Take do vídeo de Bita Razavi, Bosphorus: a trilogy que foi originalmente apreendido pela polícia islâmica. Foto: Divulgação

Foi em meados da década de 1990 que a urgente junção entre arte e política ganhou um de seus mais importantes espaços no contexto das mostras mundiais. Nascida dentro do Festival Videobrasil com o intuito de inserir artistas com dificuldade de acesso ao circuito mainstream, a proposta curatorial Panoramas do Sul se consolidou como uma vitrine para criadores que estivessem engajados no âmbito de tensões multiculturais e geopolíticas, tendo o vídeo como principal ferramenta poética. “O foco é o pensamento do sul emergente. Uma geografia política que tem sua potência amplificada pelo discurso de artistas que tradicionalmente estão em regiões de pouca inserção”, explica Solange Farkas, curadora e criadora do Festival Videobrasil.

Nesta 18a edição, quando o festival celebra seus 30 anos, é impossível passar despercebida a produção de algumas mulheres que escancaram suas visões de mundo em um cenário de inquietações, que são típicas desse eixo da mostra. As obras da afegã Jeanno Gaussi e da iraniana Bita Razavi são dois exemplos. Jeanno deixou sua cidade natal, Kabul, quando ainda era criança, fugindo de uma guerra civil iniciada em 1987, resultado da ocupação soviética no país. Em 2007, após 20 anos, a artista retornou à capital afegã para realizar a obra Kabul Fragments, série de quatro trabalhos em diferentes suportes que abordam seu expatriamento e os resultados da guerra recente contra os EUA no país.

Vivendo em Berlim, Jeanno apresentou a série na última Documenta de Kassel, em 2012, e agora traz para o Brasil a última parte, Kabul Fragments 4, onde apresenta 20 fotografias de um artista de rua afegão. “Em julho de 2011, eu estava visitando o zoológico de Kabul pela primeira vez na vida. Vi um homem vestido com roupas militares e se oferecia para tirar fotos dos visitantes em cenários falsos de guerra. Então, perguntei a ele se aceitaria expor seu trabalho que ele me vendeu as imagens”, conta Jeanno em entrevista por e-mail à revista ARTE!Brasileiros.

Já a artista iraniana Bita Razavi apresenta o vídeo Bosphorus: a Trilogy, que aparentemente mostra cenas de casais em um passeio de barco pelo estreito de Bósforo, canal localizado em Istambul que liga a Ásia à Europa. O trabalho mostrado no Videobrasil não é o original. “Quando tentei voltar ao Irã, em 2012, a polícia islâmica apreendeu quase todo o material que comporia esse vídeo. Então, o que está sendo mostrado é um fragmento do material junto a uma parte refilmada por um amigo que estava em Istambul”, conta Bita, que assim como Jeanno vive no exílio, em Helsinki, Finlândia.

Historicamente, o Festival sempre evidenciou a problemática geopolítica por meio da produção de artistas mulheres do mundo islâmico, constante que se renova nesta última edição. Na videoteca disponibilizada no SESC Pompeia, o público pode acessar outras obras importantes desse contexto e mostradas em edições anteriores, como Shameless Transmissions of Desired Transformations per Day, realizado em 2000 pela libanesa Mahmoud Hojeij, onde a artista mostra três mulheres encenando questões relacionadas a liberdade sexual nas ruas da cidade de Beirute, e Vue Panoramic, de 2006,  de autoria da franco-marroquina Bouchra Khalili, cujo vídeo aborda a questão da imigração ilegal em uma longa tomada do estreito de Gibraltar a partir Tânger, cidade do Marrocos. “Nós sempre quisemos dar destaque à produção feminina que estivesse longe de um circuito. Artistas como essas trazem questões que acabam indo muito além do conflito cultural ou político, já que a presença feminina ainda não atingiu um equilíbrio de igualdade no mundo das artes. No Festival, tentamos observar essa questão também”, observa Farkas que, junto a uma comissão de curadores, selecionou 94 artistas, entre mais de dois mil inscritos de seis continentes, sendo grande parte mulheres.


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