Detalhe de obra "Maculatura "da Estamparia Litográfica", de 1970, da artista Lotus Lobo.

Filha de pais paulistas, a mineira Lotus Lobo morou quase sempre em Belo Horizonte, exceto nos momentos em que viajou para fazer cursos ou quando, entre a década de 70 e 80, coordenou atividades em uma casa de gravura em Tiradentes, também em Minas Gerais. O espaço era ligado à litografia, técnica que a artista desenvolve desde o início da década de 60, quando entrou em Belas Artes na Escola Guignard, instituição da capital mineira.

“Eu entrei na litografia meio sem saber o que era, na verdade. Eu venho de uma família que tem muitos pintores, tios e primos. Eu pensava em ser pintora, já tinha tido aulas com tios que pintavam, da família Bracher”, ela conta por telefone à ARTE!Brasileiros. Porém, o ateliê de litografia da escola, onde posteriormente trabalhou como professora durante vários anos, tinha acabado de ser inaugurado, mas ainda não funcionava. Isso chamou muito a atenção de Lotus. Era 1962, e, por coincidência, logo conheceu um litógrafo, o artista João Quaglia: “Conseguimos trazê-lo em 1963 para Belo Horizonte, para iniciar esse diálogo da litografia. Cheguei nela meio sem querer, mas fiquei”.

A partir daquele momento, Lotus começou uma história muito afetiva com a litografia. São mais de 50 anos produzindo trabalhos com essa técnica, que consiste na impressão de imagens gravadas em uma base, usualmente composta de uma pedra calcária. Após o desenho ser feito na base, uma solução é utilizada para transpor a imagem em uma superfície. Na exposição que realiza agora em São Paulo, a artista traz obras que dialogam com a pedra utilizada, como em Sem título (2016) e Prensa I e II (2019).

As pedras usadas pela artista eram “granitadas”, ela explica. Eram pedras que já haviam sido utilizadas por terceiros e que eram reutilizadas em seus processos. Algumas delas vinham com figuras, especialmente ligadas à indústria, como rótulos: “Nos primeiros sete anos, fui muito influenciada por um abstracionismo informal e só fazia gravuras em preto e branco”, ela comenta. Só depois, quando visitou a Bienal de São Paulo de 1967, se viu influenciada pela Pop Art: “Foi quando me animei a usar aquele material que eu já tinha comigo”, diz.

Após decidir fazer apropriações daquelas figuras para desenvolver seu trabalho, Lotus fez contato com uma indústria em Juiz de Fora, cidade onde houve as primeiras movimentações litográficas em Minas, e pediu permissão para trabalhar naquele espaço: “Comecei a frequentar essa fábrica que fazia embalagem para latas de manteiga, banha etc. Pedi uma ordem para que eu pudesse trabalhar lá. Eles me deram, dizendo que eu poderia trabalhar a partir das 16h, que era quando o período de trabalho deles terminava”.

A artista passava temporadas em Juiz de Fora, onde fez muitas gravuras em cor, utilizando das ferramentas que a fábrica dispunha e tendo a ajuda dos impressores que trabalhavam ali. “Aprendi muito e, então, comecei uma história ligada a essas indústrias de estamparia, que estampavam latas para produtos, principalmente laticínios”. Ela conta que esse tipo de fábrica não existe mais, pois todo o processo industrial foi modificado ao longo dos anos. “Tive a oportunidade de conhecer muita gente, muitos desenhistas estrangeiros que naquela época já estavam velhinhos, no final dos anos 60. Gente que me influencia até hoje. Eles me ajudaram muito nessa caminhada”.

Para Lotus, a “litografia é uma coisa muito coletiva”. Ela conta que sempre teve que unir pessoas que gostam muito da técnica, especialmente no início, por isso trabalhou durante um tempo em uma casa de gravuras em Tiradentes. Os ateliês eram sempre coletivos, pois existiam poucos. Hoje ela tem sua própria oficina de litografia em casa.

Além de sua atuação como artista, Lotus foi professora durante quatro décadas. Na Escola Guignard, onde se formou, foi a primeira mulher a lecionar a técnica. “Comecei muito cedo, ainda nos anos 60. Como avancei sozinha na litografia e não tinha professor, houve um concurso na época e passei”. Nos anos 70, trabalhou também no curso geral de Belas Artes, mas optou por ficar apenas na Guignard, onde esteve até se aposentar, duas décadas depois.

A exposição

A mostra da artista na Galeria Superfície, em São Paulo, intitulada Território Gravado é a segunda exposição da artista em uma galeria paulistana e fica em cartaz até o dia 9 de novembro. No dia 26 de outubro, sábado, a artista estará na cidade para realizar uma visita guiada junto ao curador Marcelo Drummond, às 16h.

Lotus conheceu Drummond por seu trabalho como professor na UFMG e sempre teve contato com o curador, que também atua como designer. “Eu sempre tive vontade de fazer algo com ele, mas fui eu quem sempre fiz as curadorias das minhas exposições”, ela diz.

Em 2018, durante os preparativos para sua exposição Litografia, que aconteceu no Centro Cultural Minas Tênis Clube, ela sentiu que precisava de um curador que pudesse encarar o grande espaço que a galeria da instituição oferecia. Então, convidou Marcelo. Ela conta que essa parceria foi muito importante, pois agregou algumas novidades à sua visão sobre seu próprio trabalho: “Deu novas qualificações ao meu trabalho, novos desmembramentos. Achei que injetou um sangue novo”.

Território Gravado tem 30 obras de Lotus em diferentes suportes e dimensões, das quais três são inéditas, concebidas para essa exposição especialmente. No catálogo, o texto de Renata Marquez revela também a resistência feminina que tinha como membro a professora Lotus Lobo durante o período em que foi sua aluna na Escola Guignard, no início dos anos 90: “Éramos um grupo de mulheres (pode ser que houvesse homens também, mas eles se apagaram de minha litomemória). Mulheres que carregavam pedras. Mulheres alquimistas que davam sólida dignidade àquelas montanhas que um dia as pedras foram”, escreve Marquez.

 


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