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Uma chapa só

Chichico Alkmim, Diamantina, MG. Sem data. FOTO: Acervo Instituto Moreira Salles
Registro de um encontro entre passado e presente na exposição de Chichico. A foto é de Helio Campos Mello.

*Hélio Campos Mello

Chichico Alkmim nasceu em 1886 e abriu seu ateliê em 1912, em Diamantina, Minas Gerais. Faleceu em 1978, dois anos depois suas fotos foram expostas pela primeira vez em Diamantina. Do seu acervo fazem parte 5544 negativos, a maior parte de vidro e que, desde 2015, estão sob os cuidados do Instituto Moreira Salles.

Com curadoria de Eucanaã Ferraz , foi exposto no IMS, do Rio e está até 15 de abril no IMS de São Paulo. Excelente também é o catálogo de 180 páginas, Chichico Alkmim, Fotógrafo.

A exposição, que é dividida em seis partes, tem retratos feitos no ateliê, paisagens, retratos feitos fora do ateliê e também um museu. Nele são exibidas engenhocas usadas no laboratório de Chichico, quase 300 negativos de vidro além de uma espécie de manual mostrando como se fotografava. Segundo Eucanaã Ferraz o conjunto fornece “ uma espécie de retrato do Brasil”. Com razão. Frente as lentes de Chichico posaram ricos, pobres, negros, brancos. Em comum, uma serena e solene altivez. Na realidade um retrato de um Brasil que hoje seria muito bem vindo.

 

*Hélio Campos Mello é fotojornalista e co-fundador da Brasileiro s Editora. Participou da refundação da Agência Estado, do grupo Estado de S.Paulo. Foi diretor de redação da revista Istoé e da revista Brasileiros. Ganhou vários Prêmio Esso. Nesta edição, colaborou com a matéria de Chichico Alkmim e traduziu para o inglês vários dos textos.

Mostra no Sesc revela música na Jamaica como elemento de agregação social e cultural

 

Perseguição a artistas, assassinato de lideranças sociais, arte como forma de protesto. Os temais são os mesmos do Brasil atual, mas Jamaica, Jamaica, em cartaz no Sesc 24 de maio aponta para uma história comum na América Latina, há muitas décadas, e que tem a música como elemento agregador e contestador.

Faz todo sentido uma mostra sobre a Jamaica, no centro de São Paulo, um dos lugares mais plurais da cidade, que vive na confusão de migrantes e imigrantes de todos os cantos do planeta, que muitas vezes disputam suas canções com as pregações evangélicas.

Afinal, a música é mesmo uma das expressões culturais mais relevantes dos países latino-americanos e a Jamaica, nesse sentido, poderia ser a capital da região, pela quantidade de ritmos, a começar pelo reggae, e de ícones, tendo Bob Marley como sua figura mais marcante.

Jamaica, Jamaica, contudo, não é apenas uma mostra sobre música, mesmo que a melhor experiência dela é com os fones de ouvido _cada visitante pode plugar o seu em diversos setores do percurso, ou mesmo receber um gratuitamente.

A exposição, concebida pela Cité de la musique – Philharmonie de Paris, produzida e realizada pelo Sesc São Paulo, revela todo o entorno cultural que permitiu o surgimento de artistas como Marley, Peter Tosh, Marcus Garvey, The Skatalites e The Wailers, entre outros, e a criação de ritmos como o Ska, Soundsystem e o Dancehall.

Há muita gente que crítica o hermetismo da arte contemporânea e, muitas vezes com razão. Jamaica, Jamaica é um ótimo exemplo de como uma exposição pode falar da produção atual a partir de seu contexto, apresentando como a arte pode ser, afinal, uma estratégia para a representação da própria cultura e uma forma de transformar o cotidiano violento em um lugar de possível convivência. No momento atual, nada parece ser mais necessário.

