Imagem horizontal, colorida. Vista da exposição SANTÍDIO PEREIRA INCISÕES RECORTES ENCAIXES, na Fundação Iberê Camargo. Sala com paredes brancas e chão de madeira. À esquerda, dois quadros grandes, lado a lado; à direita um quadro de mais de 2 metros de altura; ao centro um quadro grande, de cerca de 1 metro, ao lado de uma sequência de 6 pequenos quadros. Todos os trabalhos são xilogravuras de bromélias.
Vista da exposição. Foto: Giulia Garcia

Nas paredes brancas da Fundação Iberê Camargo, 22 obras saltam aos olhos por suas cores e dimensões. Xilogravuras com dois metros de altura e pinturas com mais de um metro e meio de comprimento chamam atenção em Santídio Pereira – incisões, recortes e encaixes, em cartaz até 1º de maio. A mostra é a primeira individual do jovem artista em um museu e ocorre após sua passagem por importantes coletivas na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, em Paris, na Power Station of Art de Xangai e no Museu de Arte Moderna de São Paulo. 

Entre pássaros e plantas, as obras nos conduzem pelas memórias de Santídio em Curral Comprido, povoado do Piauí onde o artista nasceu. “É uma tentativa de resgatar e preservar essa memória que foi tão feliz, mas que não é só minha, de certa forma é uma memória coletiva das pessoas que nasceram ali no Nordeste”, compartilhou o artista em bate-papo promovido pela Fundação Iberê Camargo em parceria com o Instituto Ling (assista aqui).

A série Pássaros, à qual somos apresentados em quatro grandes quadros na exposição, talvez seja a que mais claramente reverbera esse conceito, ao retratar 22 pássaros da Caatinga brasileira através da xilogravura. “O processo de seleção dessas espécies é um pouco afetivo. Eu tinha memórias da infância, de quando vivia no Piauí, desses pássaros que eu conhecia pelos nomes.” Alguns dos quadros aprofundam ainda mais o conceito, ao criarem uma sobreposição de memórias pelas diferentes camadas de gravura que os compõem. Em uma primeira etapa, Santídio imprime no papel as plantas e paisagens que o remetem a vivências de sua infância – criando o fundo da obra – em seguida, as sobrepõe com as representações dos pássaros que permeiam suas recordações. 

Em outra sala, somos levados às lembranças de Santídio já na cidade de São Paulo – onde vive desde os seis anos de idade. Trata-se da série Morros, que combina xilogravuras e pinturas monocromáticas com representações de paisagens. O trabalho teve início em uma viagem do artista a Santo Antônio do Pinhal, no interior paulista. Aquela que a princípio pretendia ser uma imersão artística de estudo das bromélias (para outra série de obras), trouxe um encantamento inesperado ao piauiense: os morros da região. Ao revisitar o caderno de esboços que levara na viagem, percebeu que os estudos das paisagens daquele lugar tomavam grande parte das páginas. Assim, deu início à série, que passaria a refletir também outras localidades, como a Serra da Bocaina e a Serra da Cantareira, que fizeram parte da infância do artista. 

Monumentalizando a natureza

Outro aspecto que chama grande atenção nas obras são as suas dimensões. Para chegar a quadros de mais de dois metros de altura ou comprimento, Santídio Pereira afasta-se da técnica clássica da xilogravura – as impressões a partir de imagens criadas em matriz de madeira utilizando uma goiva – e “acrescenta seu conhecimento de marcenaria para recortar peças que depois serão encaixadas como em um quebra-cabeça”, explica o curador de arte Ricardo Sardenberg no texto do catálogo da exposição. “Com uma goiva, um formão [ferramentas clássicas da xilo], você tem o alcance do seu braço; com uma serra tico-tico você caminha em volta [da madeira]. É uma experiência física”, explica Santídio. Assim, temos as incisões, os recortes e os encaixes que dão título à mostra: as incisões na madeira, seguidas dos recortes feitos com o recurso da marcenaria e os encaixes das diferentes matrizes.

A escolha pelos grandes formatos também veio do interesse de Santídio pelo uso de cores. “Uma vez um amigo me falou que um centímetro de amarelo causa uma sensação e dois metros desse mesmo amarelo causam outra sensação completamente distinta”, conta. Assim, busca experimentar os impactos que as cores de suas obras podem propiciar ao público: “Tem um desejo meu de transmitir memórias coletivas alegres, elogiando as belezas e as nossas maiores riquezas [no Brasil], que para mim são a cultura e a natureza – no sentido expandido das duas palavras”, compartilhou durante o bate-papo promovido pela Fundação Iberê Camargo e pelo Instituto Ling. Ao que Ricardo Sardenberg complementou: “Acho que é aí que entra o lado político do trabalho, porque ele monumentaliza a natureza; de uma forma a colocar na sua frente algo que a gente às vezes perde a dimensão: o tamanho da destruição da natureza hoje é monumental, porque a natureza é monumental”.

SERVIÇO

Santídio Pereira – incisões, recortes e encaixes
Fundação Iberê Camargo – Av. Padre Cacique, 2000 – Porto Alegre, RS
5 fev – 1 maio | quinta, das 14h às 18h (gratuito); sexta a domingo, das 14h às 18h (ingressos em iberecamargo.org.br/)


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