VISÃO DO PROJETO INSTALATIVO DA EXPOSIÇÃO #Rioutópico, iniciativa colaborativa idealizada por rosangela rennó

Progresso, Vitória, Morada dos Sonhos, Esperança, Novo Mundo, Maravilha e Paraiso não são termos que, especialmente no momento atual, possam estar próximos de qualquer descrição da cidade do Rio de Janeiro. Essas palavras, contudo, estão presentes no cotidiano carioca como nomes de bairros, ruas e vilas e são parte do mapeamento realizado pela artista Rosângela Rennó para #RioUtópico [em construção] para o Instituto Moreira Salles (IMS) da cidade “maravilhosa”.

Um dos projetos mais ousados e complexos de Rennó, #RioUtópico levou a própria artista conhecida por ser uma fotógrafa que não fotografa a retornar ao trabalho com a câmera.

Parte da ideia original era pedir para moradores de 50 locais elencados pela artista por carregarem a ideia de utopia a realizarem fotos de seu entorno e enviarem ao IMS. A proposta de colaboração precisou ser, contudo, aprimorada. Para tanto, foram realizados workshops com mais de 50 participantes, organizados, a princípio, em parceria com a Agência Redes para Juventude.

Posteriormente, com a atuação do próprio setor educativo do Instituto, cinco jovens foram contratados, tornando-se estimuladores do projeto, indo às cerca de 50 localidades escolhidas, em um sistema de rodízio, e eles também realizando imagens.

“Em #RioUtópico, Rennó trabalha como uma voz organizadora, que compartilha a visão e convoca à participação, mesmo quando ela própria fotografa, coisa rara na carreira da artista”, explica Thyago Nogueira, curador e organizador da mostra. Colaborações são uma constante na carreira da artista, grande parte de seus trabalhos diz respeito a ressignificar fotografias ou mesmo objetos realizados por outros, em geral uma reflexão sobre a produção e circulação de imagens na sociedade.

Mapeamento da cidade do Rio de Janeiro é fio condutor da exposição.

Foi o caso de A última foto (2006), por exemplo, quando Rennó entregou câmeras analógicas a fotógrafos, pedindo que retratassem o Cristo Redentor, no Rio, cidade onde a mineira de nascimento vive desde 1990. Tanto as imagens quanto as câmeras foram então expostos, compondo um panorama da diversidade das máquinas analógicas e de estilos fotográficos. Com A última foto Rennó ainda tratou da mudança de paradigma analógico para o digital, além de discutir no catálogo da mostra o tem de direito autoral, já que a icônica imagem do Cristo Redentor pertence à arquidiocese do Rio.

Agora em #RioUtópico esse procedimento se radicaliza, tanto por se afastar do clichê da imagem turística carioca, quanto por abrir a possibilidade de colaboração com qualquer um que se dispusesse.

O resultado se dividiu em dois suportes: na mostra, que ficou em cartaz entre dezembro de 2017 e abril de 2018, e no extenso catálogo de 480 páginas que reuniu cerca de 500 das mais de mil fotografias coletadas e textos detalhados sobre a história de cada lugar _em geral iniciada como reassentamento de moradores retirados de favelas da zona sul ou como ocupação ilegal de áreas não edificadas.

A exposição foi ainda sendo construída no tempo, como um álbum sendo preenchido aos poucos, enquanto as imagens chegavam ao IMS. Um grande mapa da cidade foi plotado no piso do espaço expositivo, deixando nas paredes vazios a serem ocupados pelas imagens relativas às comunidades espalhadas pelo mapa.

No final da mostra, as imagens formavam um mosaico composto por dezenas de olhares, tanto de moradores, como dos participantes das oficinas, como da própria artista, sem hierarquia e mescladas.

Com tudo isso, Rennó revela as diversas camadas que compõem a utopia urbana do Rio de Janeiro para muito além do Corcovado e do Cristo Redentor por textos e imagens. A Vila Progreso, na Vila Kennedy, por exemplo, um assentamento não urbanizado com 58 mil m2 e cerca de 1.500 moradores, é retratada por Thais Alvarenga, em imagens com crianças brincando e ocupando as ruas do local. Como o projeto seguiu recebendo imagens ainda neste ano ele já abarca a malfadada ocupação militar no Rio, como em fotos da Vila Aliança, realizadas por Alan Lima e Danilo Verpa.

Assim, a fotógrafa que não faz mais fotos mas voltou a fotografar cria uma imagem do Rio de Janeiro mais para a distopia do que a utopia, um retrato de um país de esperanças prometidas e não cumpridas, um panorama ao final raro dentro do comportado sistema de artes visuais brasileiro.


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