Anri Sala e Garaicoa: a música em estado de transitoriedade

Anri Sala, ‘Long Sorrow’, 2005. Super 16 MM transferido para vídeo HD em canal único. Som estéreo, Cor / 12’57”

 

A música atrai outros campos da arte e os envolve pela percepção de sons escritos, sonoridade, lugares de afeto e territórios. Mesmo reconhecendo conceitos díspares no conjunto da obra do albanês Anri Sala e do cubano Carlos Garaicoa, chama a atenção ambos se apropriarem da música como espaço simbólico de território, criado nas relações de ocupação e sentimento de pertencimento, em suas mostras em São Paulo: O Momento Presente, de Anri Sala, no Instituto Moreira Sales, e Ser Urbano, de Carlos Garaicoa, no Espaço Cultural Porto Seguro. Ambos tocam poeticamente no cotidiano, colocam a música na pele das performances, às vezes mergulham em zonas de penumbra e, em outras, emergem sob o facho de luz. Dois migrantes de países comunistas. Anri Sala nasceu em Tirana e escolheu Berlim para morar. Garaicoa é de Havana, onde mantém um ateliê, além de outro em Madri. Cada um, a seu modo, reflete sobre o estar no mundo como observadores de questões histórico-político-culturais.
Ser Urbano, mostra composta por sete obras, entre instalações, vídeos, maquetes e desenhos, tem a curadoria de Rodolfo de Athayde e fecha um ciclo ao concluir a instalação Partitura (2017). Desenvolvida ao longo de dez anos, tem a participação de mais de 70 músicos de rua de Madri e Bilbao. O encontro deles se materializa na instalação composta por suportes para partituras. Em cada um, estão presos tablets e fones de ouvido, que reproduzem vídeos desses artistas. As partituras, por sua vez, exibem desenhos livres, criados por Garaicoa, inspirados nas melodias desses músicos. Cada suporte representa um deles e seus diferentes instrumentos, que podem ser de sopro, cordas, percussão ou metal. Tudo é distribuído pelo espaço, como em uma orquestra sinfônica. No centro da instalação, ocupa o lugar do regente um pequeno palco com três telas com imagens dos músicos atuando nos cantos das cidades, além de caixas de som. Como afirmou o geógrafo Milton Santos, a arte de rua, naturalmente urbana e pública, traz forte carga política por ocupar espaços fora dos campos institucionalizados da arte e por tocar as realidades sociais de perto.

Carlos Garaicoa, ‘Partituras’, 2017, instalação – Som, animação, pedestais, tablets, papel, tinha.

Navegando em sentido oposto, em Momento Presente, Anri Sala leva o público a “flutuar” com o vídeo The Clash (2010), ao dar sopro e oxigenação na relação música/indivíduo/territorialidade. Se apropria do sucesso Should I Stay or Should I Go, da banda punk inglesa The Clash e o espalha pela cidade, com explícita dimensão política e poética. O texto da música se desenvolve em um campo de fortes questões e frágeis respostas, divaga entre a dúvida de ficar ou partir e é executado em diferentes instrumentos como realejo, caixa de música e piano. No vídeo, um homem carrega uma caixa de música enquanto um casal empurra, com dificuldade, um realejo que toca lentamente a música homônima da obra. Eles caminham em direção à Salle de Fêtes, no Grand Parc de Bordeaux, ex-catedral francesa do rock punk. Sala relaciona o território e a música a partir da memória do lugar e, como define a curadora da exposição, Heloisa Espada, o casal que empurra o realejo pode ter frequentado a Salle des Fêtes ou isso pode apenas simbolizar um fragmento de um sonho acordado. No trabalho de Anri Sala, a banalização do dia a dia se transforma por meio de práticas libertárias no espaço público, no melhor espírito da Internacional Situacionista, movimento surgido em 1957, que defendia, entre outras coisas, uma vida lúdica e de liberdade permanentes.
A instalação principal de Momento Presente parece ter encontrado na música sua forma ideal de representar e experimentar a transitoriedade. A grande sala mantém dois telões opostos que dialogam, tendo como fio condutor Noite Transfigurada, a última peça romântica do compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951), que em seguida rompe com a tradição tonal e cria a técnica do dodecafonismo. A videoinstalação tem curta duração, com sete minutos iniciais sonorizados e os oito restantes focados no ensaio da orquestra de câmara, nos quais os gestos repetitivos dos violinistas, com seus braços movendo-se como pistões, tomam conta do espaço. O teto central exibe tambores de uma bateria desmontada fixados de cabeça para baixo e o barulho cadenciado da repetição das notas alude à alienação tecnológica do período pós-fordista.
Em outra sala, em meio à projeção do vídeo Long Sorrow, na primeira semana da exposição, o público era surpreendido com uma performance ao vivo do saxofonista Andre Vida. Sua música, interpretada in loco, dialogava com as imagens do vídeo no qual outro músico, Jemeel Moondoc, executava com saxofone um jazz primoroso, pendurado do lado de fora do 18º andar de um edifício do conjunto habitacional, conhecido como Langer Jammer, em inglês Long Sorrow (Sofrimento Longo).
A linguagem sempre interessou Garaicoa, especialmente a de espaços públicos. As superfícies das calçadas de Havana nas décadas de 30 e 40 estampavam, em frente das lojas, os nomes dos estabelecimentos e alguns “dizeres”. Algumas estão registradas em fotos e, a partir delas, Garaicoa transforma fragmentos de calçada em tapetes, criando uma camada gráfica que aborda o tempo e a temporalidade dos espaços urbanos. Segundo o curador Rodolfo Athayde, o artista coloca luz em fragmentos poetizados, como “fim do silêncio” ou “frustração de sonhos”.
A questão da linguagem também está presente na mostra de Sala. Segundo Foucault, o homem compôs sua própria figura nos interstícios de uma linguagem em fragmentos. Em Làk-kat, Sala filma três garotos em ambiente escuro onde um adulto, em off, os faz repetir palavras em uólofe, idioma original do Senegal. A princípio, os vocábulos se referem aos conceitos de escuridão e claridade. Em seguida, descrevem tons de pele e maneiras variadas de se referir a estrangeiros. Três telas mostram, simultaneamente, traduções do uólofe para o português falado no Brasil, em Portugal e em Angola.

