Quilt (Ivory), 2011. Foto: Edouard Fraipont

É tudo muito irônico e lúdico, mas sério. Alexandre da Cunha só promove a mudança de status de um objeto qualquer para discutir a condição humana e seus desdobramentos. Vale lembrar que o mundano e o popular sempre estiveram na raiz da obra desse artista carioca, que passou por São Paulo e saiu da Fundação Armando Alvares Penteado para estudar na Royal College of Art, em Londres, onde se radicou. E é exatamente assim, na base da apropriação de objetos do cotidiano (re)destinados, a exposição Fair Trade, que está em cartaz na Galeria Luisa Strina, de São Paulo: são muitas as questões que o artista debate com uma “simples” série de bordados feitos pela própria galerista durante um bom par de anos.

Primeiro, a expressão que dá título à mostra significa “comércio justo”. Ela vem cunhada em selos de países desenvolvidos para designar produtos adquiridos de países emergentes a preços sustentáveis, e tentar corrigir a recorrente exploração do comércio internacional. A reflexão está lançada. Se não bastasse, ao convocar a colaboração de uma empreendedora, ele também teve o intuito de gerar certa confusão entre os vários papéis ao fundir dois mundos que, em princípio, não se mesclam: o da vida de trabalhos manuais descompromissados e o da mulher inserida profissionalmente num mercado global. Há, ainda, outro aspecto: aquele que incorpora e reflete sobre o feminino no fazer artístico, fazendo referências a figuras como Mira Schendel, Eva Hesse e Louise Bourgeois, com seus trabalhos de tecido. Em contraposição, mas dentro do espírito artesanal, na mesma mostra estão esculturas de concreto, que são feitas de peças industriais, porém dispostas manualmente, umas sobre as outras, no chão, na forma de estruturas rígidas, em contraste com a maciez de outras matérias envolvidas na obra.

Na verdade, Alexandre da Cunha já usou de tudo em suas obras. Não faz muito tempo, empregou manilhas de concreto para se referir ao universo dos monumentos; a panos de prato, agregou logotipos de marcas famosas para brincar com a ideia de público e privado. Enfim, os objetos que emprega são remanejados em sua destinação original para levantar as questões que lhe interessam. Essas experimentações criativas já são conhecidas no mundo todo – de Londres, onde mora, a Alemanha, e também Veneza, onde ele participou da 50ª Bienal.


* Ana Cândida Vespucci
 é jornalista de cultura e assistente de redação da revista Nossa América, do Memorial da América Latina


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