©Luiz Alves

Entre agosto de 2025 e março de 2026, uma infinidade de iniciativas foram e serão oferecidas pela Temporada França-Brasil 2025, organizada pelos governos de ambos países, os Ministérios da Cultura, o Institut Français e o Instituto Guimarães Rosa (Itamaraty) . Estiveram presentes em vários dos eventos, a Ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes e os Presidentes da França Emmanuel Macron e do Brasil Luiz Inácio Lula da Sllva, assim como um sem fim de brasileiros de diferentes regiões do Brasil, trazendo a experiência de jovens brasileiros, franceses, africanos, martinicanos e guianeses, da Guiana Francesa, organizados em grupos de debate, mesas redondas, seminários, exposições, eventos de música e teatro vindos de suas respectivas regiões geográficas e culturais.

Organizado por grupos governamentais e não governamentais, o encontro entre jovens e público brasileiro sentou a base, sem lugar a dúvida, de um relacionamento multicultural de excelência.

Várias exposições foram abertas em diferentes estados brasileiros. Em São Paulo uma parceria com o SESC Pompéia, permitiu a abertura da temporada com a mostra O Poder das Minhas Mãos, em cartaz até 18 de janeiro, com a curadoria de Odile Burluraux, Suzana Sousa e Aline Albuquerque. A obra foi idealizada no Museu de Arte Moderna de Paris em 2021, no contexto da Temporada África2020, coordenada por Odile e Suzana e aqui no Brasil se soma Aline Albuquerque. A exposição compreende um panorama do cotidiano, visualizado por mulheres e vivências por vezes invisibilizadas. Com a participação de artistas brasileiras, africanas e francesas, O Poder das Minhas Mãos expressa uma mistura de tradição, política, espiritualidade, condições de vida e espiritualidade. Em três áreas, Histórias Pessoais, Histórias e Ficções e O Privado e o Político, as obras refletem histórias pessoais que se tornam coletivas e universais. Há mais de dez anos, a história contemporânea atravessa uma crise de identidade que, nas palavras de Odile Burluraux, “sofre ainda por não ter se empenhado o suficiente em um questionamento compatível com os estudos pós-coloniais e decoloniais”.

Ainda em São Paulo, uma presença mais que significativa da temporada, ocorreu em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, onde ao longo de mais de 7 meses os brasileiros conseguiram acompanhar a exposição e o seminário A terra, o fogo, a água e os ventos _ Por um Museu da Errância com Édouard Glissant. Num esforço internacional em parceria com o Institut du Tout-Monde (ITM), fundado em 2006, o Édouard Glissant Art Fund; o Memorial ACTEe e o Center for Art, Research and Alliances (CARA) a mostra tráz um “museu em movimento: não fundado na fixação de uma origem, mas nas relações entre histórias, geografias e linguagens que se tocam e transformam”. O Instituto é um lugar de trocas, onde as pessoas se acompanham mutuamente. Uma plataforma de ações que davam expressão concreta a alteridade. Segundo Glissant: “mudar, mudando com o outro, sem me perder, entretanto, nem me desnaturar”. Além da coleção formaram parte da exposição, os escritos de Glissant, como o Caderno de uma viagem pelo Nilo, de 1988, nos arquivos da Bibliotèque Nationale de France, editado pelos curadores brasileiros e traduzido por Sebastião Nascimento.

A exposição no Brasil marca um momento importante na trajetória do ITM, com a presença de Sylvie Séma Glissant, diretora do Institut, com uma variadíssima coleção de obras que segundo ela, encarna o sonho de Glissant, de um ‘‘arquipélago artístico: um espaço entre vozes e territórios e imaginários que se encontram e se transformam por meio da Relação.
Artistas das Américas, do Caribe e do Brasil, da França, da África e da Ásia. Dois artistas brasileiros, Zé di Cabeça do Acervo da Laje e Rayana Rayo, que realizaram residências em Curitiba e na Martinica também estão presentes. Aproximações inéditas e dignas de um museu em movimento.