Tupy or not Tupy that is the question

Tarsila do Amaral, 'A Cuca', 1924.

*Por Gustavo von Ha

Enquanto artista sempre me interessei pelas coisas que estão à margem das narrativas hegemônicas, como também pelas facetas mais ocultas de personagens míticos ao longo da história. Tarsila do Amaral foi um destes personagens nos quais me detive e investiguei para desenvolver o trabalho Projeto Tarsila, que comecei em 2009 (o expressionismo abstrato embalado pelo MoMA também foi assunto de outra investigação que fiz para uma exposição no MAC USP em 2016).

Tarsila do Amaral: inventando a arte moderna no Brasil [Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil],  primeira exposição dedicada à artista nos Estados Unidos, acontece agora no MoMA, em Nova York, tendo antes passado pelo Art Institute of Chicago.

O MoMA expõe, não coincidentemente, um recorte de sua obra consagrada pela crítica e sedimentada pela história da arte brasileira. A exposição concentra-se na década de 1920, focando nos primeiros anos de produção da artista, quando ela transitava no mundo das artes de São Paulo e Paris, reunindo mais de 100 trabalhos, entre pinturas, desenhos e documentos, incluindo obras icônicas e interligadas como A Negra (1924), Abaporu (1928) e Antropofagia (1929).

Logo no hall de entrada da exposição, fora do espaço expositivo propriamente dito, dentro de um nicho, está a tela A Cuca, obra que representa uma personagem típica do folclore brasileiro, eternizada por Monteiro Lobato em suas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Mas antes disso, a origem desta figura está nas lendas portuguesas, tradição que foi trazida para o Brasil durante a colonização. Tarsila produziu esta tela no começo de 1924 e escreveu à sua filha dizendo que estava pintando algo “bem brasileiro”, já anunciando seus interesses pela identidade nacional e pela cultura brasileira dita genuína, não ditada pelos costumes e valores europeus, que seriam desdobrados em sua fase Antropofágica. Nesse sentido, A Cuca pode ser considerada como o prenúncio da sua fase Antropofágica, é o “olhar de fora” fitando a tela A Negra que está na parede de frente para a entrada dentro do espaço expositivo.

Tarsila do Amaral, ‘A Negra’, 1923.

Tarsila do Amaral e a Antropofagia são dois temas completamente imbricados um no outro, dado que esse movimento intelectual surgiu formalmente em 1928 com o Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade, então marido de Tarsila, justamente após ele entrar em contato com a tela  Abaporu. Tarsila em entrevista para Revista Veja, de 23 de fevereiro de 1972, comenta esse curioso episódio do primeiro contato com a tela Abaporu que entrelaçou a sua própria história com o surgimento do Movimento Antropofágico: “(…) o Oswald disse: ‘isso é como uma coisa como se fosse um selvagem, uma coisa do mato’ (…). Aí eu quis dar um nome selvagem também ao quadro, porque eu tinha um dicionário de Montoia, um padre jesuíta que dava tudo. Para dizer homem, por exemplo, na língua dos índios era Abá. Eu queria dizer homem antropófago, folheei o dicionário todo e não encontrei, só nas últimas páginas tinha uma porção de nomes e vi Puru e quando eu li dizia homem que come carne humana, então achei, ah, como vai ficar bem, Aba-Puru. E ficou com esse nome (…). Todos começaram a dizer que o Oswald é que tinha feito o Aba-Puru e criado o movimento antropofágico. Ele aceitou que dissessem que era de autoria dele, achou interessante.”

