Ana Teixeira, “Bandeira”, 2019.

Entre a falação de estudantes do Mackenzie que passam seu tempo livre sentados no vão em frente ao Centro Cultural Maria Antônia, na Vila Buarque, ouve-se um alto-falante proferir palavras no imperativo: “Impressione, seja, garanta…”, ecoa uma voz masculina facilmente associada a vozes de vendedores que passam com carros pelas ruas de bairros. A intervenção sonora é uma obra da exposição É tarde, mas ainda temos tempo, uma individual da artista Ana Teixeira com curadoria de Galciani Neves que se encerra no dia 2 de fevereiro.

Crescida em uma família onde a literatura e o cinema eram essenciais, a construção de uma relação forte com o objeto ‘palavra’ foi, para Ana, inevitável e progressiva. “O que é pra ser são as palavras”. A frase anterior, que a artista atribui a Guimarães Rosa, é para ela muito significativa. “Jogar com as palavras é uma coisa que me atrai. Eu acho que as palavras geram desdobramentos que me interessam muito, porque elas geram provocações”, conta.

Em todas as obras que a artista apresenta nesta exposição, e em outras tantas ao longo de sua carreira, a palavra tem funcionado como uma espécie de troca, sejam trocas de experiências, de sentimentos/emoções ou de momentos, dentre outras. A obra Em Contato, por exemplo, que é constituída por boias com um advérbio escrito em cada uma delas, foi criada para ocupar piscinas e fazer com que as pessoas que as utilizem se aproximem para formar frases. A aproximação pelo “jogo” com as palavras faz com que essas pessoas troquem um momento entre si.

No Maria Antônia, as boias se encontram no chão, mas prontas para serem vestidas pelo público que desejar explorar suas possibilidades de criação. “São inúmeras possibilidades de frases que podem ser formadas com apenas 14 advérbios”, Ana explica, mostrando o advérbio “ainda” tatuado em seu pulso. Ela conta que foi a partir dali, em meados de 2010, que começou a sua relação com essa classe de palavras: “Me interessou essa ideia de que podemos formar frases sem o verbo”.

Contornando as escadas que levam à sala de exposição e parte das paredes que a circundam está Linha de sonhos, que resulta de alguns depoimentos da performance Troco Sonhos, obra que também ilustra muito bem a questão do câmbio como ponto no trabalho da artista. Se engana quem pensa que a palavra é apenas uma forma de entrar em contato com algo ou alguém. O contato é, afinal, um meio para que uma troca ocorra.

Troco Sonhos, por sua vez, é intervenção que a artista monta na rua, onde distribui sonhos (o doce) solicitando em contrapartida que as pessoas que se aproximem confidenciem para ela algum sonho (os que estão à mente). Ao mesmo tempo que isso ocorre, outra troca acontece: em troca do interesse de quem se aproxima, Ana apresenta a percepção de que o dinheiro não é a única moeda.

 

Entramos nesse universo também na inédita Cala a boca já morreu. Uma outra versão desta obra foi apresentada na coletiva referente ao 7º Prêmio Indústria Nacional Marcantonio Vilaça — do qual a artista foi uma das 30 finalistas –, sediada no MAB-FAAP entre setembro e outubro do ano passado. Para a sua individual, ela passou dez dias desenhando mais de 40 mulheres em uma das paredes do espaço expositivo, mulheres essas que seguravam cartazes com falas como “Chega de padrões”, “Eu não sou louca, eu tenho opinião”e “Sua opinião sobre meu corpo é sua”.

As voluntárias que escolheram suas frases e posaram para a artistas ganharam, em troca, sua representação em desenho. Nesta obra, porém, o “escambo” também passa pela sororidade, o princípio feminista da união entre as mulheres que exige uma relação de identificação e retorno entre duas ou mais. Uma evidente partilha do sensível.

Os trabalhos Outra Identidade, que troca impressões digitais por um carteira de identidade fictícia com uma frase com qual a pessoa se identifica, e Empresto meus olhos aos seus, que troca uma lembrança por um registro visual do local onde ela ocorreu, — e mesmo Escuto histórias de amor, que troca um depoimento por um ombro amigo — também se desdobram por essa trilha.

Esse conjunto remete a uma percepção levantada por Lévi-Strauss (em cima da “dádiva” de Mauss) de que a palavra seria um caminho para compreender a sociedade, quando usada numa troca. É visível que nessa busca de Ana por uma forma de se comunicar e se relacionar através delas está presente o desejo de entender o outro.

“Não sou eu o foco, o foco é o outro. Me interessa o outro, a minha matéria prima é o outro”, ela diz. É desta forma, portanto, que é possível observar que o entendimento que ela busca não passa exatamente por um cultivo de erudição mesquinha, mas por um movimento fluido de empatia em relação ao outro, até quando o outro está dentro de si mesma.


Slam Cala a Boca Já Morreu e encerramento da exposição
2 de fevereiro, das 15h às 17h
Centro Universitário Maria Antonia – USP: R. Maria Antônia, 258/294 – Vila Buarque, São Paulo – SP
Mais infos: 11 3123-5202


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