Uma trajetória entre a produção artística e gestão cultural
Conversamos com Nicolas Soares, atual diretor do MAES, artista e um dos curadores do VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros – Narrativas Contra-Hegemônicas
ARTE!✱ – Nicolas, conta um pouco da sua trajetória. É raro encontrar gestores de instituições tão jovens. Qquantos anos você tem?
Nasci em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, em 1987, e sempre vivi fora do estado. Morei no estado do Rio, em Goiânia e em Salvador. Ingressei na Escola de Belas Artes da UFBA, em 2006, com o entendimento de que queria ser artista. Me identifiquei com a fotografia e, logo no início, entendi que esta seria a minha principal pesquisa. Produzi muito durante o período da universidade. Na época, tínhamos um grupo de amigos artistas, todos da Escola de Belas Artes. Nós propúnhamos diversos projetos e montávamos exposições, muitas delas independentes, em espaços institucionais como Galeria do Conselho, Instituto Cervantes, Aliança Francesa, Galeria de Arte do ACBEU, entre outros. Individualmente, por meio de seleção em chamadas públicas: os Salões Regionais da Bahia (Funceb), Bienal do Recôncavo e Salão da Bahia, no Museu de Arte Moderna (MAM Bahia). Ocupei, entre os anos de 2008 a 2011, diversos espaços expositivos em Salvador, e essas atividades me colocaram em alguns circuitos.
Minha pesquisa como artista está centrada na imagem, em pensar as questões relacionadas à imagem-cultura e imagem-arte. O corpo sempre foi uma atenção à qual me dediquei (e continuo me dedicando): o corpo do outro, as relações de desejo, as relações de poder que o corpo exerce e às quais se sujeita também na cultura. Em um momento, também fui entendendo o meu lugar como um artista negro munido de uma câmera. Tendo o poder de definir imagens – quais imagens e como! Os discursos e as narrativas. Porque o embate, na verdade, parece indissociável e definitivo: que a existência e a ação do meu corpo – pessoalmente – atravessem o trabalho e as imagens que produzo.
A partir daí, dando um salto histórico nesta narrativa, retorno ao Espírito Santo. Vim para Vitória em 2012, e fiz o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES. No meu percurso acadêmico, fui professor substituto, assim como orientador de TCC do Ensino à Distância em Artes, na mesma Universidade, entre 2016 e 2018. Neste momento, exercendo atividades no Departamento de Artes Visuais e inserido numa vivência da academia, entendi que o ensino – dar aula – era um trabalho de arte, de certa forma, como um arranjo curatorial: a possibilidade de organizar conceitos, textos, imagens e artistas. De estender meu trabalho no espaço discursivo que é a Universidade, e por muito, o melhor lugar para ser artista.
ARTE!✱ – E quando você passou a gerenciar espaços culturais?
Fui convidado, em 2019, para entrar na Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo e assumir a coordenação da Galeria Homero Massena, que é um espaço de artes visuais tradicional no nosso cenário. Um fato curioso é que a Galeria foi o primeiro lugar que visitei quando cheguei em Vitória, em 2012. Em 2015, expus na Galeria uma pesquisa que estava desenvolvendo desde 2011, em Salvador, por meio do Edital de Artes Visuais do Funcultura (Secult). A exposição Esta Aporia: Uma Liturgia do Desejo compreendia uma reunião de fotografias em preto e branco, entre paisagens e gestos simbólicos de corpos nus masculinos na paisagem (que é a linguagem e estética com a qual trabalho há 20 anos), tentando entender como o desejo é uma força que, ao mesmo tempo em que nos impulsiona, também pode nos fragilizar como sujeitos, e, principalmente, forçando a imagem fotográfica em seu lugar devocional. Ainda ao fim da exposição, propus uma ação/videoinstalação no interior da Capela Santa Luzia – capela de arquitetura colonial, datada de 1537, que nos anos 1970 foi a Galeria Arte e Pesquisa da UFES e presenciou diversas manifestações experimentais. Esta pesquisa se desenrolou ainda em Esta Aporia: AMENSAL, apresentada na Casa Porto das Artes Plásticas, em 2016, também selecionada pelos Editais do Funcultura.