O conceito chave do manifesto Antropofágico vai justamente de encontro com a gênesis do nome criado por Tarsila, ao passo que recuperava a mitologia de indígenas brasileiros que comiam seus inimigos, não como uma forma de barbárie, mas sim como um ato de inteligência, justamente por acreditarem estar assimilando as qualidades de seus oponentes. Nesse sentido, Antropofagia é uma forma de canibalismo cultural em que os brasileiros consomem outras culturas (europeias, indígenas e afro-brasileiras e se atualizarmos essa questão poderíamos incluir a estadunidense também) para criarem uma identidade artística e cultural própria, transformando o produto importado em exportável.

A Antropofagia foi uma proposta radical para a época e consolidou o modernismo brasileiro no campo internacional, porém a maioria de seus defensores e articuladores eram pessoas brancas da elite urbana – aquela que consumia a cultura europeia de modo explícito, mas que passou a se interessar também pelo consumo da cultura indígena e afro-brasileira, o que nos leva a pensar sobre a existência de uma linha tênue que poderia separar a Antropofagia da apropriação cultural.

Uma pintura polêmica de Tarsila do Amaral, que esbarra nas dúvidas aqui suscitadas sobre a apropriação cultural é, sem dúvida, A negra, realizada em 1923. A tela, feita oito anos antes da artista viajar para a União Soviética e se declarar comunista, retrata uma mulher que trabalhou na fazenda da família da artista e que provavelmente nasceu no período da escravidão: representada com traços estereotipados e palheta de cor tipicamente brasileira. A obra aponta ao mesmo tempo para questões que seriam desenvolvidas no decorrer da carreira da artista, como também remete ao passado de Tarsila, que apesar de ser filha de um homem abolicionista, nasceu em uma família da elite agrária paulista, que como muitas outras, desenvolveram-se financeiramente aos custos do trabalho escravo. Vale lembrar que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888.

Retrato de Tarsila do Amaral, c. 1921. impressão fotográfica, coleção Pedro Corrêa do Lago, São Paulo

A ausência de textos sobre A Negra pelos principais críticos modernistas, como Sérgio Milliet e Oswald de Andrade, reforça a análise do curador Paulo Herkenhoff, que chamou a atenção para o fato de esta pintura ser uma produção mais voltada para o primitivismo no contexto francês do que uma referência a uma figura “nacional”, no contexto de um modernismo que ainda estava engatinhando no Brasil.

Estas percepções, opiniões e constatações acerca da pintura A Negra lançam uma questão sobre as narrativas que são construídas em torno da obra de Tarsila do Amaral, quase sempre atreladas a um pensamento formal do Modernismo, interessado em uma evolução estilística da artista e não necessariamente em facetas mais politizadas ou que possam fugir do cânone moderno. No entanto, a mostra no MoMA se calca na primeira abordagem, formalista, deixando lacunas na trajetória artística de Tarsila, justamente por destacar mais esses aspectos estilísticos, ignorando sua produção tardia, costumeiramente ignorada pela crítica e pelos historiadores, o que tira a possibilidade de se comparar o que a artista produziu antes e depois em sua trajetória. Curioso lembrar que no final dos 1960, já vivendo sozinha e distante do meio artístico, Tarsila fez releituras de A Negra, nos levando a pensar para onde seu trabalho estava apontando.

Revelando a constante disputa teórica sobre em qual momento se deu o início do movimento moderno no Brasil, o curador da exposição no MoMA, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, argumenta em seu texto do catálogo da mostra que o Modernismo no Brasil não surgiu nem antes e nem durante a Semana de Arte de 1922, tendo surgido anos mais tarde, pois a modernidade, segundo ele, consiste em coisas que vão muito além de uma escaramuça elitista. E diz: “O ensaio presente não se propõe a resolver a questão do que a modernidade era ou não era no Brasil, mas examina uma artista, Tarsila – cujo trabalho e personalidade artística estão inextricavelmente ligados ao destino do projeto moderno do Brasil e a imagem dessa modernidade”.

