Série "Ecce Homo", de Alex Flemming. FOTO: Divulgação

Alex Flemming costuma olhar para sua própria obra sob dois pontos de vista distintos, por mais que eles estejam sempre entrelaçados. Por um lado, a produção artística deve ser politicamente contundente, com mensagens fortes, seja quando trata de opressão e autoritarismo, de extremismos religiosos, de questões ambientais, de liberdade sexual ou da sensualidade do corpo. Por outro lado, a arte deve ser bela e sedutora, mesmo quando fala sobre estas “questões cortantes”, diz ele, “por mais que eu entenda que isso não é uma unanimidade do pensamento crítico”.

“Minha vida tem sido a pesquisa da cor, do material e do corpo. Sou um colorista que já se utilizou de bichos empalhados, tapetes persas, computadores velhos, cuecas, móveis e outras superfícies para fazer meus objetos”, afirma Flemming, paulistano radicado em Berlim há cerca de três décadas. Em sua nova série, Ecce Homo, exposta na Galeria Emmathomas, o artista de 64 anos segue fiel à essa trajetória.

Desta vez, o material escolhido foram pias industriais brasileiras de diferentes cores – em tons pastéis –, provenientes dos anos 1970 e 1980. Nelas, Flemming desenhou, com pontas de diamante, mãos humanas em variadas posições, propondo uma metáfora entre uma passagem bíblica e o Brasil atual. O artista encontrou no episódio da condenação de Jesus Cristo por Pôncio Pilatos uma relação com a “situação escabrosa” em que o Brasil se encontra, consequência direta de “todos nós termos lavados as mãos”.

“Não foi Pilatos quem lavou as mãos e deixou o Brasil chegar ao estado em que está, e sim as elites, nela incluindo o egoísmo de todos os partidos políticos, a omissão das instituições e a ganância do mercado”, diz ele. “Penso que nós, inclusive da esquerda, temos que fazer uma autocrítica. Porque se as coisas chegaram a esse nível, também somos culpados”.

Sobre a escolha das pias, Flemming explica que sempre teve interesse em utilizar o material, encontrado em qualquer lugar do mundo – “de Bangladesh ao México, do Chile à Suécia” –, mas praticamente não utilizado na história da arte. Após as primeiras experiências em Berlim, “onde só existem pias brancas”, procurou os lavatórios em cidades brasileiras, já que a ideia era retratar uma temática de seu país de origem. Encontrou por aqui pias roxas, verdes, beges e cor de abóbora, e nelas gravou seus desenhos durante a residência artística realizada na Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA), em Itu.

“Pias dessas cores não existem na Alemanha. Isso tem a ver com um Brasil colorido, multifacetado”, diz Flemming. Curiosamente, para ele as formas destes objetos remetem diretamente a duas coisas: os altares brasileiros domésticos das fazendas dos séculos 18 e 19 e às antigas televisões de bobina do século 20.

Ao falar novamente sobre a crítica de arte e sobre as dificuldades para a produção cultural no Brasil, que devem se intensificar sob um governo conservador, Flemming conclui: “Estou expondo o mais íntimo do meu ser, minha alma, meus pensamentos. Fico muito contente com as pessoas que gostam e respeito as que não gostam. Mas eu crio porque isso grita dentro de mim, porque é minha vida. Quer dizer, não podemos depender só de apoio, de editais. A arte é independente de partidos e, sem dúvida, do Estado”.

Alex Flemming – Série Ecce Homo

Até 22 de março

Galeria Emmathomas – Alameda Franca, 1054 – Jardim Paulista (São Paulo)

Entrada gratuita

 


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