Lenora de Barros, "Homenagem a George Segal", 1984/2006.

 

O que há além da arte nas imagens de Ana Maria Maiolino na série Poemação da década de 70, na obra “O que sobra”, onde ela corta sua língua, seu nariz? O que há além de uma imagem perturbadora, instigante? Na fala dela “são imagens, reflexos de emoções que se sustentam na resistência. Uso meu próprio corpo não como uma metáfora, mas como uma verdade, algo que pertence ao domínio do real, dado que, em um momento de repressão e tortura como o da ditadura, todos os corpos tornam-se um na dor”. [A pele de Anna: Anna Maria Maiolino. Ed.Cosac Naify, 2016]. Ou nas obras de inúmeras mulheres que se utilizaram da ironia só para denunciar o lugar de invisibilidade em que foram colocadas num mundo de homens.

O que há além da arte nas obras de artistas que construíram seu trabalho baseando-se nas pesquisas de documentos secretos. Colocando luz no não dito, no censurado, no apagado.

O que há além da arte no Século XXI, numa Bienal que se constrói em torno de um novo mapa global. E outra que decide ter maioria negra no seu grupo curatorial. E quando artistas de diversos lugares do mundo, usam das mesmas metáforas visuais, em diferentes suportes para denunciar a xenofobia de seus países para com imigrantes. Países esses, na sua maioria de colonizadores.

A transcendência, um dos arcabouços da arte, hoje está impregnada não só pela força da aura, ou pela poética de que nos encanta e sim, também, pela sua capacidade de trazer a tona silêncios e memórias, num tempo acelerado que não quer saber.

Esta edição que acompanha a realização do nosso V Seminário Internacional, coincide com a abertura de exposições onde a radicalidade aparece das mais variadas formas.

Ficou muito difícil fazer cultura no Brasil. Nossa cultura está sendo queimada, literalmente. Não se trata apenas de descaso, é desinvestimento planejado, é uma escolha e, afinal, uma escolha de pessoas ineptas de pessoas cujos interesses são somente individuais, e predadores. São pessoas capazes de cumprir com a missão da destruição.

Pensar em cultura é pensar no outro. É pensar em como criar pontes, como enxergar o outro e como ouvir, como fazer conhecer, como incluir.

Tudo isso, aqui, está desaparecendo.

Existem dois Brasis: um que quer cuidar da memória, aprender com os erros e crescer; o outro quer fazer de conta que o diferente não existe. Para que cuidar ou investir no trabalho de educadores, de pesquisadores? Para que cuidar das obras de artistas se elas não estão à venda? Se elas não estão à venda, elas não valem nada.

Que dizer da vida, então?

Esse Brasil regido pela ambição, o poder e o obscurantismo está nos matando. O incêndio do Museu Nacional, que acabou com obras milenares, nos pegou em cheio porque ele foi um sintoma. Um sintoma que alerta para o que está se deixando de fazer e, pior, para o que está sendo feito.

A arte é uma ferramenta, um grito que nos permite continuar e ir em frente.

Nesse sentido, talvez não exista nada… além da arte.

O vídeo que abre a exposição Mulheres Radicais, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Me gritaron negra!, da artista e poeta afro-peruana, Victoria Eugenia Santa Cruz, é um tapa na cara.


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