Mas o desejo pelo modernismo começou muito antes, alguns historiadores apontam inclusive para o final do século XIX. Muitos desses artistas (várias mulheres, vale pesquisar) desapareceram, não se legitimaram nesse processo modernista. Alguns eventos antecederam o Modernismo Brasileiro, como a exposição de Lasar Segall, em 1913, que já flertava com as vanguardas alemãs. Entretanto, será Anita Malfatti, que depois foi praticamente apagada pela história, que em 1917, recém-chegada da Europa, abriu as portas para as vanguardas artísticas no Brasil com sua exposição que é considerada um marco na história da arte moderna brasileira e o “estopim” da Semana de Arte Moderna de 1922, como aponta o historiador Mário da Silva Brito.

Tarsila do Amaral, ‘Urutu’, 1928.

Tarsila não inventou a arte moderna no Brasil, mas foi, Segundo Aracy Amaral, a “pioneira de um estilo modernista brasileiro”. O título dessa exposição “Tarsila do Amaral: inventando a arte moderna no Brasil”, diz muito sobre como o MoMA se apropria de narrativas da América Latina recriando narrativas históricas e definindo os cânones ao longo do século XX até os dias de hoje, como defende a historiadora Ana Avelar em seu livro A raiz emocional, de 2014. Desta forma, me pergunto se o MoMA, com esta exposição da obra de Tarsila, não estaria consumindo nossa cultura como um antropófago.

Mario de Andrade desempenhou um papel fundamental no processo de legitimação da sua obra. Ele basicamente indicava através de cartas quais caminhos ela deveria seguir, ele defendia que era necessário manter a figura, manter os elementos da brasilidade como afirmação da arte brasileira lá fora, e essa preocupação em imprimir uma identidade nacional na produção artística brasileira permanece até os dias de hoje, ressoando a declaração feita por Tarsila, em 1923: “Eu quero ser uma pintora do meu país”.

Outro fator de legitimação sempre utilizado com Tarsila é ressaltar sua formação na Europa, na Académie Julian em Paris, com nomes como André Lhote, Albert Gleizes e, sobretudo, Fernand Léger, sempre apontado como um mestre da artista, inclusive no catálogo da exposição no MoMA. Porém, Tarsila, na mesma entrevista para Revista Veja, afirmou o contrário: “Eu gostava muito da obra dele, fui muito amiga dele, mas não frequentei o atelier do Léger, eu era amiga da mulher dele também, depois até inventaram que ele tinha desenhado brincos para mim, etc., imagine! Eu me inspirei em São Paulo mesmo, na sociedade fabril e foi uma novidade naquele tempo, no Brasil, o que eu fiz.”

Nesse sentido, ganha força a ideia de que o modernismo brasileiro deve ser entendido a partir de sua própria história e de uma perspectiva independente, que leve em conta os múltiplos atores e fatores que o configuraram, fugindo de narrativas totalizadoras e reducionistas. Essa discussão deve ser ampliada e atualizada para entendermos como a leitura da obra de Tarsila do Amaral e do modernismo brasileiro podem ter mudado ao longo de quase um século. Mas será que a abordagem do MoMA ao longo da história se atualiza? Então, o que de fato significa a Tarsila no MoMA hoje?

 

 *Gustavo von Ha é artista plástico. Além de diversas exposições no Brasil, já teve mostras no Japão, na Alemanha, na França, dentre outros. Seus trabalhos estão presentes em coleções privadas e públicas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de Rio e Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

FestA!, o festival de aprender do Sesc

As 39 unidades do Sesc espalhadas por São Paulo sediaram durante os dias 2, 3 e 4 de março a segunda edição do FestA!, o Festival de Aprender. A iniciativa anual têm como objetivo difundir o acesso gratuito a atividades que desenvolvem o conhecimento em diversas esferas nas áreas de tecnologia e artes visuais.

As mais de 500 atividades oferecidas foram coordenadas por profissionais de peso em cada setor, como Djamila Ribeiro, Paulo Bruscky, Amadeu Zoe e Araquém Alcântara.

Diversas faixas etárias foram contempladas com oficinas, palestras, workshops, vivências e outras práticas na programação. Desta forma, o Sesc pôde dar uma palhinha do que oferece ao no decorrer do ano, chamando a atenção para as atividades que realiza comumente.

Para quem deseja participar, basta acessar o site do Sesc.