Discorri tudo isso para dizer que tenho uma relação afetiva com a Galeria Homero Massena. E ter a oportunidade de contribuir, durante a gestão, para o pensamento deste espaço, para mim, foi um privilégio! Porque uma das relevâncias, em quase 50 anos de Galeria, é que muitos artistas capixabas hoje reconhecidos em suas trajetórias expuseram na Homero Massena. Sempre foi um espaço de experimentações artísticas, respondendo e atravessando estas cinco décadas. De alguma forma, ela nos conta uma história da arte a partir daqui.
ARTE!✱ – Para além das exposições que a galeria produz por meio do Edital de Artes Visuais do Funcultura do Estado, quais foram os projetos que a própria galeria propôs que fortaleceram essa personalidade?
Durante a minha gestão na Homero, em sua missão principal como espaço de arte pública e sua posição na cena artística em todos esses anos de funcionamento, reforcei seu caráter de abertura à nova produção artística. Dessa forma, paralelamente às produções das exposições selecionadas pelos Editais do Funcultura, ativamos uma programação que pudesse estreitar esses diálogos: três edições da Mostra Videografias (2019–2021), Ciclo de Pesquisa e Formação (2019) e duas edições do Fórum da Imagem (2020–2021), todos com abrangência nacional.
As mostras de vídeo tiveram três recortes com artistas não só do Espírito Santo: Videografias do Corpo, Videografias do Meio e Videografias do Convívio — as duas últimas durante a pandemia, sendo umas das primeiras ações da Secretaria de Cultura com apoio de transmissão da TVE. Ainda durante a pandemia, realizamos os dois Fóruns da Imagem: Construção de Imagens Urgentes e Imagens em Trânsito. Foram ações discursivas articulando pesquisadores, artistas e ações educativas – resultando em duas publicações impressas e exposições, com mais de 50 artistas de todo o país. Essas atividades, por meio de chamadas públicas nacionais, me possibilitaram acessar jovens artistas de outros lugares e me trouxeram uma atenção maior a um exercício de curadoria que estava começando a fazer.
Pensar uma articulação para fora do estado é uma preocupação. Logo no início da minha coordenação na Galeria, propusemos um ciclo de palestras que acompanhava as exposições previstas no calendário. O Ciclo de Pesquisa e Formação convidou artistas da cena do Espírito Santo, como Hilal Sami Hilal, e pesquisadoras como Tatiana Rosa, em torno de alguns debates propostos. Como também apresentou e trouxe para Vitória nomes importantes da arte contemporânea nacional, como o pesquisador Guilherme Marcondes, os artistas Ayrson Heráclito e Paulo Nazareth, e a curadora fundadora da Associação Cultural Videobrasil, Solange Farkas. Acredito que este momento tenha sido importante para nos reposicionar também frente a um circuito nacional, além do fortalecimento da própria Galeria como um espaço de discussão da arte contemporânea.
O isolamento histórico do Espírito Santo é quase um trauma, porém nossa pulsante produção nas artes visuais tem vazado as fronteiras e se desvinculado desses apagamentos. Devemos considerar que o incentivo público, a exemplo dos 16 anos ininterruptos do Funcultura, e principalmente na atual gestão do Governo e da Secretaria de Cultura (desde 2019), tem investido no aumento dos recursos e repasses, e contribui de forma significativa para a produção, articulação e intercâmbio da nossa produção em artes visuais, que cada vez mais tem se mostrado nas cenas nacionais e internacionais. Realmente, a produção artística tem conseguido transpor fisicamente o território, e, obviamente, é mérito de cada artista em seus percursos e “corres”, nas frentes de batalha que todos nós, na arte, enfrentamos insistentemente. Tenho muito respeito e orgulho pelo que todos nós estamos contribuindo por esta história.
