Paul Klee, A Face Of The Body, Too [Um Rosto Também do Corpo], 1939. Cola colorida e óleo sobre papel sobre cartão, doação de Livia Klee

Tentacular, a exposição de Paulo Klee em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo apresenta um retrato diversificado do artista, permitindo a expressão de toda sua genialidade. Evidentemente, seu protagonismo na arte moderna e seu estilo absolutamente pessoal – em diálogo com várias das correntes hegemônicas da primeira metade do século XX – estão na base da mostra, que traz mais de 120 trabalhos. No entanto, a maior qualidade de Equilíbrio Instável reside na estratégia de mostrar não uma trajetória única e coerente do pintor, mas sim iluminar diferentes aspectos de sua vida e obra, compondo um panorama – evidentemente não exaustivo – de múltiplas questões caras a Klee e a sua época.

Assim, o que poderia ser uma retrospectiva tradicional que referenda a narrativa oficial sobre a trajetória de um artista profundamente coerente e prolífico, acaba se espraiando por pesquisas, temas, técnicas e momentos distintos. Essa abordagem por capítulos, que respeitam uma cronologia tênue, também responde à difícil arquitetura do espaço, fragmentado em múltiplas salas desconectadas uma da outra. Com isso, o visitante acompanha o artista desde a infância, num conjunto de desenhos singelos, representando, por exemplo, cenas familiares de natal. A presença de tais peças na exposição se explica tanto pela importância do Zentrum Paul Klee (instituição suíça organizadora da mostra e depositária de sua obra) para a preservação de sua história, como pelo fato curioso de o próprio pintor ter incluído esses trabalhos, que a seu critério já apresentariam “autonomia produtiva”, no exaustivo registro que manteve a vida inteira de sua produção.

Paul Klee, Woman in Traditional Costume [Mulher com roupa típica], 1940, Cola colorida sobre papel sobre cartão.

O visitante vai pouco a pouco acompanhando seu caminhar, presencia por meio de obras selecionadas seu desejo de aperfeiçoar-se no estudo acadêmico do corpo humano (que já havia lhe custado uma vaga na Academia de Belas Artes de Munique em 1898) e a posterior libertação de uma arte que apenas reproduz o visível; os interessantes estudos que realiza na primeira década do século XX que recebem o título de “Invenções”, nos quais cria figuras estranhas, precocemente surreais, com certa ironia e acidez; a importância de viagens como as que fez para a Itália (1901), França (1912) e sobretudo para a Tunísia (1914); a presença da família (nos retratos e nos fantoches que fazia para o filho); a descoberta da cor; e a intensa relação com outras formas de expressão artística como a música e o teatro.

Os movimentos são complementares, combinando fatos biográficos marcantes com seus principais veios de pesquisa e estudo, como os trabalhos de viés mais expressionista, desenvolvido nos anos 1910 (quando participou do grupo “Der Blaue Reiter”, com artistas como Kandinsky e Macke) ou os persistentes desenhos de modelos geométricos que realiza nos vários anos em que foi professor da Bauhaus, período em que se dedica a compreender e sintetizar as relações formais da representação plástica. Ora o visitante é colocado em contato com trabalhos que marcam sua relação com o mundo à volta, ora tem diante de si o resultado de um esforço constante para dominar e criar uma nova arte. Disciplinado ao extremo, Klee tinha por norma não passar nem um dia sem traçar uma linha.

Paul Klee, Hanging Down [Pendurado para baixo], 1939, Cola colorida e lápis sobre papel, doação de Livia Klee

Apesar da importância normalmente atribuída à contribuição do artista para o desenvolvimento da abstração na arte moderna, poucas foram as oportunidades do público brasileiro ver de perto sua produção, como mostra Roberta Saraiva Coutinho em estudo publicado no catálogo de Equilíbrio Instável. Tal ausência é ainda mais estranha se levarmos em consideração a grande influência – formal ou teórica – de suas pesquisas no modernismo local, num diálogo a distância que o Zentrum Paul Klee pretende mapear melhor e apresentar futuramente ao público suíço.

A mostra conta majoritariamente com desenhos (80% de sua produção é composta de trabalhos sobre papel), entre os quais destacam-se um impactante grupo de imagens, esboçadas de forma rápida, no calor da hora, nas quais comenta com acidez os trágicos acontecimentos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Essas quase caricaturas, em giz sobre cartão, mostram cenas como a figura repulsiva do ditador ou os horrores vividos pelos emigrantes, pelos perseguidos pelo regime de Hitler e que fazem parte de um conjunto de cerca de 250 ilustrações. O próprio Klee foi vitima do nazismo. Além de ter obras de sua autoria na exposição de arte degenerada organizada pelo Reich em 1937, foi acusado de ser judeu, teve a casa revistada, perdeu o emprego e foi forçado a refugiar-se na Suíça, seu país de nascimento, ainda em 1933.

Outro grupo de trabalhos que merece destaque é o conjunto de desenhos de anjos, ao mesmo tempo humanos e sobrenaturais, decaídos e belos. Lá está por exemplo “Anjo Esquecido” (1939), cuja delicadeza e recato – com as mãos e asas unidas – é comovente. Também está presente na seleção, que depois de São Paulo segue para as unidades da instituição no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, o anjo mais célebre de Klee, “Angelus Novus”, de 1920, que entra para a história como imagem emblemática das teses sobre o conceito de história de Walter Benjamin. Adquirida por Benjamin em 1921, a obra pertence ao museu de Israel e raramente viaja, mas o Zentrum Paul Klee disponibilizou para a mostra brasileira uma cópia fiel e certificada dessa imagem que, segundo o filósofo alemão, funciona como uma alegoria da história, que vê com terror a destruição do passado enquanto é impelido para o futuro por essa tempestade “que chamamos de progresso”.

A “confluência entre a ligação entre uma visão de mundo e o puro exercício plástico”, como definiu o próprio artista, encontra sua expressão sintética em trabalhos como “Riscado da Lista”. A tela, pintada em 1933 traz a imagem de um homem, muito possivelmente um autorretrato, de um homem perfilado, de rosto triste, com uma cruz sobre a cabeça e o peso do mundo sobre os ombros. “Klee sempre tentou unir relações criativas, de conteúdo e forma, com questões existenciais, ideológicas, éticas”, sintetiza a curadora Fabienne Eggelhöfer, reiterando a ideia de equilíbrio expressa no título.

Paul Klee: Equilíbrio Instável
Até 29 de abril
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo:
Rua Álvares Penteado, 112 – Centro, São Paulo – SP


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