Foto de Genilson Guajajara que esteve na mostra do primeiro ciclo de ações do PREAMAR
Foto de Genilson Guajajara. Crédito: Divulgação

O vai e vem das marés faz parte do cotidiano de São Luís do Maranhão. Os ventos fortes e a abundância das águas são seguidos da retração do mar, permitindo que diferentes paisagens se mostrem em um só dia. A variação das marés maranhense é uma das maiores do mundo e se apresenta como símbolo de uma multiplicidade de cenários, fluxos, produções e dinâmicas espirituais que envolvem o estado. “Então o que é essa abundância? O que é essa potência, essa força desse lugar com tantas diversidades?”, provoca Samantha Moreira, uma das organizadoras do PREAMAR, novo projeto artístico da região. 

São essas algumas das questões que desaguam na iniciativa, que busca fomentar e dar foco à produção de artes visuais do estado nordestino a partir de uma articulação em rede. “É nesse mesmo sentido de força, continuidade e transformação, tão próprio das marés, que encontramos um elo para traduzir a longa e constante trajetória da produção maranhense. Um território potente, caracterizado pela riqueza das singularidades que se espraia, invade, transborda e torna-se global”, definem os articuladores. Mesmo a escolha da palavra que dá título ao projeto remete a esse movimento natural: preamar é sinônimo de ‘maré alta’. É na força dessa imagem que a iniciativa se constrói. 

Imersão coletiva

O início, em abril deste ano, se deu a partir de uma parceria entre quatro frentes: “o Chão SLZ, enquanto esse polo que sempre abria laboratórios [artísticos], experimentações e processos de formação; a Casa do Sereio, que é um espaço de residências em Alcântara (MA); a Lima Galeria, que é uma galeria privada, mas que tem um processo e um caráter muito experimental; e o curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Maranhão, entendendo a necessidade de trazer o corpo de professores para a discussão desses projetos e os alunos para atuação e vivência”, explica Samantha. A idealização em coletivo permitiu uma conversa entre diferentes propostas, percepções e contextos, propondo que a diversidade maranhense se transpusesse no desenvolvimento do primeiro ciclo de ações.

Foi nele que as redes passaram a se expandir. Nas residências, vividas na Casa do Sereio, nos ciclos de conversa online e na exposição coletiva novos mergulhos passaram a compor PREAMAR. Um deles se deu junto às ceramistas de Itamatatiua, ao que as artistas Silvana Mendes e Tassila Custodes desenvolveram uma pesquisa com a comunidade maranhense, que fica a 50km de Alcântara e tem uma produção de cerâmica praticada há mais de 300 anos com peças que evidenciam o modo de vida quilombola “com sua resistência, ancestralidade e subjetividades”, explica o release. Os frutos dessas experiências foram expostos na primeira exposição do PREAMAR, junto a outros projetos.

A mostra se construiu simultaneamente no Chão SLZ, no centro histórico de São Luís, e na Lima Galeria, na Cidade Nova. Em ambas as sedes, a mostra conversa suportes e linguagens distintos, reunindo diferentes gerações de artistas, buscando compor um primeiro panorama da contemporaneidade no Maranhão. Nesses espaços, outras redes passaram a se estabelecer: de artistas e de públicos. Com curadoria dos organizadores do PREAMAR Frederico Silva, coordenador do Departamento de Artes Visuais da UFMA; Yuri Logrado, fundador da Casa do Sereio; Marco Lima, diretor da Lima Galeria; e Samantha Moreira, coordenadora Chão SLZ, a exposição reuniu trabalhos das Ceramistas de Itamatatiua e de Cláudio Costa, Dinho Araújo, Gê Viana, Genilson Guajajara, Ingrid Barros, Márcio Vasconcelos, Marcos Ferreira, Marlene Barros, Pablo Monteiro, Romana Maria, Silvana Mendes, Thiago Fonseca, Thiago Martins de Melo, Tassila Custodes, Tieta Macau, Ton Bezerra, Vicente Martins Jr. 

Baixa-mar

Esse primeiro ciclo se encerra no dia 3 de junho, com o fim da mostra coletiva. Porém, é desse momento de maré baixa que emergem as próximas ações. As residências, conversas e exposições já realizadas assumem forma de pesquisa; é de seus processos, das trocas com os artistas, das falas do público, das percepções geradas e do pensamento dessas redes já expandidas que passam a se desenhar os próximos passos do PREAMAR.

No segundo semestre de 2022 será lançada a plataforma online do projeto. O ambiente vem sendo pensando de forma a articular um processo de documentação dessa primeira ação e abrigar novas mostras, voltadas a uma produção audiovisual. Nesse aspecto, já está prevista uma individual virtual do cineasta maranhense Beto Matuck. Em paralelo, começa-se a desenhar uma exposição coletiva presencial com outros artistas. “A ideia é que periodicamente a gente tenha ações acontecendo no Chão SLZ, assim como dentro da universidade, na Lima Galeria e na Casa do Sereio. Então, seguem, na verdade, articulações de processos de formação contínuos”, conta Samantha Moreira.

Uma das principais frentes desse processo de formação são as residências. “A ideia é que, no segundo semestre, a gente abra outras residências para artistas do Maranhão e, a partir do ano que vem, comece a desenvolver essas atividades de forma ampliada, recebendo artistas de fora do estado”, declara Samantha. E complementa: “Entendendo que é muito importante que esse fluxo de artistas, pesquisadores e curadores de fora sempre esteja focado no processo de formação local”.

Para a organizadora, essa é uma demanda latente na cena artística maranhense. “A gente precisa desses processos de troca e de articulação local e também com o que acontece fora da ilha – que tem uma potência muito grande, mas tem necessidade de um processo de formação contínua tanto de uma poética de trabalho, como de formação e finalização de trabalho, como de processo de crítica, de curadoria, de produção, de montagem.” Assim, as marés de PREAMAR se encaminham a fluxos de fomento da potência local, a partir de uma rede de formação, e de inter-relação com outras cenas artísticas brasileiras e internacionais.


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