ARTE!✱ – E quem foi Homero Massena?
Homero Massena foi um dos grandes nomes da arte capixaba – mesmo sendo mineiro –, radicado no Espírito Santo, representou a paisagem do Estado no repertório de seu trabalho. Morou na Prainha, um dos primeiros bairros de Vila Velha, aos pés do morro que abriga o Convento da Penha – que, por sinal, sua subida de pedras foi retratada diversas vezes por ele. Embora esteja ligado ao modernismo, o estilo dele tem muito de impressionismo.
Homero Massena é uma figura fundamental no repertório artístico daqui, e suas pinturas atravessam gerações, como também merecem ser revistas discursivamente, a partir dos debates de agora.
Hoje, a casa em que ele morou é o Museu Homero Massena, com gestão da Prefeitura de Vila Velha. A Galeria Homero Massena, com gestão da Secretaria de Cultura do Estado, inaugurada em 1977, homenageia e, de alguma maneira, fortalece o elo entre a história e a continuidade da arte contemporânea a partir daqui.
ARTE!✱ – Quando você assume a direção do MAES? E como tem percebido sua atuação?
Em fevereiro de 2022, assumi a Direção do Museu de Arte do Espírito Santo, o MAES. O Museu estava fechado há alguns anos, por conta de um processo de reforma que reestruturou fisicamente os espaços internos, tanto administrativos quanto o espaço expositivo. Esse processo ocorreu entre 2016 e 2019; em 2020, o Museu foi reinaugurado em meio à pandemia (na primeira brecha de circulação de pessoas e reabertura dos espaços), com a exposição VIX – Estórias Capixabas, articulando dois artistas do acervo, Dionísio Del Santo e Elpídio Malaquias, com artistas contemporâneos capixabas e de fora do estado.
A pandemia foi um momento muito frágil para os espaços. E em 2022, quando assumi a Direção, a instabilidade provocada pela pandemia contribuía para o afastamento do público do Museu, e ainda não haviam sido ativadas todas as suas potências em sua nova configuração pós-reforma. O desafio que tomei pessoalmente foi – e tem sido – movimentar o MAES e expandir suas atividades com a cena cultural local, além de articular com outras instituições de representação nacional.
O MAES completa 27 anos em dezembro de 2025. Sua missão inicial de ser o grande museu do Estado foi desenhada entre os anos de 1980 e 1990 pelo crítico e curador – também capixaba de Cachoeiro de Itapemirim – Paulo Herkenhoff, em parceria com a gestão do Departamento Estadual de Cultura (DEC) na época. A reivindicação transformou o MAES em um equipamento de interlocução com grandes exposições “de bilheteria” que circulavam nacionalmente pelas capitais do país – exposições que vinham formatadas para ocupar os espaços expositivos aqui do Museu.
Com o passar do tempo, o Museu se desvinculou desses pacotes de exposições e, principalmente a partir de sua entrada como uma linha de fomento para compor a agenda, pelos Editais do Funcultura, em 2016, estreitou de forma significativa suas atividades e pensamentos com a nova produção artística local. Essa virada é o fôlego que estamos articulando agora com a minha gestão. São três exposições selecionadas pelo Edital, porém outras frentes foram demarcadas a partir de 2022, como a abertura de uma sala de exibição permanente do acervo e a ativação da biblioteca, além de parcerias institucionais, tanto com agentes do Espírito Santo quanto de outros Estados e importâncias no cenário da arte contemporânea nacional e internacional.
O programa Acervo em Diálogo, da sala de exibição permanente, aproxima recortes curatoriais a partir das nossas coleções com outros acervos e artistas, como já aconteceu com o Arquivo Público do Estado, a Galeria de Arte Espaço Universitário – UFES e até mesmo com o Grupo de Experimentação Sonora da UFES. Expor o acervo de forma sistemática me parece ser uma oportunidade não só de rever, como também de atualizar o pensamento e as perspectivas do nosso acervo e do próprio Museu.
