolos de manutenção, exibição, armazenamento e preservação de fotografias históricas ou artísticas, especialmente as mais antigas, conforme aumentam os casos de deterioração dessas obras por conta do aquecimento global.

Em 2023, em um estudo denominado Museums, libraries and archives in the face of climate change challenges, o Parlamento Europeu identificou que, àquela altura, somente três em cada 10 museus examinavam mudanças diante dos impactos climáticos, e dois terços deles reportaram que não tinham conhecimento suficiente sobre a ação climática (60% dos museus europeus analisados não desenvolviam qualquer pesquisa sobre a mudança do clima). Essa situação vem mudando e já mobiliza diversas instituições pelo mundo (há relatos de museus adotando novas estratégias, como o Beaubourg, de Paris, e o MoMA, de Nova York). Entretanto, há um cenário não muito favorável pelo caminho – a fotografia não desfruta do mesmo status da pintura ou da escultura, por exemplo, e muitas coleções privadas muitas vezes podem estar sendo inadequadamente cuidadas ou armazenadas.

Governos e prefeituras do Brasil mantêm originais fotográficos preciosos em repartições, e não se sabe de ações de política pública para analisar os efeitos da situação nesses acervos. O Parlamento Europeu tem feito alertas gerais sobre o impacto dos aumentos de temperatura, chuvas torrenciais e inundações na proteção do patrimônio cultural e da memória coletiva, objeto de obras armazenadas em museus, arquivos, galerias e bibliotecas. São suportes em papel, couro, tela, seda, madeira, pedra e bronze. “Cada categoria requer diferentes condições de armazenamento em relação à temperatura, umidade, exposição à luz, etc. Se essas condições não forem garantidas, a integridade desses artefatos fica ameaçada por fatores mecânicos, químicos e biológicos”, diz relatório. A União Europeia se dispôs a ajudar as instituições a enfrentarem esses desafios, coordenando estudos técnicos especializados, defendendo os orçamentos para instituições culturais, trabalhando em recomendações e trocando conhecimentos e experiências acumulados pelos museus.

Arte!Brasileiros conversou com a britânica Anita Bools, Senior National Conservator Paper and Photography do National Trust do Reino Unido. O National Trust acompanha com especial interesse as questões dos efeitos das mudanças climáticas nas coleções de fotografia, conforme analisou em um estudo. O National Trust participou, em Belém, da COP30, a Conferência do Clima, de dois painéis: Culture at the Heart of Climate Policy and Action – A Collective Effort (Mutirão) e Cultural Power for Climate Action: Storytelling, Heritage & the Creative Industries.

arte!✱ – Vocês do National Trust possuem estatísticas sobre os efeitos da mudança climática na fotografia? Há orientações específicas para museus e instituições?

Anita Bools – Não possuo estatísticas sobre o impacto das mudanças climáticas e a adaptação a acervos fotográficos. Pouco foi publicado sobre o assunto. Mas a adaptação às mudanças climáticas é uma preocupação crescente, entre as muitas outras pressões que os acervos patrimoniais enfrentam. Para o National Trust, enquanto líder na preservação do ambiente construído e natural no Reino Unido, este assunto é de particular relevância e preocupação por diversos motivos. Por exemplo: alguns dos edifícios que preservamos estão localizados em áreas vulneráveis, como por exemplo a proximidade de regiões cada vez mais propensas a inundações. Além disso, diferentemente das coleções de museus, a maioria das nossas coleções, que reúnem todos os tipos de objetos, incluindo têxteis, móveis, esculturas, pinturas etc., é exibida em espaços abertos, em ambientes internos, e não em vitrines de museu, o que as expõe a um risco maior devido às intempéries.

arte!✱ – Aqui no Brasil, de algumas décadas para cá, tornou-se mais comum o colecionismo de fotografia. Também temos instituições modelares aqui, como por exemplo o Instituto Moreira Salles e o Itaú Cultural. Como os colecionadores privados, que têm fotos relevantes em suas casas, empresas e lugares públicos, podem se preparar para essa problemática?

Coleções particulares podem ser mais vulneráveis a danos. Assim como as coleções do National Trust, elas não são mantidas em um ‘ambiente de museu’, ou seja, protegidas por vitrines ou depósitos com ar-condicionado. No entanto, no Reino Unido, as coleções do National Trust contam com funcionários treinados para identificar problemas e os depósitos – que, embora não tenham ar-condicionado, possuem outros meios de controle ambiental. É um desafio para os proprietários de coleções fotográficas reconhecer as necessidades dos materiais fotográficos e saber a melhor forma de cuidar deles.

arte!✱ – Ouvi que fotografias coloridas estão sendo particularmente mais afetadas pelo aquecimento ambiental, e que algumas cores desaparecem. É correto?

É verdade que muitos tipos de fotografia colorida são mais reativos quimicamente ao ambiente do que a fotografia em preto e branco (monocromática). As mudanças climáticas impactam de diversas maneiras. Por exemplo: temperaturas mais altas e condições mais úmidas têm um impacto negativo em todas as fotografias, mas podem ser mais rápidas/severas em alguns processos de coloração – causando, por exemplo, desbotamento geral ou de cores específicas, perda de definição, descoloração etc. O Image Permanence Institute (Instituto de Permanência da Imagem | RIT) possui muitas informações úteis sobre este assunto. Henry Wilhelm foi pioneiro com sua importante pesquisa e livro, The Permanence and Care of Color Photographs (A Permanência e o Cuidado de Fotografias Coloridas), publicado em 1993. Atualmente, existem muitos recursos online disponíveis para ajudar.

arte!✱ – Por que a fotografia suscita uma atenção tão singular nesse quadro de emergência climática?

As fotografias são objetos especiais. No entanto, são frequentemente vistas como banais e comuns, não necessariamente valorizadas da mesma forma que, por exemplo, peças de mobiliário requintadas ou pinturas a óleo. Contudo, as fotografias são criadas por muitas razões – para registrar pessoas, lugares, eventos – para persuadir, para informar – ou desinformar, como imagens estéticas ou mesmo apenas como uma forma rápida de tomar notas; têm a capacidade de ajudar as pessoas a criar conexões emocionais, a contar as nossas histórias, a contribuir para a nossa compreensão das pessoas que as fizeram ou possuíram. Os álbuns de fotografias de família são frequentemente citados como os objetos que seriam os primeiros a serem salvos de um incêndio – ou de uma inundação.


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