Como parte da programação foi organizado um Seminário de vários dias, A terra, o fogo, a água e os ventos, pelos curadores Ana Roman e Paulo Miyada junto a Sylvie Sema Glissant que reuniu vários especialistas no discurso do pensador martinicano. Estiveram para homenagear o poeta da diversidade, vários colegas da vida, como, Patrick Chamoiseau, Manthia Diawara, Nadia Yala Kisukidi e Anne Lafont entre outros. Durante o Seminário em parceria com a editora Bazar do Tempo, foi apresentado o livro “O Discurso Antilhano”, obra chave do pensamento pós-colonial de Édouard Glissant.

Para a professora e tradutora Ligia Fonseca Ferreira, participante do seminário, “a chegada de O Discurso Antilhano, obra fundamental do martinicano Édouard Glissant, 45 anos após sua publicação, é um marco. Glissant é um dos principais pensadores contemporâneos de língua francesa. Nesta obra densa e poética, ele esmiúça a identidade fraturada de um lugar nascido da deportação e escravização africana, buscando o “discurso primordial”. É nela que encontramos os conceitos-chave de sua ética e estética: a Crioulização, a Relação, a Opacidade e o Diverso. Como será a recepção do livro entre nós? Só sei que a leitura será desafiadora, vai nos obrigar a nadar em correntes conceituais muito novas no Brasil. Será um diálogo fértil, mas não sem fricções”. A professora comentou ainda, “A longa amizade entre Édouard Glissant e Diva Damato (1931-2019), pioneira nos estudos sobre Glissant e literatura antilhana no Brasil. Ela foi uma das primeiras interlocutoras do escritor e autora de Édouard Glissant: poética e política, de 1996. A convite de Glissant, ela foi a primeira brasileira a integrar o júri do Prêmio Carbet do Caribe, criado em 1990 e importante ponte entre Brasil e uma “França negra, deste lado das Américas”.
A Temporada França-Brasil, que montou centros de exibição em diversas cidades brasileiras, teve momentos importantíssimos em Salvador, no estado da Bahia, onde se apresentaram várias exposições e na primeira semana de novembro aconteceu o Fórum do Festival Nosso Futuro, onde jovens de diferentes estados brasileiros, jovens franceses vindo também da Guiana Francesa e do Benim, na África, debateram em grupos de pesquisa “Memórias comuns: cultura, patrimônio e territorialidade”, “O que nossas cidades tem em comum?”, “Presentes e futuros em partilha e em disputa (assim como já foi debatido no Seminário, Urbanismo na Bahia, organizado pelo Lugar Comum, Grupo de Pesquisa em Urbanismo e Direito à Cidade da FAUFBA).

Falamos com Lylly Houngnihin, nascida no Benin, África, uma das três curadoras do Festival, sobre sua participação na organização do evento:

Lylly – Sou do Benin, sou curadora de arte e minha especialidade é a estética Vodum que se caracteriza por uma abordagem sensorial de várias facetas envolvendo o paladar, o tato e as percepções extrassensoriais. Eu, uma jovem africana, comecei a fazer “perguntas” sobre a diplomacia com a França, um país que nos colonizou, o Benim, na África Ocidental. E então o presidente Macron, que também está aqui conosco, que fez a abertura ontem à noite, convidou jovens de todo o continente africano para ir em frente com ele e debatermos todas estas questões. Foi em 2021, em Montpellier, no encontro África-França para compartilhar como podemos transformar essa relação e dar mais espaço para essa sociedade civil. Fizemos encontros na África do Sul, na Tunísia, fizemos em Camarões, na Costa do Marfim.

No ano passado, em 2024, em junho, convidamos jovens de Salvador da Bahia, de Cotonu, maior cidade do Benin, para conversar sobre a língua francesa. A partir da conexão com a cidade de Salvador, eu estive aqui o ano passado com uma equipe, decidimos que deveríamos fazer o encontro em Salvador e em novembro, no mês da Consciência Negra. E debater como podemos construir uma agenda com negros e negras em diálogo comum com colegas da Europa, da França e de todo mundo para curar nosso futuro.
Então, há um ano temos trabalhado, somos três co-curadoras, três mulheres: eu, do Benim, África; minha colega, Zara Fournier, geógrafa, ela é da França e trabalha no Institut Français de Paris; e Glória Santos, que é professora na UFBA. De dezembro de 2024 até agora, temos trabalhado em cada seção deste fórum para ver quais são os temas que poderíamos destacar a fim de, a partir de agora, em Salvador, construir uma agenda comum sobre a memória da escravidão e da colonização ao longo do Atlântico Negro.”
Falamos com Glória Santos, uma das responsáveis pelo evento, professora da Universidade Federal da Bahia, da Faculdade de Arquitetura, urbanista de formação.

