Luciana Casagrande Pereira
Luciana Casagrande Pereira

A arquiteta paranaense Luciana Casagrande Pereira representa uma geração de mulheres que têm conquistado posições de destaque na esfera pública. Sua aparência delicada e jovial dissimula a personalidade determinada com a qual administra um espaço tradicionalmente dominado por homens. Há seis anos, ela exerce a liderança da Secretaria de Cultura do Paraná. Sua gestão é marcada por conquistas significativas, muitas delas consideradas pioneiras no cenário nacional, elevando a um outro patamar a produção artística do Paraná. 

O interesse de Luciana pela cultura começou com as artes visuais. “Minha primeira emoção com a área aconteceu via televisão. Assistia a um documentário do Sesc sobre o artista espanhol Antoni Tàpies e, ao ver como ele se expressava com aquela energia e intensidade, fiquei tocada. Na hora decidi que era com aquilo que eu queria trabalhar.” Isso tornou-se uma prerrogativa na vida de Luciana. Após concluir o curso de arquitetura, dedicou-se a projetos culturais e, em seguida, integrou a Bienal Internacional de Arte de Curitiba, onde permaneceu por 10 anos. “Deixei a instituição ao perceber que era hora de renovação e decidi fazer uma pausa na carreira.”

Na manhã de 2 de dezembro de 2018, Luciana recebe uma ligação com mensagem do governador, Carlos Roberto Massa Júnior (Ratinho Júnior), que queria falar com ela. Surpresa, se perguntou: “O governador? Mas eu nem conheço o governador”. Horas depois estava frente a frente com ele, numa conversa que durou pouco mais de uma hora e, ao fim, veio o convite desafiador: assumir a Secretaria de Cultura do Paraná, com a missão de trazer um olhar mais amplo e inovador para a área. Desde o início, havia algo em comum entre eles. “Nós dois somos do interior. Eu nasci em Cascavel, e o governador também é interiorano. Conhecíamos bem a realidade da cultura no Paraná, que mantinha a maioria dos equipamentos do estado concentrada em Curitiba. Durante a conversa, ele fez uma provocação: “Amplie seu olhar para trabalhar por todo o Paraná”. E, no fim, lançou uma ideia inimaginável: “Quero trazer um museu internacional para o estado”.

Determinada a enfrentar o desafio, Luciana deu início a um planejamento. “Era dezembro, e eu assumi a pasta em janeiro, logo em seguida montei uma equipe com pessoas qualificadas. Como nunca fui da área política, procurei técnicos com currículos sólidos e, mais importante, que tivessem brilho nos olhos. Eu não confio em quem trabalha sem paixão.” Com essa combinação de visão e entusiasmo, deu início a uma jornada transformadora para a cultura do Paraná.

Centre Georges Pompidou. Crédito: Bigstock

Um dos projetos mais ambiciosos de sua gestão é a criação de uma extensão do Centro Georges Pompidou (Beaubourg), em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira. O projeto arquitetônico é de Solano Benítez, paraguaio, que coleciona prêmios como SI Swiss Architectural Award 2007-2008 (SUI), AIA Honorary Fellowship 2012 (EUA) e um Leão de Ouro da Bienal de Veneza 2016 (Itália). Benítez vai trabalhar em colaboração com a equipe francesa. Outro marco da gestão de Luciana será a extensão do Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Paraná dentro do complexo Fábrica de Ideias, antigo espaço da cervejaria Brahma/Ambev, em um bairro um pouco deteriorado de Curitiba. O local de 50 mil metros quadrados será transformado em um espaço arrojado para arte, tecnologia e economia criativa, mantendo elementos arquitetônicos originais para criar ambientes singulares. 

O MAC possui um dos maiores arquivos especializados em arte moderna e contemporânea do Sul do Brasil. A nova diretora, Juliane Fuganti, está animada pelo que ainda está por vir nos próximos anos, assim como Luciana. A secretária adianta que a museografia do novo espaço será decidida por profissionais da área, mas não deve ter um caráter tradicional, e estará aberta a investigações experimentais. “Às vezes você precisa de um espaço mais alternativo dentro da expografia. Não estamos pensando em um projeto museal, focado apenas no cubo branco.” Neste contexto, o propósito é provocar experiências e não apenas se limitar a expor objetos e obras de arte. “Vamos manter a interação permanente entre museu e público. O governador é jovem e acredita no potencial transformador da arte. Ele tem esse entendimento do quanto a arte é importante na formação do cidadão”, comenta.

Quando Luciana assumiu a pasta, as contas da secretaria estavam em estado de atenção.  No entanto, hoje ela garante que a situação é outra. “No princípio, quando as coisas estavam mais complicadas, eu pensava pequeno e queria equilibrar os cofres dentro do clássico expediente: corte de pessoas. Tive a sorte de ter um secretário da Fazenda eficiente e que ama a arte, vive nos concertos, teatros, exposições. Foi ele quem ajustou as finanças.” A partir daí, ela passou a trabalhar no desenvolvimento e fortalecimento da cultura pensando grande. 

