León Ferrari. Sem título (1976). Foto: Divulgação.
León Ferrari. Sem título (1976). Foto: Divulgação.

A Galeria Nara Roesler comemora o centenário do artista argentino León Ferrari (1920-2013) com a exposição virtual León Ferrari em São Paulo, com curadoria de Luis Peréz-Oramas. A mostra acontece a partir desta quinta-feira, 4 de junho, no site da galeria e no Artsy. Foi também a Galeria Nara Roesler que fez, em 2013, a primeira mostra individual de envergadura após a morte do artista naquele ano, à época com curadoria de Lisette Lagnado e uma seleção de obras que abrangia o período entre 1962 e 2009.

Imagem ilustrativa da visitação virtual da Galeria Nara Roesler. Foto: Divulgação.
Imagem ilustrativa da visitação virtual da Galeria Nara Roesler. Foto: Divulgação.

Desta vez, a metrópole paulistana é ressaltada como elemento participante do trabalho de Ferrari, devido ao seu exílio em São Paulo de 1976 a 1991. O artista veio ao Brasil para proteger sua família da hostilidade criada em seu país natal pela ditadura iniciada em 1976 e findada em 1983, quando a última junta militar convocou eleições em outubro, resultando na eleição de Raúl Afonsín, da União Cívica Radical.

Nos primeiros anos do seu estabelecimento em São Paulo – ainda marcado pela prisão ilegal e assassinato de seu filho Ariel pelas forças militares argentinas – Ferrari revisita sua prática do desenho abstrato, dominada por ele no início dos anos 1960. Desta vez, o artista apresenta um traçado gestual completamente novo, uma tipologia abstrata que lembrava línguas de fogo, metáforas para o inferno, cuja noção judaico-cristã seria abolida por Ferrari mais tarde em sua vida.

León Ferrari. Juízo Final (1985). Foto: Divulgação.
León Ferrari. Detalhe da obra Juízo Final (1985). Foto: Divulgação.

Para Pérez-Oramas: “As crenças ou descrenças de Ferrari passaram a incluir uma visão de textos sagrados judaico-cristãos como perversos chamados à exclusão, à tortura e ao crime”. Através da apropriação de imagens de guerras, da história e da história da arte, Ferrari utiliza a colagem para sua releitura da Bíblia e, mais especificamente, do inferno. A exemplo disso está o Juizo Final de Michelangelo, que foi submetido à defecação por pássaros em uma das suas grandes composições performáticas.

Apesar da crítica sarcástica ao poder e a religião ter marcado parte de sua obra, percebe-se logo que a chave do “ativismo” é redutora para explicar sua produção. A exemplo disso, a Galeria Nara Roesler traz na nova exposição trabalhos de Ferrari que comunicam o absurdo da vida comum, a alienação das multidões e a influência da cidade avassaladora que é São Paulo. As obras da série Arquitetura da Loucura manifestam-se em desenhos, gravuras, zianótipos, xeroxes etc.

Da esquerda para a direita: "Maquete para homem" (1962); Sem título (1978); "Amores de um prisma" (1977). Foto: Divulgação.
Da esquerda para a direita: “Maquete para homem” (1962); Sem título (1978); “Amores de um prisma” (1977). Foto: Divulgação.

Sua prática escultórica também não fica de fora da exposição. Inclusive porque o ápice desta produção ocorreu enquanto Ferrari residia na capital paulistana. Utilizando arame de metal emaranhado, estruturas prismáticas semelhantes a gaiolas e volumes modulares similares a jaulas, parte de seus trabalhos feitos a partir deste meio tem escala monumental e são destinadas a eventos participativos, performáticos e sonoros.

Outras celebrações do centenário

Enquanto algumas exposições arquitetadas para comemorar o centenário de Ferrari puderam ser adaptadas para o ambiente virtual, duas retrospectivas em maior escala tiveram sua abertura física postergada. Uma na sua cidade natal, Buenos Aires, e outra na Espanha, em Madri.