Glória Santos – Ensino e pesquiso planejamento urbano e regional. Então, através de um edital, assumi como curadora do Fórum Nosso Futuro. Eu acredito que a cultura afro brasileira está no cerne da nossa formação social. Acredito que este encontro permite a possibilidade do debate, de trocas e experiências, de estratégias e iniciativas frente as questões das crises contemporâneas, as emergências climáticas, econômicas, crises globais que falam que a produção do conhecimento está ultrapassada, e a gente precisa se abrir para outras possibilidades. Nossa aposta então, foi ver as iniciativas que já estão sendo construídas na sociedade civil e colocar elas em debate neste Fórum. Iniciativas muitas vezes fragmentadas, então nossa aposta é propiciar que elas se conectem numa escala transatlântica e diaspórica. Por exemplo se pensamos a questão da moradia no Brasil e a questão da infraestrutura dos espaços coletivos, vemos as dificuldades da população racializada no Brasil, que não está protegida em termos fundiários porque não tem a formalização da posse, o que está ligado a como aconteceu nossa abolição, onde os escravizados se tornaram livres sem ter garantias das suas terras ou inserções no trabalho, e isto valeu também para as populações indígenas. Em contrapartida muitos imigrantes europeus tiveram essa posse o que criou uma enorme clivagem. Então temos que enfrentar questões do passado que ainda estão aqui. Mas podemos fazer coisas frente a isso. Em encontros como este podemos fortalecer as experiências e criar conexões que tenham capacidade de incidência cultural real e prática. As oficinas de debate são fundamentais para isso. “

Uma presença importante no Festival Nosso Futuro foi o da ensaísta, dramaturga e professora, doutora em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leda Maria Martins que marcou a importância do encontro de três continentes. Nas suas palavras “este tipo de iniciativas se contrapõe ao extrativismos do capital. O de como construir democracias que não construam carências. Como garantir a respiração do planeta.” Leda citou o pensador Ailton Krenak e David Kopenahue, que afirma” eu não digo eu a descobri, ela (a terra) existe desde sempre, ela sempre esteve aí.” Para Leda estas são as questões que tem que nortear os jovens a partir destes debates.
Ela propôs repensar o modo de habitar a terra, “não como um adendo do braço colonial, continuidade de desumanização e sim voltar para ecologia do meio ambiente, pesquisar a reparação.”

Participaram das mesas e dos debates mais de oitenta pesquisadores, de universidades, museus e organizações de cultura e tecnologia. Escritoras e pensadores dentre outros: Malcolm Ferdinand, pesquisador do CNRS, o Centre National de la Recherche Scientifique, um dos maiores centros de pesquisa da França, Djamila Delannon, co-curadora do projeto Regarde créole do Festival WOW, o Festival Mulheres do Mundo, Christiane Taubira, David Fontcuberta-Rubio, da Universidade das Antilhas, Karina Tavares fundadora da Cufa France, a filial francesa da Central Única das Favelas.
Este Festival colocou a Bahia e o Brasil no centro de grandes debates sobre o futuro das cidades e suas comunidades.

Em paralelo duas grandes exposições acompanhavam os debates. No MUNCAB, Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira a mostra Memória, Relatos de uma outra História, com curadoria de Nadine Hounkpatin e Jamile Coelho.

A exposição O Avesso do Tempo de Roméo Mivekannin no Museu de Arte Moderna (MAM) de Salvador, trouxe a força do pintor Beninense que revisita a tradição da pintura histórica e a reinscreve a partir das narrativas negras e de gênero. A exposição convida a repensar o passado e o futuro em outros corpos. Roméo insere seu autorretrato na sua releitura de obras-primas, como uma figura negra esquecida. Num gesto de homenagem às pinturas originais e intrusão.

