Sem título (2023), Rafael Pereira. Foto: João Liberato
Sem título (2023), Rafael Pereira. Foto: João Liberato

Os portraits de olhos expressivos são uma marca da produção de Rafael Pereira, que até o dia 20 (sábado) apresenta sua primeira individual na Galeria Estação, em São Paulo. Com curadoria de Tiago Sant’Ana, Lapidar imagens reúne 20 óleos sobre tela do pintor paulista, cujas obras dialogam com a estética modernista. “Se você olha os fundos dos trabalhos dele, você vê Tarsila, Segall, Guignard, Portinari, Di. E sei que isso é espontâneo na prática dele. Eu não gostaria se não o fosse”, afirma a galerista Vilma Eid, em entrevista à arte!brasileiros. “Vejo que ele pesquisa muito em livros de arte. Mas o resultado não é uma reprodução de sua pesquisa, ele remete ao programa da galeria, em que apresentamos os não eruditos”.

A trajetória sinuosa de Rafael Pereira é uma chave importante para compreender a sua produção, que inclui ainda paisagens e naturezas mortas. Nascido em 1986, na capital paulista, trabalhou na adolescência, em Teófilo Otoni (MG), com a lapidação de joias preciosas, ofício que serviu de inspiração para o título de sua exposição. Na infância, conta ele, mesmo não tendo contato com obras de arte em sua casa, já esboçava interesse pela pintura e por desenhos. “Minha mãe e os meus familiares sempre falavam que eu gostava de ter contato com materiais artísticos”, diz.

O primeiro empurrão teria vindo em 2001, quando ganhou tintas e papeis do colecionador Torquato Sabóia Pessoa e de sua mulher, a ceramista Claudete Guitar. Sua mãe, Maria do Carmo Alves Jardim, trabalhava como funcionária doméstica para o casal. E, curiosamente, Pessoa havia sido sócio de Vilma na primeira galeria que a marchand teve, ao lado ainda de Paulo Vasconcellos. “Torquato sempre falava em apresentar o Rafael a mim, mas o tempo passou, e isso nunca aconteceu”, lembra Vilma. Não seria a única coincidência.

Em 2008, Pereira deixou a lapidação e passou a se dedicar à sua produção como artista, que vendeu por 13 anos na Rua Augusta, na Avenida Paulista e na Praça da República, entre outras via da cidade. Na Rua Teodoro Sampaio, perto da Praça Benedito Calixto, vendera há cerca de dez anos uma obra para o colecionador Edmar Pinto Costa. Foi por meio dele e da artista plástica Germana Monte-Mór que Vilma Eid foi finalmente apresentada ao artista, há cerca de dois anos.

Em 2013, Pereira começou uma série de viagens pelo Brasil, sempre vendendo suas obras nas ruas. Esteve em Novo Airão (AM), em Ouro Preto (MG), no Rio de Janeiro (RJ) e em Pontal do Paraná (PR), até voltar a se estabelecer em São Paulo, em 2018, em Caraguatatuba, no litoral norte do estado, onde mora atualmente. Com o confinamento durante a pandemia, em 2020, teriam surgido as primeiras naturezas mortas e paisagens. “Foi a partir desse momento que eu comecei a resgatar minhas memórias afetivas e soltei meu imaginário dentro da pintura”, conta Pereira.

A exposição traz uma dessas memórias afetivas do pintor: uma paisagem verde, uma colina salpicada por moradas e outras construções, que ele via desde sempre da janela de sua casa, na infância, e que ele pintara a partir de uma fotografia guardada por sua mãe. Seus retratos, no entanto, são geralmente pintados de memória. E mais recentemente o pintor procurou retratar mais corpos negros, consciente da invisibilidade a que são sujeitos, e também o resultado de um processo de autorreconhecimento.

Em sua prática, Pereira costuma mesclar e acrescentar novas técnicas. Começou com a tinta acrílica sobre papel, incorporou o giz pastel oleoso e a nanquim, até chegar aos óleos sobre tela presentes na individual. “Minha pintura está sempre em transformação, e eu não tenho medo de usar materiais diferentes”, diz.

Há cerca de dois anos, Pereira foi finalmente apresentado a Vilma Eid. “Combinamos que faríamos a exposição, mas antes daríamos um tempo de amadurecimento, tanto na  relação com a galeria, quanto com esse sistema de arte com que ele nunca trabalhou. Porque às vezes é algo assusta e bloqueia o artista”, diz a galerista. “Eu tinha medo de que o interesse por parte da galeria provocasse uma corrida por produção. Mas isso não aconteceu. Nunca o vi trazer um número grande ou pequeno de trabalhos. Era sempre a mesma quantidade de telas, o que mostra que ele tem uma rotina de trabalho constante.”

O amadurecimento envolveu também um curso online – a pandemia ainda empunha restrições – com o pintor Paulo Pasta. Segundo Pereira, nas aulas com Pasta vieram dicas sobre luz e composição que foram incorporadas a seu trabalho. “Foi uma orientação que ele me deu que eu levo até hoje”, afirma o pintor.

Ao longo desses dois anos, a Galeria Estação não guardou os trabalhos de Pereira. “Fomos mostrando, e não houve uma pessoa sequer que visse e não tivesse gostado. Todo mundo gosta muito. Eu brinco inclusive que ele é vendedor. Foram mais de 20 trabalhos vendidos”, conta a galerista.

A galerista destaca ainda que os trabalhos de Pereira trazem uma “poética singular”, que “reside na alma dele”. “Em suas obras isso é algo mais perceptível nos retratos, principalmente nos rostos. E na maneira como ele contextualiza seus personagens, estejam sentados, olhando na janela, pescando. Ele sempre tem uma narrativa”, diz Vilma. “Esse é o trabalho de que gosto de fazer: conhecer estes jovens, que são talentosos, mas ainda não tiveram oportunidade e dar a eles uma chance. E assim foi com o Rafael.”


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