Jean-Michel Othoniel no MON
Jean-Michel Othoniel no MON

A exposição “O Olho da Noite”, de Jean-Michel Othoniel, com curadoria de Marc Pottier, celebra os 22 anos do Museu Oscar Niemeyer e fortalece o diálogo entre o Paraná e a França. O artista francês apresenta 25 obras, ocupando vários dos espaços expositivos: o Olho, o espelho d’agua e mais duas galerias.

Jean-Michel Othoniel realizou várias exposições internacionais desde sua participação na Documenta de Kassel, em 1992. Ele conta que, quando ainda era um jovem artista, conheceu pessoalmente Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, e contemplou estrelas no céu com ele através de uma das grandes janelas de seu apartamento: “Foi nessa memória poética que minha primeira exposição individual no Brasil foi construída”.

No espaço curvo do Olho, foram pendurados colares de vidro gigantes representando os signos do Zodíaco e lotus que sobressaem no espelho d’água, provocando reflexos. 

Confira nossa conversa com o artista no dia da inauguração da mostra.

Arte!: Quando e por que você decidiu trabalhar com o vidro como sua matéria principal?

Jean-Michel Othoniel: Acho que o material não foi a primeira coisa que veio à minha mente quando comecei a trabalhar. Foi uma maneira de oferecer uma visão do mundo mais otimista, usando essa ideia de beleza e de trazer beleza para o mundo de hoje. Essa foi a minha ideia há 20, 25 anos. E, aos poucos, percebi essa ideia de que trazer beleza, levar esperança para as pessoas, era importante para mim como artista, quase como um ato político, trazer beleza para o mundo. 

E o vidro é um material que todo mundo conhece, faz parte da nossa intimidade e está em todo o mundo. Então, pessoas na Ásia, na África, na Europa, na América do Sul, todos têm uma experiência com vidro e uma espécie de poesia mágica na sua intimidade. Foi uma forma de usar um material capaz de dialogar com diferentes civilizações, diferentes formas de pensar, diferentes religiões. É um material que fala sobre fragilidade, sobre o fato de que você precisa aceitar sua própria fragilidade para enfrentar o mundo. E, ao aceitar isso, você se torna mais forte. Isso foi algo importante para mim quando decidi usar esse material. 

Depois dessa visão conceitual do material, sempre fui surpreendido por ele: sempre novas ideias, sempre novas cores, sempre novas pessoas para conhecer de diferentes países. Trabalhei com sopradores de vidro indianos, italianos, suíços. Trabalhei no México com sopradores mexicanos, no Japão com sopradores japoneses. E, a cada vez, é uma forma de descobrir o mundo e diferentes culturas.

Arte!: Qual foi teu primeiro contato com a arte?

Jean-Michel Othoniel: Tive a sorte, quando criança, de ir a um museu quando tinha 6 ou 7 anos. Isso porque eu vivia em uma cidade comunista no centro da França chamada Saint-Étienne. E lá não havia muita coisa. Era uma cidade muito pobre, com minas e pessoas trabalhando no carvão. Era uma cidade suja, mas nós tínhamos um museu de arte contemporânea com artistas contemporâneos indo para Saint-Étienne nos anos 1970, o que era algo completamente novo. E as pessoas vinham de toda a Europa só para ver exposições e trabalhar lá. E, como crianças das escolas, éramos obrigados a ir ao museu toda quarta-feira.

Foi mágico para mim, como uma janela que se abriu. Uma janela para a liberdade, para outra visão do mundo. E isso mudou a minha vida. Então, eu disse aos meus pais que queria ir para a escola de arte quando tinha 7 anos. E fui. Após a escola, toda quinta-feira à noite, eu passava três horas desenhando com os artistas na escola de arte.

Arte!: Então você fez escola de arte?

Jean-Michel Othoniel: Sim, comecei na escola de arte aos 7 anos. E fiquei totalmente fascinado por isso. A ideia de se expressar era uma forma de abrir sua mente e libertar sua alma. Eu gostava de ler sobre arte, ir a museus, desenhar. Eu era feliz fazendo isso. Mas decidir ser artista, acho que não é uma decisão que você toma. Acho que a vida escolhe por você. Em algum momento, isso se torna uma necessidade na sua vida. Você só consegue fazer isso e nada mais. Decidi trabalhar com arte com 22 ou 23 anos.

Arte!: Você já tinha estado no Brasil e se encontrado com Niemeyer no Rio de Janeiro, certo?

Jean-Michel Othoniel: Sim! Tive a oportunidade de ser convidado ao seu apartamento. Ficamos horas conversando e olhando um céu estrelado. Ele disse “quero mostrar para você onde eu faço meus desenhos”. Aí ele me levou numa sala muito pequena, talvez, não sei, 10m², talvez 25m², cheia de livros e no meio, uma mesa pequena, talvez 1m x 1m, uma mesa muito pequena. Quando eu vi isso, eu disse, meu Deus, esse gênio desenhou toda essa arquitetura em uma mesa tão pequena. Foi um choque para mim. Um presente. Um homem tão brilhante e famoso e tão humilde. 

Arte!: Aqui tem diferentes modulação de um mesmo material o que inspira cada um?

Jean-Michel Othoniel: Eu tenho dois modelos em minha obra, as contas [beads, contas de colares] e uma espécie de forma quadrada , de tijolo. E esses dois modelos são coisas que as pessoas conhecem em todo o mundo. A ideia do tijolo existe em tantas religiões e em todas as culturas. Os tijolos podem compor módulos que eu uso e com eles posso fazer tanto pequenas como grandes esculturas, que podem ir a 20 metros de altura.

Quando fui trabalhar na Índia fui para um lugar que se chama Firozabad, que é uma pequena vila.  Encontrei um jeito de entrar em uma família de sopradores de vidro, o que não era fácil, porque eles não falavam inglês. Era no meio do deserto, perto de Agra, perto do Taj Mahal, mas no meio do nada, sem hotel, sem onde ficar. 

Foi um grande desafio. Na estrada para chegar nesse lugar vi vários pedaços de tijolos no chão, feitos com terra para construírem suas casas. Para mim, foi uma mensagem maravilhosa, uma mensagem sobre o que as pessoas podem ter em mente, a expectativa de construir sua própria casa. Aí pensei: eu quero soprar tijolos.

Não foi fácil, porque era preciso soprar um quadrado em vez de soprar em uma forma esférica. Então trabalhei com eles. Fizemos algumas amostras soprando na areia, soprando no barro. Aos poucos fomos encontrando uma maneira de realizar esse projeto. Tínhamos instrumentos muito antigos como moldes. Foi como trabalhar no passado, era como trabalhar há 200 anos. 

Arte!: Cada cultura desenvolve diferentes experiências com o vidro?

Jean-Michel Othoniel: Cada país tem uma visão diferente do vidro. Por exemplo, na Índia, o vidro está muito ligado à arquitetura de joias, por causa dos pavilhões dos marajás feitos de vidro. Você tem móveis feitos de vidro para casamentos há 200 anos. O mundo do vidro indiano está muito conectado com contos de fadas. Para eles é algo mágico. 

Se você for à Itália, é mais sobre design. Eles querem criar formas bonitas, com cores incríveis, perfeitas. O vidro é totalmente transparente. Se você for ao Japão, é mais meditativo. É sobre a maneira de trabalhar. Você mistura o vidro com folhas de ouro e trabalha nos detalhes. As  pessoas veem o vidro como uma forma de meditação.

Cada país traz uma nova experiência e uma relação com o vidro que é ligada à sua própria cultura. E eu adoro descobrir isso, porque me traz novas ideias, novas conexões com o mundo.


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