Uma visita ao espaço da futura Fábrica de Ideias surpreende. O “esqueleto” da antiga Brahma chama a atenção pela autonomia formal ditada pelos equipamentos afins. Os antigos tanques cilíndricos, destinados ao armazenamento da cerveja e hoje retirados, criam vazios circulares imensos no piso, e nosso olhar liga alguns andares através desses gigantes orifícios, que o futuro projeto da Fábrica de Ideias deve incorporar, levando em consideração esses achados geométricos. O complexo tem pé-direito alto, espaços bem amplos e sem paredes, o que dá margem a eventos e atividades paralelas a uma exposição. O “passeio” de quase uma hora dá a dimensão da magnitude do lugar e das inúmeras possibilidades de ocupação. 

O projeto arquitetônico de revitalização ainda não está pronto, mas um dos propósitos é transgredir os limites da mera contemplação, rumo a uma participação mais atuante do público. A área construída está estimada em torno de 34 mil metros quadrados e quase equivale à mesma dimensão de cada um dos três andares do Pavilhão da Bienal de São Paulo. A arquitetura, com os rastros da edificação original, dá sinais de que o lugar deve atrair muita gente interessada em arte, comunicação, inteligência artificial, tecnologia e economia criativa, forças motrizes desse projeto transformador. 

A Secretaria da Cultura não está sozinha no megaempreendimento, ela faz parte de uma ação conjunta com mais de dez secretarias estaduais, entre elas: Inovação, Modernização e Transformação Digital, Planejamento. Luciana lembra que o governador veio da área da comunicação, e o gabinete dele é que vai se ocupar do Museu da Comunicação que estará ligado ao Museu da Imagem e do Som e Arte digital. “As coisas foram crescendo e o projeto ampliado. Um dos marcos dessa iniciativa será uma grande praça central que vai homenagear Alfred Agache, o idealizador do plano diretor de Curitiba, na gestão do Jaime Lerner.” Paralelamente, o conceito de retrofit, que revitaliza estruturas históricas, vai garantir que a identidade original do espaço seja preservada, enquanto novas funcionalidades o adaptam à contemporaneidade.

Os curitibanos são orgulhosos de seus personagens importantes e alguns deles serão eternizados nos muros da Fábrica de Ideias. Luciana cita os irmãos André e Antônio Rebouças, que dão nome ao bairro e foram os engenheiros responsáveis pela construção da linha férrea ligando Curitiba ao Litoral. “Também serão homenageados o físico e cientista curitibano César Lattes e o precursor da aviação Alberto Santos Dumont, um dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Iguaçu.” 

Pergunto à secretária quanto vai custar esse megaempreendimento e ela garante que eles vão receber cerca de R$ 200 milhões em investimentos, com apoio da Audi do Brasil. Minha conversa com Luciana se alonga e percebo que não se trata de um projeto restrito, dedicado a um segmento da sociedade curitibana. Ao contrário. É amplo e recheado de complexidades, misturas, contrastes e diferenças.  A utilização audaz da tecnologia não passará imune e já virou a chave da cultura de Curitiba. Luciana é uma líder visivelmente orgulhosa de seu fazer e de tantas iniciativas desafiadoras que estão por se concretizar até 2026. Curitiba tem cerca de 2 milhões de habitantes e a Secretaria de Cultura conta com bons equipamentos, entre outros: Teatro Guaíra (1954), Museu Oscar Niemeyer- MON (2002), Museu da Imagem e do Som-MIS (1969), Museu Paranaense-Mupa (1876), um dos mais antigos do Brasil, entre outros. O Estado ainda conta com a Bienal Internacional de Arte de Curitiba (1993). 

Neste momento, o grande objetivo de Luciana está voltado para as celebrações do Ano do Brasil na França e da França no Brasil, com eventos programados para ocorrer entre maio e dezembro, dividindo-se igualmente em quatro meses em cada país. Luciana, acompanhada do governador, realizou uma viagem estratégica à França e obteve um marco significativo: a confirmação de uma apresentação da prestigiosa Ópera de Paris no Teatro Guaíra. Esse feito é resultado de intensas negociações bilaterais e abre caminho para um projeto de grande envergadura no Paraná, envolvendo uma parceria inédita. As tratativas continuam em curso, e a secretária manifesta sua visão ambiciosa para o futuro: “Assim como Santa Catarina abriga o Bolshoi, almejamos estabelecer a Ópera de Paris no Paraná. Queremos nos posicionar como protagonistas das comemorações do Ano da França no Brasil.”

O ápice dessa iniciativa está previsto para outubro de 2025, quando a renomada Ópera de Paris realizará um concerto conjunto com a Orquestra Sinfônica do Teatro Guaíra, marcando um momento histórico para a cultura paranaense e brasileira.


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