Antonio Obá, 2025. Situação terreiro: acese

Ao entrar na exposição do brasiliense Antonio Obá, na Mendes Wood DM, em São Paulo, o visitante caminha ladeado pelas espadas-de-São-Jorge e espadas-de-Santa-Bárbara. As plantas de cura e de proteção na tradição afro-brasileira preparam quem chega para uma mostra cercada de elementos de sorte, rito e reza.

Intitulada Nascimento, a exposição ocupa toda a galeria com obras em sua maioria inéditas. De acordo com Obá, o conjunto apresentado parte de um grande recorte de um processo de pesquisa que tenta expandir suas autorreferências para uma experiência maior. Ele explica: “É uma situação de caminho. A partir desse nascer até culminar nesse desfecho, que é a morte, e as várias mortes que a gente acaba tendo nesse caminho todo. Por que não celebrar esses momentos? A gente costuma celebrar só o que é bom, mas por que não celebrar também o que é morte e o que é dúvida, sobretudo?”.

Para o artista, as obras em exposição são “formas de ritualizar, de mitificar, de celebrar esses vários caminhos e descaminhos”. Depois de atravessar o portal de plantas de cura, o visitante se depara com duas colunas de madeira, ou dois pelourinhos, cobertos por pregos. Enquanto em uma das colunas os pregos estão perfurados, na outra, eles estão ouriçados na posição oposta. “Quando concebi essa imagem, me veio à mente esse aspecto inevitável da vida: que a gente passa constantemente de ferir e ser ferido. Isso independe da nossa vontade, às vezes a gente não quer ferir e inevitavelmente isso vai acontecer em algum momento. Como também ser ferido. Então, eu acho que é uma forma de colocar no mesmo patamar essas duas situações ambivalentes”, reflete o artista. No centro dos dois pelourinhos, está uma cabeça de bronze, da qual pende um prumo que aponta para o jogo e para a sorte. Abaixo do prumo, no chão, está centralizada uma garrafa de Exu, um objeto ritualístico que compõe com a ideia de acaso.

 

Nas telas de maiores dimensões, Obá conta histórias pessoais, mas que alcançam uma “experiência simbólica do sagrado”, nas palavras do artista, quando se apresentam diante de outras pessoas. Em uma das obras, por exemplo, ele estava com dificuldades para chegar em uma solução. Um dia em seu ateliê, sua assistente contou uma lembrança de infância: quando ela visitava seus primos no interior, sua tia, na tentativa de fazer com que os filhos travessos não saíssem de casa, deixava-os sem roupas. A estratégia era falha e eles saíam e aprontavam do mesmo jeito, só que pelados. Essa imagem agradou Obá, que pensou nesse ímpeto de vida que faz as crianças se lançarem para a vida. E, assim, terminou a composição de Situação terreiro: estripulia.

Para a série de pequenas telas dedicadas ao tarô, baseou-se nos 22 arcanos maiores do tarô de Marselha. Com folhas de ouro e misturas de técnicas, as pinturas ganham ares de magia com as interpretações do artista que, a cada tiragem, buscava entender tempos da vida, como um modo de orientá-la. “Houve de fato esse aprofundamento não só intelectual, mas de vivência: eu tirava o tarô ali e internalizava aquele processo. E isso acabava aparecendo em sonhos. Acho que a leitura de Jung possibilita isso, né? Isso deixa um campo muito fértil para o imaginário. Então, tive sonhos muito fortes, muito poderosos. Acho que em um caráter formal, muita coisa se organizou melhor”.

No fundo da galeria, está uma instalação inédita que já era desejada há muito tempo por ele. Em uma sala vermelha com chão de terra batida e rachada, há peneiras de bronze douradas com ovos vermelhos em cima. Os ovos, símbolo de fertilidade, aparecem bastante nos trabalhos presentes. Sobre eles, colunas de búzios flutuam pela sala. Essa ascensão dos búzios surge como um território de elevação espiritual. “É quase como um convite de ‘Já que eu tô aqui, eu vou tentar melhorar essa existência’. É como aquela frase: deixa o lugar onde você saiu pelo menos um pouco mais arrumado ou se não do mesmo jeito. Mas nunca pior”, comenta.

Durante todo o ano, Obá se dedicou a produzir as obras desta exposição. Depois de passar de 8 a 10 horas com a mão no pincel, quando chegava a noite, seu processo de alívio mental se dava, curiosamente, desenhando. Sem usar referências externas, tudo que o artista sabia sobre esse processo era que desenharia corpos, que já estão na sua linha de pesquisa, mas nada mais. O resultado era sempre uma surpresa: “era como dar vazão ao desejo”. Sete desses resultados aparecem expostos lado a lado em uma das paredes da mostra.

A imagem da instalação Ka’a porá, de 2024, partiu de uma experiência ordinária: Obá andava de bicicleta pelo cerrado em Brasília, quando notou alguns troncos queimados, que não eram inéditos a ele, mas que dessa vez ganharam outra dimensão. A partir da imagem desses troncos, refletiu sobre “esse processo resiliente da natureza se renovar através dos ciclos. O que era seco e aparentava estar queimado, morto, na primeira chuva, reverdeceu”, conta.

Para ele, essa é uma lição que a natureza dá constantemente para projetarmos a nossa própria vida: “Quantas vezes a gente não se sente extinto, podado, aniquilado, e se vê numa situação de se renovar?” questiona. “Acho que é quase um processo de, nessa ideia cíclica, tentar se irmanar com a natureza. Esses processos de renovação que a vida propõe até o derradeiro fim. Até o derradeiro fim tem vários finais e reinícios”, conclui.


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