Exposição “Ònà Irin: caminho de ferro”, de Nádia Taquary, no Sesc Belenzinho. Foto: Luiza Lorenzetti

Nádia Taquary se formou em Letras, mas logo enveredou pelos caminhos da arte-educação. Foi durante um período de recolhimento pessoal, que entrou em contato com o livro Círculo Das Contas: Jóias De Crioulas Baianas, da pesquisadora Solange de Sampaio Godoy, e se interessou pela história da joalheria afro-brasileira.

Em uma visita ao Museu Carlos Costa Pinto, em Salvador, sua terra natal, Nádia se deparou com o maior acervo de pencas de balangandãs. Ao ver as peças, compreendeu a história de um objeto que seu pai, um homem negro, havia lhe dado: uma penca de balangandãs que passou por muitas mãos — da bisavó, para a avó, para o pai, até chegar a ela.

Esses objetos são conjuntos de pingentes metálicos presos a um arco, usados por mulheres negras escravizadas e libertas na Bahia dos séculos XVIII e XIX que reuniam símbolos de fé, proteção e prosperidade.

Nádia Taquary, Abre Caminhos, 2013. Foto: Beatriz Franco

A partir dessa pesquisa, Nádia cria sua primeira obra. O trabalho intitulado Abre Caminhos é uma grande penca de balangandãs com dez dos símbolos mais recorrentes encontrados em suas investigações. A obra está em cartaz na exposição Ònà Irin: caminho de ferro, no Sesc Belenzinho — mostra individual da artista, com curadoria de Amanda Bonan, Ayrson Heráclito e Marcelo Campos, que estreou no Museu de Arte do Rio (MAR) em 2023 e esteve em cartaz no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB), em Salvador, até março deste ano.

Em entrevista à arte!brasileiros, Nádia fala sobre a importância da existência dessa joalheria afro-brasileira para as mulheres que, ao possuírem essas joias junto ao corpo, já que o dinheiro não podia ser depositado, transformaram o objeto em amuleto. Quando o balangandã ganhava pingentes e peso suficientes, era possível comprar a própria liberdade ou a de um parente. “Essa história me traz um protagonismo preto muito importante e que a partir daí a minha poética vai se aprofundando e vai se desdobrando. Vai se distanciando da joalheria e adentrando outras camadas a partir do momento que eu vou conhecendo e entendendo mais sobre a história”, conta.

Sem ter tido experiência prévia, Nádia começou a esculpir as Yabás, como Oxum, Iemanjá e Oyá. “As primeiras esculturas que eu faço numa fundição, eu não tinha noção de escultura, mas modelar não foi difícil. É claro que com o tempo a gente vai aprimorando, mas tanto a aquarela, quanto a escultura, quanto a pintura, vieram de forma intuitiva. Eu acho que isso estava em mim e eu só nunca permiti acessar. Acredito que até mesmo por ter sido criada numa família em que ser artista não é uma possibilidade, acho que isso não foi estimulado o suficiente para que eu pudesse reconhecer em mim uma artista”, explica. 

O que vemos no Sesc Belenzinho, começou a ser criado a partir de uma mudança de país da artista. Cerca de 22 obras produzidas em diferentes momentos da sua trajetória integram a exposição, cujo título faz referência direta à travessia que liga o mundo espiritual ao terreno: em iorubá, Ònà Irin significa “caminho de ferro”. Durante a mudança, Nádia sentiu medo — medo de deixar o ateliê, medo de estar longe de sua língua. Ao consultar o Ifá (oráculo do povo iorubá), Ogum apareceu e disse que o medo é uma energia, e que era preciso transmutar essa energia em força: “Porque onde está o medo está a força também”, revela a artista.

Nádia comprou pequenos espelhos, criou uma base de papel e começou a desenhar e testar os caminhos nesses espelhos, fazendo com que eles seguissem sempre em frente e se multiplicassem em sete direções, em uma referência e uma saudação a Exu. Nas religiões de matriz africana, o número sete tem grande simbolismo e, entre outros sentidos, representa a união entre o plano espiritual e o terreno.

Na sala da exposição, as sete direções representam Exu, enquanto os trilhos de trem remetem a Ogum, o orixá da tecnologia e dos caminhos. “Ogum é o orixá que descobre o ferro, que forja o ferro e cria as primeiras ferramentas. Ele adentra uma floresta densa e permite que a terra seja arada, cultivada e que também se atravesse para espaços para além daquela floresta.”

Uma obra recorrente nas mostras da artista é a Mulher Peixe e a Mulher Pássaro que aparecem nesta exposição e também na 36ª Bienal de São Paulo. A escultura parte de um itan, uma história em iorubá, em que uma menina menstrua pela primeira vez. Assustada, ela sai para lavar suas vestes em um rio e desaparece por três dias. No quarto dia, ela é encontrada no alto de uma montanha, com uma cabaça com um pássaro dentro. Nos itans, acredita-se que as grandes mães ancestrais levaram a menina e fizeram rituais e compartilharam informações sobre o poder feminino e o mistério da criação. “Esse poder, não é um poder de criação de filhos, é um poder de criação de tudo o que virá a ser e tudo que se desejar criar. São as forças de construção conectadas com o seu poder de criação”, explica Nádia. A cabaça seria, então, o mistério da criação, enquanto o pássaro seria uma referência a Oxalá. 

A mostra chega ao Sesc Belenzinho com a expectativa de atingir um público diverso: “Aqui no Sesc tem um público que não necessariamente vem só para exposição, às vezes ele vem para a piscina, para almoçar, e aí se depara com a exposição. Isso é muito interessante”, aponta a curadora Amanda Bonan.

O público terá até o dia 22 de fevereiro de 2026 para visitar a mostra. 

 


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