Entre as parcerias interinstitucionais, podemos destacar a exposição inédita da Associação Cultural Videobrasil, em 2022, REVIRAVOLTA, que aconteceu no MAES e na Galeria Homero Massena simultaneamente. Também tivemos a retrospectiva do artista expoente da videoarte Éder Santos, em 2023, além da itinerância da 35ª Bienal de São Paulo, Coreografias do Impossível, também com extensão até o Palácio Anchieta, em 2024, e a exposição Favela é Giro, do Museu das Favelas, em 2024. Todas elas reforçam o papel institucional do Museu em âmbito nacional – não apenas recebemos as exposições, como também pensamos e produzimos junto, acionando a cena e os profissionais da área no Espírito Santo. Inclusive, podemos destacar o papel do MAES na articulação do VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros, pela primeira vez fora do Estado de São Paulo.
Além disso, quanto ao acervo, nosso olhar e revisitas às coleções também nos impulsionaram em novas incorporações durante esses três anos: pelo menos 30 novos trabalhos e artistas entraram em nosso acervo. Recentemente, lançamos um programa de aquisição que vinha sendo desenhado desde 2022 com a minha entrada: o Edital Diálogo com Acervo faz o exercício de olhar para dentro e propor conexões com a arte contemporânea nacional. Nesta primeira edição, a proposta curatorial se volta para uma artista do nosso acervo, Nice Avanza. E, dessa forma, é 100% direcionado a artistas negros, negras e indígenas – uma inserção direta de dez artistas, que se mostra fundamental na história do MAES e na tentativa de reparação e pluralidade para o acervo. O acervo está sendo composto desde a inauguração do Museu, hoje com mais de 600 obras, e tem cinco principais coleções: Dionísio Del Santo, Nice Avanza, Elpídio Malaquias, Raphael Samú e Maurício Salgueiro. Outros artistas e obras orbitam e compõem o acervo como um todo.
Podemos também destacar uma outra ativação que temos provocado dentro do Museu, com a cena musical. A programação MAES TONS aproxima a produção de artes visuais com a produção musical, e também aproxima e cria interlocuções entre os públicos. Já tivemos três edições com contribuições curatoriais da Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES) e dos Centros de Referência das Juventudes (CRJs).
ARTE!✱ – Conte-nos um pouco da trajetória do MAES…
O MAES foi inaugurado em 1998 com uma exposição dedicada à trajetória e à produção de Dionísio Del Santo, reconhecido como um dos nomes fundamentais do modernismo brasileiro. Dionísio era um artista minucioso nas técnicas gráficas, além de dedicado à pintura, investindo em uma precisão geométrica em suas composições. Nascido em Colatina, aqui no Espírito Santo, viveu e produziu no Rio de Janeiro, mas sempre foi identificado como um artista capixaba.
Inclusive, tem um detalhe curioso e muito interessante: foi ele quem auxiliou na gravação em silk das garrafas de Coca-Cola no projeto Inserções em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles. Apesar de trabalhar com linguagens tradicionais, Dionísio também contribuiu para um momento histórico da arte experimental. Considerado por muitos um artista concretista, Dionísio, no entanto, não se via assim.
Acredito que seja muito simbólico que a exposição de Dionísio tenha marcado o início do Museu, fruto de uma longa negociação e trocas com a Secretaria de Cultura, como podemos ver em alguns documentos e manuscritos nos arquivos do MAES. Dionísio faleceu logo após a abertura da exposição e nem chegou a participar do evento de inauguração. A partir desse momento, o MAES passou a se chamar Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo, em sua homenagem. Foi também o início do nosso acervo, com a incorporação de trabalhos após a exposição. Costumamos dizer que o acervo do MAES começa com Dionísio.
