Liz Under, Mudo, 2016
Liz Under, Mudo, 2016

Sempre Gay: meninas de azul e meninos de rosa aborda conceitual e artisticamente a resistência de jovens artistas diante de situações de ódio, discriminação e apagamentos. Organizada pela Transarte, galeria voltada a projetos com temática LGBTQ e à arte transgressora, a exposição reúne Liz Under, Bia Leite, Eduardo Mafea e Pedro Stephan, com trabalhos de pura militância.

A arte contemporânea desenvolveu uma estratégia de aproximação com o cotidiano. A narrativa de todos eles não separa a arte da vida, e a contrassenha para a sobrevivência é manter-se em estado de alerta permanente diante de uma sociedade violenta para gays, mulheres, negros, indígenas e pobres. Os trabalhos nascem espontaneamente, sem se preocupar com a fatura, e a maioria deles espelha situações vivenciadas. Liz Under, 24 anos, abre a exposição com fotos de uma performance com lençóis vermelhos com fendas vaginais, realizada em seu estúdio em Salvador, onde morava e trabalhava. O ensaio protagonizado por ela coloca o espectador como voyeur de uma imersão sensual. Liz vive em Araraquara e nos três anos que passou em Salvador estudou e começou na arte fazendo grafites pelas ruas e cartazes lambe-lambe. Foi lá que experimentou na pele o desafio de fazer uma arte transgressora. “Mesmo dentro do Museu de Arte Moderna, onde fiz curso de litografia, não escapei de uma sociedade opressora”. Sua aversão pelo mundo machista inspirou um desenho com a imagem de um gato com um pênis atravessado na boca, que irritou seus colegas de curso. “Começaram a me tratar mal, a chamar o gato de Miserável. A pressão era tal que eu chegava a me vestir de homem para conseguir me impor naquele ambiente machista e discriminatório”. Liz também sofreu com as gravuras de suas musas emparedadas. “Na história da arte os homens pintam mulheres nuas para deleite masculino e eu coloco minhas musas no papel na busca da construção do seu próprio prazer, do seu próprio afeto”. Quando Liz expôs esses trabalhos na 5ª Bienal de Gravura Lívio Abramo, em Araraquara, foi agredida moralmente por um jornalista local, conhecido pelo seu sobrenome, Madalena. “Revoltado, ele me ofendeu e classificou meu trabalho como ‘arte vadia’. Eu adorei o nome, nem precisei pensar em outro título, fiquei com o dele”. Ela lembra que hoje no Brasil temos a legitimação da violência que vem de quem está no poder. A artista fala de uma necropolítica instalada com poder social e político para decidir quem vive e quem morre. “Os alvos preferidos são os LGBTQ, pessoas negras e pobres”.

Bia Beite, série Naoparanao
Bia Beite, série Naoparanao

Assim como a obra de Liz é considerada inadequada socialmente por uma classe conservadora, o trabalho de Bia Leite também provoca insultos. Ela ganhou as páginas do noticiário quando sua pintura Criança Viada foi censurada na exposição Queermuseu no Centro Cultural Santander de Porto Alegre. Sob protestos de alguns visitantes a exposição foi fechada e ela perseguida e ameaçada de morte. A mostra só foi liberada depois de criado um programa de arrecadação promovido pelo Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde a mostra foi exposta com filas homéricas. A pintura que horrorizou os gaúchos traz impressos vários xingamentos preconceituosos sofridos pelos homossexuais desde a infância. Bia foi descoberta e premiada pelo Edital Transarte LGBT, em 2015 e agora acaba de firmar um contrato de exclusividade com a galeria, onde expõe nesta mostra pinturas inspiradas em alienígenas e em um poster japonês de filme de terror, do diretor John Carpenter. Sua pintura lembra os traços neoexpressionistas da década de 80, com cores corrosivas e citações do universo pop.

Sob influência também expressionista, Eduardo Mafea defende seu trabalho como mergulho no dualismo do homem gay e a ligação compulsória ao universo machista do futebol, esporte apreciado pelas famílias como símbolo de virilidade. Com outras preocupações, Pedro Stephan, apaixonado pelo Rio de Janeiro, autor de tetos homoeróticas, mostra pela primeira vez o ensaio Lâmpadas de Mercúrio, que pode ser visto como uma fotonovela não narrativa tendo como cenário o Parque do Flamengo, local carioca onde vive desde a infância quando passeava por lá de bicicleta. As 30 imagens do ensaio mostram amigos de Stephan clicados em 2005 em cenas amorosas. “Tentei subverter o clichê provando que a pegação não é só sacanagem, pode ser também romance”.

A diretora da Transarte, Maria Helena Peres escreve em um de seus catálogos que precisamos estar atentos ao Brasil que vem propondo a cura gay, que fecha exposições, bate e mata travestis e cria monstros dentro dos integrantes do movimento LGBTQ.


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