MixBrasil

A Conferência Stop Homophobie marcou presença no 33º MixBrasil

Ainda em São Paulo, do dia 12 a 23 de novembro, a Temporada França-Brasil 2025, se somou ao festival MixBrasil de Cultura da Diversidade incorporando sua força e participação em quatro projetos inéditos que aproximaram arte, ativismo e escuta sensível.
O Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade é um dos maiores e mais antigos eventos celebrando a pluralidade e a potência da comunidade LGBTQIA+ da América Latina. Criado em 1993, nesta sua edição apresentou 142 filmes de 33 países, espetáculos, literatura, exposições e exposições imersivas em XR, realidade estendida.

O Long Play, uma criação do coreógrafo francês e artista Alexandre Roccoli, em parceria com o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e o MixBrasil. O projeto propõe práticas corporais e somáticas para tratar a sobrevivência física e psíquica, como um ato de resistência.

” A Conferência Stop Homophobie marcou presença no 33º MixBrasil, dentro da Temporada França–Brasil 2025, reunindo vozes que atravessam ativismo, pesquisa e políticas públicas para repensar os rumos das lutas LGBT+ no presente e encerrou sua programação com uma conversa essencial sobre como organizações, lideranças comunitárias e instituições públicas constroem respostas duradouras à LGBTfobia.
Na Biblioteca Mário de Andrade, a mesa Associações e instituições: como lutar de forma duradoura contra as LGBTfobias, reuniu trajetórias que unem cuidado, política e mobilização em várias frentes.
Participaram Sabine Chyl e Brice Armien-Boudre, co-presidentes do Kap Caraïbe; Terrence Khatchadourian, secretário-geral da Stop Homophobie; Mickaël Bucheron, policial francês e primeiro oficial de ligação LGBT+ do país e cofundador da FLAG!; Léo Áquilla, jornalista, política e coordenadora das políticas LGBT+ da Prefeitura de São Paulo; e Cláudia Garcia, ativista histórica do movimento negro, feminista e LGBT+, ex-presidenta e atual vice-presidenta da APOLGBT-SP.
Uma mesa que lembrou a força que existe quando a luta nasce do compromisso constante e coletivo.”
Fonte: @festivalmixbrasil

“Desde 2020, Raya Martigny e Édouard Richard documentam a juventude LGBT+ da Ilha da Reunião, território francês na África Oriental, para criar uma série de retratos e um curta-metragem enraizados no território. Através de imagens de autoafirmação e acolhimento, o casal de artistas une as vivências “kwir” e crioula e aborda a construção das identidades LGBT+ diante das heranças coloniais.
Kwir Nou Éxist foi apresentada pela primeira vez em Paris, nos Jardins do Louvre, em julho deste ano, no âmbito do festival Paris l’Été. A exposição ganhou uma edição pensada especialmente para o Festival Mix Brasil.” Fonte: mixbrasil.org.br

O Kwir Nou Éxist, apresentado pela primeira vez este ano em Paris nos jardins do Louvre, uma criação multimídia , com vídeos e arquivos que revelam a potência e o engajamento da comunidade LGBTQIA+ local.

“Kancícà é uma experiência imersiva em domo 360° criada por Laeïla Adjovi e Joséphine Derobe com trilha sonora original de Tiganá Santana. Ao lado, a obra reconstrói, em linguagem poética e sensorial, a jornada mítica de Dotou, jovem cartógrafa e sacerdotisa vodun que atravessa o Atlântico em busca da rainha banida Na Agontimé, figura histórica do reino do Danxomè (atual Benin) deportada ao Brasil no século XVIII. Fonte: mixbrasil.org.br

A Conferência Stop Homophobie, um debate urgente contra a violência de gêneros e em defesa de direitos civis, reunindo vozes do Brasil e da França.
O Kancícà, foi uma experiência dentro de um domo, um mergulho na espiritualidade de matriz africana, conectando ancestralidade, arte e tecnologia.

Como sempre uma personalidade é homenageada. Nesta edição foi escolhida a artista Marisa Orth para o Prêmio ícone Mix2025 parceira histórica do MIXBrasil e apresentadora do icónico Show do Gongo, desde 1999, celebrando uma trajetória que une humor, inteligência e coragem.

A programação se espalhou por vários espaços culturais como CineSesc, CCSP, MIS, IMS Paulista, Teatro Sérgio Cardoso e Museu da Diversidade Sexual, como parte das atividades transmitidas online também. Um festival aberto à todo público onde a maioria dos eventos foram gratuitos ou custaram em média R$20.


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