Miguel Ángel Lens, obra presente na exposição "La poesía está en la calle". Cortesia: Muntref
Miguel Ángel Lens, obra presente na exposição "La poesía está en la calle". Cortesia: Muntref

La Poesía está em la calle (a poesia está na rua), mostra de Miguel Ángel Lens (Buenos Aires, 1951-2011) com curadoria de Francisco Lemus e Mariano López Seoane no MUNTREF, é algo como o coroamento de uma operação de resgate reveladora, dedicada e coletiva. Lens foi poeta, artista visual e ativista. Ele fez parte do grupo San Telmo Gay na década de 1980 e fundou o grupo Poesía Gay de Buenos Aires em 1994. Durante sua vida, publicou livros de poesia e editou a compilação Poesía Gay de Buenos Aires. E embora seus desenhos e colagens chegassem às mãos de muita gente por meio de panfletos, nunca expôs sua obra visual em instituições ou galerias de arte. Após sua morte, e graças aos esforços de Juan Queiroz, o irmão de Lens (José Luis) e seus amigos Néstor Latrónico, Horacio Menú, Alberto Retamar e Marta Muriago doaram as obras e documentos que estão na base da exposição ao arquivo do IIAC (Instituto de Investigaciones en Arte y Cultura).

A mostra reúne versões datilografadas de poemas, desenhos, colagens, panfletos, cartas e fotografias. Algumas (principalmente aquelas em que Lens retrata seres fantásticos e propõe capas para livros imaginários) estão penduradas em duas das paredes da sala; o restante (principalmente o material com maior predominância do que está escrito) em armários e gavetas. E o cardápio se completa com uma instalação sonora em que o poeta Mariano Blatt lê Lens, numa interpretação que a faz soar contemporânea e urgente.

A obra que os curadores escolheram para colocar em primeiro lugar no passeio pelas paredes, Dibujopoema, funciona como um prólogo e sintetiza alguns dos gestos exibidos no resto da exposição. Nela, uma palmeira composta de palavras e linhas desenhadas tem um tronco ziguezagueante que afirma: “As árvores mais feias são as mais bonitas”. E então fica claro que, para Lens, o visual e o poético têm uma origem comum: que a beleza deve ser buscada além das margens; e, sobretudo, que tudo — incluindo El instante de la revolución, como é intitulada outra das peças — cabe numa folha de papel de 30 x 20 cm. Todo o material de La poesía está en la calle (A poesia está na rua) é composto por papéis que a qualquer momento podem ser empilhados novamente em uma pasta para serem facilmente movidos e reapresentados em outro lugar. Ou fotocopiados para multiplicar e atingir ainda mais olhos e mãos.

O que emana de todos eles é a necessidade de sair, de vaguear e de se encontrar com o
outro — e em particular com um outro desconhecido. Como soa em Arolá, um dos poemas cantados por Mariano Blatt: “Estou farto / de mim mesmo / do meu egocentrismo”, sublinhando um axioma fundamental para a lógica de Lens, que se cobra de maior eloquência num presente em que a segmentação cultural e a programação algorítmica atendem pessoas com conexões cada vez mais precisas com preferências pré-estabelecidas.

Lens é capaz de encontrar o fio condutor entre as mais díspares sensibilidades: entre
a simplicidade de Sandro Penna e o sigilo iluminado de Rimbaud; entre o niilismo radical de Artaud e os camafeus de poetas como Juan Gelman e Haroldo Conti, associados à esquerda mais tradicional (que, por sua vez, excluía a dissidência sexual). Sua rebeldia exala uma maldição não isenta de ternura, uma raiva mais associativa do que exclusiva, menos interessada na afirmação de uma identidade com contornos precisos do que na abertura aos outros.

Em suas andanças urbanas, algo do existencialismo torturado e sádico de Carlos Correas, dos anos 1950, parece coexistir com a espontaneidade, os corações e os diminutivos de uma figura dos anos 1990, como Fernanda Laguna. E é tanto o operário cafuçu ou lúmpen (como aquele que enlouquece o narrador de Correas em A narração da história) quanto a pena baudelairiana com que Lens compõe um poema-desenho (Hoje na rua Callao encontrei uma pena de pomba, e com ela escrevi este poema) estão, segundo o título da exposição, na rua.

Esse fio condutor é, por que não, um impulso utópico, o desejo de um futuro radicalmente
diferente, que a recuperação democrática de 1983 não trouxe (Lens é um crítico insistente
dos limites da primavera alfonsinista), e que ressoa naquilo que José Muñoz escreveria em
seu livro Utopia Queer. Uma das peças expostas oferece uma imagem desse futuro. Chama-se La mano que se se viene, uma reviravolta na popular pergunta “como surge a mão?”, e não poderia ser mais misterioso: parece de outro mundo.

SERVIÇO
Miguel Ángel Lens: La Poesía está em la calle
Até 4/6
Curadoria: Francisco Lemus e Mariano López Seoane
Centro de Arte Contemporáneo – Universidad Nacional Tres de Febrero: Av. Antártida Argentina 1335 – Buenos Aires (Argentina)
Visitação: de terça a domingo, das 11h às 18h
Entrada gratuita

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