Bebendo da fonte

Nesta edição, mergulhamos num manancial de iniciativas de instituições culturais de São Paulo, do Norte e do Nordeste do Brasil que estão interessadas em revelar parte do apagamento de nossa história, parte do apagamento pós-colonial. A exemplo das exposições Ensaios para o Museu das Origens, montada no Tomie Ohtake e no Itaú Cultural e Histórias Indígenas, no MASP; da mostra com as recentes aquisições para a coleção o Banco do Nordeste, em Recife (PE); da Bienal das Amazônias, em Belém do Pará, e do percurso do Manto Tupinambá, apresentado por Célia Tupinambá. Entrevistamos curadores, pensadores, arqueólogos e artistas de várias regiões do país. Ouvimos falar da necessidade de mudanças radicais nos museus e do quanto seria necessário ouvir a natureza. Num país que foi e é indígena, caboclo, ribeirinho, afro-descendente e branco. Num país cuja pluralidade tem início há mais de 6.000 anos, e não, como é tradicionalmente entendido, num país que teria nascido em 1500.

Nesse percurso de quase dois meses conferimos o quanto nossa visão de interdisciplinariedade é fundamental para analisar praticamente todos os fenômenos que se relacionam com o indivíduo e, por tanto, o impacto que eles têm na arte. Isso já foi abordado profundamente por arte!brasileiros, no seu VI Seminário: Em defesa da Cultura e da Natureza, ainda na pandemia, e nossa experiência frente ao colapso já trazia a necessidade de se “pensar em volta”. 

Claro que muitas dessas conclusões são óbvias para os antropólogos ou historiadores, os estudantes de história da arte ou filósofos, mas definitivamente não são óbvias para muitos.

Sempre desenvolvemos tecnologias: está aí a reportagem no Museu de Arqueologia Emílio Goeldi, de Belém de Pará, mostrando técnicas ancestrais de comunicação, torração e agricultura. A questão é: nós a colocamos a serviço de quê?

Ainda hoje currículos nacionais não levam em consideração saberes regionais e estudos, que já vêm sendo feitos respeitando linguagens, sabedorias, crenças, pesquisas realizadas por universidades nacionais, com profissionais capacitadíssimos. O fato de se ter declarado a independência dos colonizadores não extirpou uma construção intelectual voltada para fora. A Amazônia está mais perto da história dos países andinos, de suas sabedorias e descobertas ancestrais, do que da europeia, por exemplo. Não obstante, sua construção pós-colonial a levou a olhar por cima do Brasil e do Oceano Atlântico, para a Europa ou ainda para os países do Norte. 

As elites latino-americanas cresceram com o capital financeiro, pouco preparadas ou preparadas para uma visão individualista de construção da sociedade. Com o auge do neo-liberalismo, a partir dos anos 1980, a sociedade como um todo foi se afastando cada vez mais da tentativa de entender quem somos, onde habitamos, e a floresta ficou cada vez mais longe e os nossos “sintomas sociais” só pioraram. Recomendamos a leitura do capítulo Diagnóstico da Modernidade e Perspectivismo Ameríndio, (Mal-estar, sofrimento e sintoma, Christian I. L. Dunker, pag. 273, Editora Boitempo) 

Estamos avançando. A mais recente Bienal de São Paulo foi uma excelente surpresa, fazendo associações entre passado e presente, trazendo questionamentos e uma estética cuidadosa. A volta dos investimentos em cultura vai servir para isso, mas é necessário não perder de vista a necessidade da crítica e o quanto, muitas vezes, lutas anti-hegemônicas servem apenas para serem capturadas por campanhas de marketing, ao invés de se tornarem o devido caminho para construir saberes formativos e coletivos. 

Boa leitura, bom 2024, com saúde, força e alegria. ✱

OS: Recomendamos “bubuiar” ( leia entrevista com Professor Paes Loureiro) nas férias!


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