ARTE!✱ – Hoje, quem são os artistas do Estado a serem expostos no MAES?
Em todos esses anos de exercício, o MAES já produziu cerca de 120 exposições. Só na nossa gestão, a partir de 2022, foram mais de 20 mostras. Quando consideramos esse histórico ao longo do tempo, vemos que artistas importantes do circuito capixaba passaram por aqui: como já dito, Dionísio Del Santo (1998), a exposição retrospectiva da Nice Avanza em 2000 (que merece um parêntese – desde 2019 tenho me dedicado a revisitar e repropor discursivamente o trabalho da Nice, e faremos essa exposição 25 anos depois da última ocorrida no Museu).
Também podemos destacar Meditações Extravagantes (2012), do artista capixaba Nenna, hoje radicado em Paris. Essa exposição, por exemplo, ocupou desde a calçada do Museu até toda a área expositiva e se estendeu até a Galeria Homero Massena – estratégia que temos repetido com recorrência.
Com a entrada do MAES nas linhas de fomento do Edital de Artes Visuais do Funcultura, o Museu passou a acompanhar mais de perto a produção artística contemporânea local, já que os editais são destinados a proponentes residentes no Estado. Os projetos são selecionados prevendo arranjos expográficos adaptados ao novo espaço após a reforma: amplo, iluminado por luz natural, com janelas que permitem negociações com a paisagem urbana em torno do prédio (prédio este que, agora em 2025, completa 100 anos).
Os projetos recebem recursos do Fundo de Cultura do Estado (Funcultura), hoje com um repasse de R$ 150 mil – o dobro do executado no início da gestão, em 2019. Esse aumento acompanha a inflação e os valores de serviços no mercado, mas também reflete a reivindicação de profissionais da classe artística e nossa atenção no acompanhamento do desenvolvimento de cada exposição.
Nossa expectativa com as três exposições anuais selecionadas é que o Museu amplie sua conexão com a nova produção artística, assim como seja palco para o desenvolvimento de pesquisas de artistas com maior tempo de carreira e reflexões sobre seus percursos. Atualmente, as diferentes gerações da produção artística do Espírito Santo têm se encontrado no MAES.
Importante lembrar que, entre os editais da Secult, o de ocupação dos espaços (MAES e GHM) foi um dos primeiros a ter reserva de vagas destinadas às pessoas negras e indígenas, em 2021 – o que reflete diretamente na produção, nas exposições e no nosso público.
ARTE!✱ – Então, nesse sentido, com foco nas exposições de artistas do Estado, você conseguiria elencar algumas delas?
Desde 2022 até hoje, foram sete exposições projetadas especialmente para o MAES e selecionadas por meio do Edital. Até o fim de 2026, teremos mais sete. De modo geral, as exposições têm explorado as trajetórias dos artistas, refletindo sobre seus processos e pesquisas, a partir de uma elaboração espacial dos trabalhos em novas perspectivas.
Em 2023, tivemos ANTICORPOS, de Luciano Feijão e Juliana Pessoa – dois artistas do desenho que desenvolvem reestruturações sobre a representação dos corpos, considerando entendimentos de gênero e racialidade. Também em 2023, a exposição Sete Caminhos, de Rafael Segatto, em parceria com Welington Santos e Renan Bono, articulou uma relação expandida entre o MAES e o Quintal Bantu – espaço de aquilombamento, resistência e encontros artísticos no alto da Fonte Grande (região no entorno do Museu). A mostra contou com trabalhos instalativos manejando elementos da paisagem marinha, pinturas, trabalhos sonoros e a provocação de andar pelo centro da cidade, traçando sete caminhos e despertando outras percepções.
