A marchand Vilma Eid em sua Galeria Estação, em São Paulo. Foto: Divulgação
A marchand Vilma Eid em sua Galeria Estação, em São Paulo. Foto: Divulgação

Sempre que se aproximava o aniversário de Vilma Eid, sua mãe costumava presentear a filha com uma obra de arte, fosse um quadro ou uma escultura. Aos 21 anos, já casada, sua mãe a levou para a Cosme Velho Galeria de Arte, do marchand Cesar Luiz Pires de Mello. Vilma recorda-se que havia paredes inteiras cheias de quadros, com uma iluminação escura. Isso não impediu que ela fixasse seu olhar em uma das pinturas que, ela reconhece, marcou um ponto de ruptura na sua relação com artes.

“Eu vi uma relva com dois boizinhos. Meu olho ficou grudado naquilo. Eu não sabia que era de José Antônio da Silva [1909-1996]”, conta Vilma. “Mas eu quis aquele trabalho, e tanto a minha mãe quanto o galerista me desaconselharam, falando que o artista era um primitivista, que a gente não sabe se vai dar em alguma coisa. ‘Escolha uma coisa mais moderna’, disseram. E eu acabei escolhendo outra obra”.

A pintura com relva e os bois, no entanto, não saíram da lembrança de Vilma. Nos anos 1980, ela soube que José Antônio da Silva morava em São Paulo, na Vila Mariana, e quis conhecê-lo. “Ele foi muito prestigiado em vida, participou de 17 bienais pelo mundo, seis delas a Bienal de São Paulo”, conta a galerista. “Sempre digo que foi ele quem me colocou nesta vida. Quando as pessoas me falam que escolhi esse nicho, eu digo que não escolhi nicho nenhum. Foi um despertar”.

À época, Vilma Eid era sócia de uma galeria aberta em 1986, mas ela já atuava no mercado de arte como uma marchand independente, uma trajetória que em 2023 comemora 40 anos. Ao passo que sua Galeria Estação – que até o dia 28/10 exibe a coletiva Reversos e Transversos – foi aberta em 2004, depois que ela reuniu uma coleção consistente, comprando muitas obras em viagens Brasil afora. Em 2024, a galeria completa duas décadas de atividades.

“Naquele momento, no entanto, eu não pensava em abrir outra galeria, porque o confisco das poupanças no Governo Collor, que havia afetado os negócios da galeria anterior, de que eu fora sócia, me deixou traumatizada”, diz. “Minha ideia inicial era deixar meu acervo exposto ao público, apenas. Com o passar dos tempos, vi que não iria dar certo, porque as pessoas queriam comprar, mas eu dizia que não vendia. E havia muitos artistas vivos ainda, que dependiam de mim. Então resolvi abrir a galeria”.

À época da inauguração, Vilma conta que a recepção de sua galeria, no mercado de arte brasileiro, não foi boa. As pessoas que vinham aqui me perguntavam ser um espaço expositivo do estado ou da prefeitura, achavam que era algo institucional, museológico”, conta a galerista. “Foi preciso fazer muita pressão, inclusive de amigos como o Marcelo Araújo e o Ivo Mesquita, para que houvesse uma aceitação por parte do mercado”.

Ao longos dessas décadas, Vilma reconhece que fez um “trabalho de formiga” pelo reconhecimento da arte dita popular. “Foi água em pedra dura tanto bate até que fura. Houve muita rejeição, porque havia uma confusão do que era arte e o que era artesanato”, conta. Seu trabalho, no entanto, surtiu efeito ao longo dos anos, não somente junto a colecionadores, mas também instituições, a exemplo do Masp.

“Foi uma epifania, que também se vê hoje na programação da Pinacoteca. E fora do Brasil houve ponto de virada, em 2012, quando a Fundação Cartier, de Paris, faz uma exposição com artistas chamados populares. O Hervé Chander, diretor da instituição, não somente leva dez artistas da Estação para a mostra, como adquire obras para o acervo da Fundação”.

Motivos para celebrar a trajetória de Vilma Eid e as efemérides deste e do ano que vem, como se vê, não faltam. A arte popular brasileira e seus artífices agradecem.


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