Lygia Pape
Lygia Pape, 2002, Ttéia 1 C. Foto: MAM Rio | Fabio Souza

Do outro lado do Atlântico, as instituições culturais da França também receberam artistas brasileiros. Foram mais de 300 eventos realizados em 50 cidades entre junho e dezembro de 2025 – museus, centros culturais e festivais ajustaram suas agendas para acolher nomes do Brasil, com destaque para as artes visuais, com uma mostra no Museu Orsay, um dos mais importantes do país, que apresentou obras de Lucas Arruda.

Segundo o curador Nicolas Gausserand, o artista brasileiro já estava no radar há algum tempo – mas, com a Temporada, o projeto se concretizou em poucos meses, e Arruda tornou-se a primeira pessoa oriunda do “Sul global” a expor no Orsay. Em “Qu’importe le paysage”, apresenta obras desenvolvidas em torno de investigações sobre a luz, assim como as dos mestres do impressionismo expostos no Orsay. “A luz está no centro do meu trabalho. É movimento”, afirmou o artista. Por sua vez, adota uma abordagem rigorosa que o conduz da figuração à abstração, criando espaços ambíguos, como uma realidade paralela.

Foram 34 obras de Arruda expostas na Galeria dos Impressionistas entre abril e julho deste ano. A instituição aproximou seu trabalho com as paisagens de nomes icônicos do impressionismo, como a série Catedral de Rouen, na qual Claude Monet pintou as variações de sua percepção de um local de acordo com a intensidade da luz. Para “na série “deserto-modelo, Arruda retrata paisagens imaginárias em que a intensidade da luz acaba por criar espaços entre o abstrato e o figurativo, que interagem com obras de Alfred Sisley, Camille Pissarro, Théodore Rousseau, Gustave Courbet, entre outros.
Segundo Gausserand, o público francês se interessou pelo artista brasileiro e o português era ouvido diariamente nas salas da mostra. Outra mostra também surgiu, dedicada à sua obra, desta vez no Carré d’Art, em Nîmes, no sul do país – “Deserto-modelo”, em cartaz até outubro, expôs pinturas de Arruda, obras multimídia e instalações, feitas em diferentes momentos ao longo da trajetória do artista.

Outro destaque da Temporada foi a mostra “José Antônio da Silva: Pintar o Brasil”, que apresentou ao público francês mais informações sobre a vida e a obra do artista paulista. A mostra iniciou-se no Museu de Grenoble, com mais de cem obras do artista representando as principais temáticas de seu trabalho Devido à sua paleta de cores vibrantes, traço expressivo com pinceladas rápidas e investigações de cenas rurais, o artista ganhou o apelido “Van Gogh brasileiro”.

Com a curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro, o público foi introduzido ao imaginário do artista: paisagens rurais, cenas de descontração no campo e o avanço da agricultura na natureza. A mostra ainda itinerou, depois, à Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, e ao Museu de Arte Contemporânea da USP, em São Paulo.

José Antônio da Silva encarna a figura do artista popular autodidata profundamente engajado. Descoberto por dois importantes críticos durante uma exposição local nos anos 1940, continuou produzindo até sua morte, em 1996, evoluindo e flertando com diferentes estilos e temas. À primeira vista, suas obras coloridas e lúdicas, com elementos do folclore, podem parecer apolíticas. Mas eram uma denúncia da realidade social dos trabalhadores agrícolas no Brasil – Silva via-se como uma figura apta para definir a “identidade visual” da pintura brasileira.

E, 50 anos depois de sua primeira mostra dedicada ao brasileiro-polonês Krans Krajcberg na França – na ocasião, foi a mostra inaugural do museu Centre Pompidou, em Paris –, o público da cidade é apresentado novamente ao pioneiro da arte ecológica. “O Grito pelo Planeta” esteve em cartaz de março a agosto no Espace Frans Krajcberg, em Paris, e explorou os quatro elementos a partir do olhar de Frans Krajcberg, cuja obra é marcada pelo compromisso com a preservação da natureza, muitas vezes propondo um diálogo entre a arte contemporânea e o mundo natural.

A mostra, em duas partes – de março a maio, dedicada à terra e à água, e de maio a agosto, ao fogo e ao ar – propõe uma exploração sensorial. A leitura da obra de Krajcberg, que quase exclusivamente tratava de preocupações ambientais contemporâneas, pode ser feita em diálogo com cinco artistas contemporâneos – Rodrigo Braga, Daniela Busarello, Maurice Dubroca, Matheus Ribs e Thérèse Vian – cujos trabalhos foram incorporados pontualmente ao longo da exposição.

O objetivo da curadoria era tirar sua produção da sombra e introduzir sua mescla de arte e de engajamento político e ambiental, dialogando explicitamente com os temas propostos como eixos centrais para a Temporada França-Brasil: clima, democracia e diversidade cultural. Além das galerias interiores, um conjunto de esculturas monumentais do artista foi instalado a céu aberto no Chemin du Montparnasse.

Ainda em Paris, o carioca Ernesto Neto tomou conta do Grand Palais com uma instalação monumental, feita de materiais como crochê, cascas e especiarias. O artista propõe uma arquitetura têxtil: o visitante caminha, interage, cheira a obra e acaba, inclusive, por “habitá-la”. Intitulada “Nosso Barco Tambor Terra”, usa a metáfora da navegação (barco) e do tambor (ritmo) para falar de ligações culturais, de movimentos entre mundos e da relação entre o corpo humano e a Terra.

A mostra também contava com ativação sonora e percussiva, na qual instrumentos de todo o mundo eram integrados à instalação, e o público podia interagir. Oficinas, concertos, visitas mediadas faziam parte da extensão da experiência, ligando arte, cultura brasileira, ecologia e têxtil.

Na Bourse de Commerce ocorreu a primeira mostra do país dedicada à obra de Lygia Pape – “Tisser l’espace” foca na forma como Pape construía sua arte: projetava-a não como objeto fixo, mas como ambiente, relação, experiência — uma malha que envolve o público.
O percurso expositivo reúne obras-chave da trajetória de Lygia Pape — desde gravuras abstratas de seus inícios até o livro-objeto “Livro Noite e Dia III”, feito entre 1963 e 1976, e uma seleção de filmes experimentais. O eixo central é a instalação iluminada “Ttéia 1”, pertencente à Pinault Collection. Trata-se de fios de cobre estendidos no espaço, que interagem com a luz e o movimento do público, criando uma experiência sensorial imersiva.


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