No mesmo ano, Descarrilho reuniu nove artistas (Alessa Felix & Jessica Sampaio, Filipe Borba, Jaíne Muniz, Jessica Maria, Maria Menezes, Thiago Sobreiro e Yurie Yaginuma), sob curadoria de Clara Pignaton, em residência artística pela estrada ferroviária Vitória–Minas, reelaborando narrativas sobre a exploração de minério e o trânsito entre os dois Estados.
Seguindo essa linha do tempo, destacamos também FIAR, de Rick Rodrigues (2023); O Inquilino, de Júlio Tigre (2024); A Persistência da Palavra, de Fernando Augusto (2024); e Pele Abissal, de Marcos Martins (2025).
ARTE!✱ – Hoje você tem atuado e circulado em diversas frentes na arte; como entende essas relações?
O percurso que tenho traçado nas artes atravessa meu fazer como artista, gestor e curador. Todas essas atuações acontecem em paralelo, mas com interseções. Em quase vinte anos de carreira, meu trabalho artístico tem sido a base e o meio pelo qual chego a outros espaços. Ser o “artista-tudo”, em uma expansão do “artista-etc.”, cunhado por Ricardo Basbaum, tem me feito compreender o exercício do fazer artístico para além da concepção de uma obra, mas como um conjunto de ações múltiplas.
Em 2023, organizei uma exposição em comemoração aos 15 anos da minha produção: POR UMA CRISE DA IMAGEM, que aconteceu na Galeria de Arte Espaço Universitário (GAEU), na UFES. A mostra apresentava quatro trabalhos desenvolvidos entre 2017 e 2023 e refletia sobre a relação entre imagem, cultura e identidade, elaborando as formas pelas quais a imagem influencia a construção de imaginários sociais e como pode sustentar ou se opor às estruturas de poder.
Desde 2015, me debruço sobre um projeto permanente chamado Oretratista. Em 2024, lancei o livro fotográfico e o filme LARGO, resultados da ação que empreendi na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória, com um estúdio fotográfico montado, aberto a quem quisesse ser retratado.
Recentemente, participo de uma exposição coletiva de larga escala, Afro-brasilidade (2025), no espaço de arte da Fundação Getúlio Vargas (FGV Arte, Rio de Janeiro), com curadoria de Paulo Herkenhoff e João Victor Guimarães. A exposição propõe abarcar e relacionar a produção histórica da arte afro-brasileira.
Já entre as ações de curadoria, tanto pelas que tenho exercido dentro da gestão da Secretaria de Cultura – como as propostas na Galeria Homero Massena e, atualmente, no MAES – quanto por outras oportunidades, também se expandiram. Destaco, por exemplo, ter sido responsável pela proposta curatorial e implementação do parque de esculturas no Parque Cultural Casa do Governador (2021–2023), em Vila Velha, sob gestão compartilhada da Secult e da Secretaria de Governo do Espírito Santo.
Por essas iniciativas curatoriais, também posso apontar a participação na curadoria das Novas Aquisições para o Acervo do Banco do Nordeste (2023), atualmente em itinerância com a exposição Nordeste Expandido, que tem circulado por todas as capitais da região e chegará a Vitória em 2026.
Ainda, a curadoria da exposição Transitar o Tempo (2024-2025), com curadoria adjunta de Clara Pignaton, a convite do Museu Vale. Esta mostra reúne trinta artistas capixabas de diversas gerações, com atenção aos saberes e fazeres tradicionais, a artistas que não estão necessariamente inseridos no sistema da arte e a artistas de outras linguagens, como música e dança. É uma exposição que recupera a atenção sobre nós mesmos e, sobretudo, sobre histórias que não estão contadas.
Por fim, também ressalto a oportunidade de contribuir com o VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros – Narrativas Contra-Hegemônicas, pela primeira vez realizado fora de São Paulo, aqui em Vitória.
Digo tudo isso para organizar meu entendimento sobre estar em trânsito, de certa forma, entre os diferentes lugares da arte, e que permitem exercitar constantemente a criação e o pensamento.