SP Arte Rotas Brasileiras
SP Arte Rotas Brasileiras

Até a próxima quarta-feira, 11 de dezembro, o setor de artes visuais do país estará em alerta vermelho. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, indicou que o projeto da Reforma Tributária volta ao Congresso na segunda-feira e, na quarta, já poderá ir ao plenário da casa, como prioridade de encerramento do ano. Mas o que o setor de artes tem a ver com a reforma? Basicamente, tudo. 

Quando um artista plástico vende uma obra de arte, a saída de uma peça (uma pintura, gravura, objeto conceitual, escultura etc) é realizada com isenção de ICMS, não há tributação do consumo (a tributação somente será aplicada ao artista na sua declaração de Imposto de Renda). Usualmente, durante as feiras de arte, quando essa operação é praticada por uma galeria, existe o benefício do crédito presumido do ICMS, que consiste no seguinte: a obra entra na galeria sem cobrança de ICMS, e, na venda, ainda tem o crédito presumido (também conhecido como crédito outorgado, um recurso utilizado pelos estados e Distrito Federal para dispensar o contribuinte da carga tributária que incidirá sobre as operações). Com a reforma tributária (Projeto de Lei 68/2024), esses benefícios para as artes visuais estarão extintos. 

A reforma prevê a exclusão da comercialização de obras de arte do Regime Diferenciado, mecanismo que reduz a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 60% para setores como eventos e audiovisual. É uma situação complexa: a nova lei cria regras que vão viabilizar o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) dual, com a substituição de cinco tributos (ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins) por três: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de nível federal; Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de nível estadual e municipal; e o Imposto Seletivo, de nível federal. O fato é que, como consequência, isso deverá aumentar a até 27% o preço de uma obra de arte no país. Para efeitos de comparação, outras nações, como França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha, aplicam alíquotas entre 5% e 7% atualmente. As vendas diretas de obras de artistas pelas galerias têm um crédito presumido de 50% do imposto, apenas nas feiras é que têm isenção de 100%.

Galerias, marchands, feiras, exposições, artistas e ativistas do setor estão alarmados e buscando reverter a situação. Em uma mobilização inédita (e de rara envergadura), a primeira na história, as artes visuais criaram este ano o Coletivo 215, uma aliança entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT, que representa cerca de 60 galerias de arte contemporânea no Brasil), ArtRio, SP-Arte e a Associação de Galerias de Arte do Brasil (AGAB). Seu ativismo pleiteia a defesa e o fortalecimento do setor, mas o foco principal é reivindicar o cumprimento rigoroso do artigo 215 da Constituição Federal, que dá nome ao grupo. O artigo é o que garante pleno exercício dos direitos culturais, a manifestação e difusão das manifestações culturais e o acesso à cultura. 

Conforme o coletivo, o mercado de artes visuais pode vir a sofrer um raro isolamento internacional caso seja aprovada a Reforma Tributária da forma que está, pelo encarecimento que provocará nas operações de comércio de obras. Segundo diagnóstico do Coletivo 215, as feiras de arte impulsionam fortemente a economia criativa brasileira. Elas reúnem anualmente cerca de 200 galerias, exibem mais de 2 mil artistas e recebem cerca de 100 mil visitantes, gerando mais de 10 mil empregos diretos e indiretos e permitindo a arrecadação de mais de R$ 20 milhões em impostos. 

As galerias estimam que, com sua exclusão do Regime Diferenciado de tributação, a situação poderá até conduzir ao fechamento de muitas delas, especialmente as menores. Também poderá afastar galerias internacionais que porventura queiram adquirir obras de artistas brasileiros, pelo encarecimento, e até impactar na produção artística, via estrangulamento. As artes visuais querem ter uma atenção em pé de igualdade com outros setores da cultura. 

