Trabalho de Fernanda Gomes. Foto: Divulgação

As sete salas climatizadas da Pinacoteca do Estado, usualmente reservadas para mostras de caráter histórico, transformaram-se nas últimas três semanas em um espaço experimental potente, tomado em seu conjunto por uma série de intervenções da artista carioca Fernanda Gomes. O resultado é uma exposição que aponta simultaneamente para o passado e para o futuro: ao mesmo que resume uma trajetória bem-sucedida que se estende por mais de três décadas, aponta também para a persistência e radicalização de um caminho ousado, de investigação dos limites da ação artística, de incorporação e subversão de elementos e procedimentos mais próximos da vida cotidiana do que do universo hermético da arte. “A arte existe antes que se possa nomear arte”, defende ela.

Assemelhando-se a um quebra-cabeças composto por diferentes peças reunidas ao longo do tempo (o trabalho mais antigo data de 1973, quando Fernanda tinha apenas 12 anos) que se articulam por meio de um pensamento semelhante, a exposição desafia o olhar do público. E o incita a descobrir relações pouco prováveis, diferenças sutis, conexões raras entre elementos na maioria das vezes banais.

Algumas características são marcantes em sua produção: a escala, normalmente diminuta ou reduzida a um tamanho confortável, íntimo; o uso exclusivo do branco, em suas mais variadas tonalidades, e das cores naturais da madeira; a reapropriação e reconfiguração de elementos de descarte; uma tendência quase obsessiva de procurar configurações geométricas, equilíbrios instáveis ou associações improváveis entre esses componentes; e uma tendência permanente ao enxugamento, à redução, a um tipo de articulação que valoriza o que há de mais singelo nas coisas. Há uma economia, uma resistência do precário e do sintético, em todos os sentidos.

A combinação desses elementos – ao qual se soma uma dose de bom humor e um meticuloso trabalho com a luz – acaba por abrir novos caminhos de pensamento visual, que assusta aquele espectador que procura uma chave racional para a compreensão do que têm diante dos olhos, ao mesmo tempo que fascina o público infantil. “Ficamos reféns da palavra como possibilidade de expressão”, explica ela. Além de resistir a uma exigência de uma lógica discursiva (não à toa nem o conjunto da exposição nem as obras individuais têm títulos), o trabalho de Fernanda Gomes possui a curiosa característica de não submeter-se à lógica do excesso da imagem, que parece dominar a produção contemporânea. Fotografá-lo é tarefa difícil para a própria autora, demonstrando a importância da relação direta entre público e obra.


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