Na Argentina, uma exposição antológica com objetos emblemáticos, desenhos, vídeos, esculturas e cerâmicas do artista tomará conta do Pavilhão de Exposições Temporárias do Museo de Bellas Artes. A mostra, sob curadoria de Andrés Duprat, diretor do Bellas Artes, e da historiadora Cecilia Rabossi, prevista para abrir no dia 13 de abril, foi cancelada e aguarda data de abertura. A exposição percorre todo o trajeto em vida do artista, reunindo obras pertencentes ao próprio museu, coleções privadas e públicas e trabalhos concedidos pela Fundación Augusto y León Ferrari Arte y Acervo, dirigida pela arquiteta Anna Ferrari e Julieta Zamorano netas de León. 

Para Duprat, a retrospectiva é uma forma de justiça poética para reparar uma omissão do museu à obra de Ferrari. Como Leonor Amarante escreveu para a arte!brasileiros: “Ferrari não é unanimidade. Ele e sua obra já bateram e apanharam muito, o que fez dele um corajoso testemunho da destruição da substância das relações humanas. Ao longo de 60 anos de arte, viveu no contrafluxo do sistema, sendo empurrado aos infernos para emergir ainda mais forte”. A exemplo disso está sua premiação, em 2007, com o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, vinda pouco depois de um embate com a igreja católica que levou à retaliação de sua mostra no Centro Cultural Recoleta, organizada por Andrea Giunta. 

A exposição de suas obras no MNBA será precedida por uma seleção de fotografias e pinturas de Augusto César Ferrari, pai do artista, e continuada com a exibição do documentário Civilization, de Rubén Guzmán. Algo inédito serão os cadernos de León Ferrari, que não haviam sido expostos antes no Recoleta. Ao jornal argentino La Nación, Duprat comentou que Ferrari, nesse sentido, era como Leonardo: “Ele escreveu tudo. Eles são incríveis e mostram a gênese de suas investigações”. 

Como parte da homenagem, no Reina Sofía*, a mostra La Bondadosa Crueldad contará com uma importante doação da família do artista – cerca de 15 obras – e a exibição de trabalhos inéditos na Europa. Seu início, que estava marcado originalmente para o dia 28 de julho, ainda está em discussão. O museu destaca que não é possível ainda arriscar datas, dada a situação instável da pandemia em Europa. 

*Museo Reina Sofía e a pandemia

O museu madrilenho entrou, ainda em abril, em contato com credores e instituições, estudando possibilidades de novas datas para empréstimos. O museu destaca o caráter provisório das medidas tomadas no momento, visto que as ações da instituição dependem não somente da situação na Espanha como da Europa inteira e além, já que algumas das obras vêm de diferentes países. Tanto que obras pertencentes ao Reina Sofía e que estão fora do museu permanecerão, pelo tempo necessário, nas instituições em que estão localizadas independente do término das exposições.

Fachada do Museo Reina Sofía. Foto: Divulgação
Fachada do Museo Reina Sofía. Foto: Divulgação

Em abril, Manuel Borja-Villel, diretor do Reina Sofía, publicou uma carta no site Artnet abordando os desafios trazidos ao mundo da arte pela pandemia e a necessidade de pensar no porvir. O diretor destacou a importância do programa de assistência do governo espanhol para a manutenção da equipe do Reina Sofía, e que o museu está trabalhando neste momento para tornar uma maior quantidade de material disponível gratuitamente, já que a instituição já havia comprado os direitos para tal. 

Manuel Borja-Villel, diretor do Museo Reina Sofía. Foto: Europa Press News/ Getty Images.
Manuel Borja-Villel, diretor do Museo Reina Sofía. Foto: Europa Press News/ Getty Images.

Caminhando para o fim da sua declaração o diretor reforça a necessidade de não deixarmos os espaços públicos desaparecerem; “há um elemento de alegria, de aprendizado e de democracia em estar junto com outras pessoas”.

 


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