O galerista Alexandre Roesler vê perigo real de um retrocesso na área da cultura. “O setor cultural sempre teve um tratamento diferenciado, não só aqui no Brasil, mas no mundo todo, pela capacidade que a cultura tem de definição da identidade nacional, sua característica de soft power, sua importância para a vida das pessoas”, pondera Roesler. “A reforma é muito bem-vinda, vai simplificar, traz menos burocracia para uma série de coisas”, ele afirma. Mas precisa garantir isonomia para as artes. 

Segundo o galerista, ao ser feita a emenda constitucional, houve um entendimento de que, sim, era necessário que o setor cultural continuasse tendo um tratamento diferenciado. “Então, eles colocaram lá que produções artísticas e culturais teriam a redução de 60% das alíquotas finais. Isso foi levado em consideração para alguns setores estratégicos, como educação, saúde e cultura. Aparentemente, estava tudo em ordem. Mas, quando foram escrever o PLP 68, na definição do que é produção artística cultural nacional, só incluíram serviços”. 

Assim, diversos segmentos da cultura foram plenamente contemplados, como o audiovisual, o setor de eventos, mas não as artes visuais. “O produto do artista visual não é um serviço. Os artistas produzem obras de arte que são objetos tangíveis, não se trata de uma prestação de serviços. O que pedimos é que seja incluída [no texto] também a transação com bens, porque, se não estiver contemplada, pintores, escultores, galeristas, toda a cadeia será muito prejudicada”. 

De fato, a Emenda Constitucional no 132, aprovada no fim de 2023, estabeleceu que as produções artísticas e culturais receberão tratamento diferenciado na reforma. Mas, para o Coletivo 215, ainda se faz necessário que a regulamentação por leis complementares defina os setores beneficiados dentro desse guarda-chuva de “produções culturais e artísticas”. Em maio deste ano, o grupo encaminhou uma Nota Técnica ao Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados que trata do tema (e ao Ministério da Fazenda), na qual consta a proposta da Emenda 477, que sugere que o regime especial para o setor abranja “operações com serviços e bens, tangíveis e intangíveis, envolvendo produção, feira, exposição, intermediação, importação, repatriação e comércio de obras intelectuais”. 

“A aprovação da Emenda 477 impactará positivamente essa esfera econômica gerando empregos, renda e promovendo a imagem do Brasil no cenário internacional”, afirma o coletivo, em nota. “O mercado de arte não somente se incorpora ao patrimônio cultural do país como também promove e financia artistas nacionais, cria oportunidades e inclusão social, democratiza o acesso à arte brasileira e estrangeira e movimenta a economia de forma direta e indireta, com impacto sobre negócios, turismo e a produção cultural”. 

Nos fóruns da internet que debatem o assunto, também aparecem observadores que defendem que o setor de artes visuais, por ser um dos mais prósperos da atividade cultural, deveria ser alvo de uma tributação mais pesada. “Senão, vai ficar como o absurdo da carne, que é incluída na cesta básica”, afirmou um deles. 

“A não inclusão das obras de artes no regime diferenciado, como parte da produção cultural nacional, parece ter sido fruto apenas de equívoco que incluiu serviços mas não bens”, diz Cris Olivieri ― advogada da Olivieri & Associados, especializada em arte, cultura e entretenimento e mestre em política cultural.

O relator do projeto da Reforma Tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), pretendem levar primeiro o texto à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), único colegiado que analisará o projeto antes de ele ir ao Plenário. Já foram realizadas 13 audiências públicas, ouvidos quase 200 debatedores e o relator recebeu mais de 800 pessoas em seu gabinete. Outras 21 audiências públicas foram realizadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Ainda assim, o grupo das Artes Visuais atua ativamente em várias frentes, buscando envolver a classe política, os artistas, o Ministério da Cultura e o da Fazenda. “Esperamos conseguir porque isso é muito importante, inclusive por isonomia ao tratamento dado à cultura; não pode alguns setores estarem contemplados e outros não”, diz Alexandre Roesler. A reportagem de ARTE!Brasileiros procurou o Ministério da Cultura para saber se a pasta tem conhecimento do caso e qual sua postura a respeito, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. 


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