Escultura da série "Quimeras". FOTO: Divulgação
Escultura da série "Quimeras". FOTO: Divulgação

As Quimeras de Claudio Cretti não se assemelham, à primeira vista, ao monstro com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente, temível criatura da mitologia grega de mesmo nome da nova série de esculturas do artista. Se causam algum estranhamento, talvez nos remetam mais a um outro sentido da palavra quimera, aquele relativo a utopias, sonhos ou devaneios. No entanto, assim como o ser mitológico, as peças de Cretti, apresentadas agora na Galeria Marilia Razuk com curadoria de Tadeu Chiarelli, são híbridas, combinações heterogêneas de objetos variados que eventualmente nos lembram formas vegetais ou animas.

De algum modo, são sim como “coisas monstros”, segundo o próprio artista, “que vão surgindo desta mistura improvável de materiais e ganham um caráter quase performático”. Construídas a partir de uma longa pesquisa de objetos realizada por Cretti, por meio de articulações de artesanato popular e indígena com peças de instrumentos musicais e artigos industrializados como borrachas e metais, as 11 quimeras que compõem a exposição são “um apanhado do que eu venho pensando desde o início deste projeto, por volta de 2014”.

O que era visto pelo artista apenas como uma coleção pessoal de objetos indígenas ou interioranos e caipiras – fonte de inspiração, mas não aparato para a criação de novas obras – passou a ser percebido, em dado momento, como material rico em forma e sentidos para a confecção das novas esculturas. “Se eu estava o tempo todo olhando essas coisas, observando-as para pensar meu trabalho, por que não incluí-las nas obras?”. Assim, Cretti passou a situar sua produção em diálogo mais estreito com o campo da cultura, no sentido “de estar mais perto das questões do mundo que estão me interessando, como questões sociais, da causa indígena, dos espaços de opressão…”.

Trazer para sua produção questões “externas ao universo da arte”, no entanto, não significou um abandono ou distanciamento das preocupações formais e construtivas no trabalho. “Sou bastante preocupado com a formalização do trabalho, com como ele é realizado. Não estou juntando objetos apenas pelo sentido que eles possam trazer, mas também pela conversa que eles conseguem ter – ou não – quando estão um ao lado do outro”, diz ele.

Até mesmo porque Cretti, em suas Quimeras, não pretende deixar necessariamente reconhecível o que é cada uma das peças utilizadas, por mais que, ao observá-las, “você muitas vezes sabe que já viu aquilo em algum lugar”. “As esculturas por vezes remetem a plantas ou bichos, mas também não são isso”, afirma ele, ressaltando algumas das diversas camadas possíveis de interpretação das obras. Entre elas, através da união de cachimbos indígenas e zarabatanas com ferros e borrachas industriais, por exemplo, a percepção de que universos distintos podem coexistir e se conectar de modo não opressivo.

“Essa conexão é uma necessidade também das etnias indígenas hoje no Brasil. Eles querem manter suas tradições, estar no seu lugar, na sua terra, mas precisam também fazer uso da tecnologia, por exemplo. Isso é natural”. Foi próximo ao universo indígena dos Guarani da aldeia de Rio Silveira que Cretti realizou a residência artística que resultou nos 20 desenhos que estão na exposição ao lado das esculturas.

A série Kaaysá, de mesmo nome da residência localizada em Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo, onde Cretti passou cerca de 20 dias, traça um diálogo claro com as esculturas, apesar de terem sido feitas em momentos diferentes e sem relações diretas umas com as outras. “São desenhos muito diferentes de todos que já expus, que eram feitos com grandes massas pretas. Nunca eram desenhos de linha, que ficavam mais nos meus cadernos, ou como projetos para esculturas”, explica.

Para a viagem no meio da Mata Atlântica, no entanto, o artista não levou telas e tintas, mas papeis, aquarelas e lápis com os quais produziu desenhos que “às vezes parecem projetos para as esculturas, mas não são”, afirma. Como escreve Chiarelli, “Cretti desenvolveu esses desenhos caiçaras que, apesar de absolutamente não figurativos, recendem ainda a atmosfera do lugar, úmida e misteriosa”. Curador e artista concordam que eles não deixam de ser, também, projeções de partes das esculturas. Sobre isso, Cretti conclui: “Os desenhos indicam algumas coisas, mas coisas que se diluem no todo. Assim como as esculturas, em que você acha que está enxergando uma coisa, mas não é necessariamente aquilo”.

Quimeras, de Claudio Cretti

De 2 de maio a 1 de junho

Galeria Marilia Razuk – Rua Jerônimo da Veiga, 131, São Paulo


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