 

Finlandização da educação

Foto: Mídia Ninja

Antes da queda do muro era corrente o uso da expressão “finlandização” para descrever um processo de defesa depende diante de um vizinho muito poderoso e potencialmente invasivo. Durante a guerra fria a Finlândia realizou uma série de acordo amigáveis e concessões comerciais que garantiu que ela não se tornasse mais uma república satélite da União Soviética. Para uma pequena população, deste país então geograficamente estratégico e cobiçado por um inimigo potencial, este sacrifício permitiu o desenvolvimento de um plano continuado de investimentos em educação. Desta maneira trocou-se um período de suspensão calculada da soberania externa por um futuro baseado na soberania interna.

Há cinco anos a Finlândia chegou ao primeiro lugar no PISA, exame internacional que mede resultados do ensino básico. Uma recente expedição de educadores brasileiros,  observou que estes resultados podem nos ensinar o contrário do que parece. Em primeiro lugar isso não é resultado de nenhum método de ensino revolucionário ou da oferta massiva de recursos tecnológicos. Em vez de se preocupar em tornar os melhores, melhores ainda, os finlandeses apostaram na ideia de trazer os que estavam para trás, para a frente. Em vez de controlar os professores com planejamentos e relatórios infinitos eles transferiram ao professor grande autonomia, com um currículo mínimo pequeno, claro e bem definido. Sua autonomia passa, por exemplo, pela escolha diferencial do método de alfabetização, conforme a criança, pela definição do grupo de trabalho sobre cada projeto, e até mesmo pelo caminho curricular a ser percorrido. Em vez de culpar professores pela falta de formação, investiram em cursos longos e cobiçados, para que alguém se torne professor de física ou química, literatura ou artes plásticas. Não há provas ou exames seletivos, mas uma convivência continuada do professor com o aluno, que lhe confere autoridade para discutir escolhas profissionais, assuntos médicos e decisões familiares de forma individualizada. A partir desta convivência a escola torna-se apoio e recurso permanente para o projeto de vida do aluno. Ou seja, todos os problemas, bem como as soluções, que incluem, mas não se reduzem nem ao seu projeto profissional nem à sua relação de aprendizagem, passam pelo professor. Apesar disso há escolhas claras. No primeiro ano do ensino médio, eles podem escolher entre o ensino acadêmico e o início imediato de uma formação prática. Neste segundo caso ele estudará em verdadeiras oficinas, por exemplo, de conserto de automóveis, que servem a população prestando serviços gerais. Todas as agremiações partidárias tem assento garantido nos conselhos e órgãos de ensino, sendo sua reformulação independente das eleições gerais e consequentemente da alternância de interesses de quem está no poder.

Foto: Mídia Ninja
Foto: Mídia Ninja

A grande lição finlandesa não está em sua organização. Aqueles fascinados pela importação de soluções ficarão consternados com o fato de que a Finlândia tem 5.5 milhões de habitantes, 3 milhões na capital Helsinque. Há, no total 56 escolas, a maior delas com 4 mil alunos. Comparar este problema com a escala brasileira, com toda sua extensão e diversidade não é apenas desleal, mas ela nos leva ao erro tentar reproduzir condições semelhantes, tais como 25 alunos por classe, formação hiperqualificada, ensino prático (que envolve gastos imensos com a construção de oficinas) em vez de olhar para os motivos que produziram este estado de coisas. Uma vez lá percebe-se imediatamente as razões: ensino gratuito para todos, em todos os níveis; pouca desigualdade social, de forma que os mais ricos e os mais pobres não se sobrepõe aos que vão para a universidade e os que vão para o ensino prático. O resultado mágico parece emanar do seguinte fator decisivo: reconhecimento social conferido aos professores. O salário dos professores é um pouco abaixo da média nacional, mas o fato decisivo é que a diferença entre o maior e o menor salário é relativamente pequena.

Agora voltemos os olhos para o atual processo de finlandização às avessas da educação brasileira. Ela está baseada na criação de um grande inimigo interno: professores indolentes, que não cumprem o que deles se espera, universitários elitistas de esquerda e demais desqualificados sociais. Uma vez criado este poderoso inimigo interno é preciso realizar um número expressivo de concessões externas para manter nossa dependência para com interesses comerciais. Lembremos o caso da Kroton, de propriedade de um político com trânsito federal, um negócio de, o negócio que mais cresceu no Brasil da última década, chegando a valer 5 bilhões e meio de reais graças ao financiamento massivo do Estado via FIES.

Criamos uma situação de distanciamento e impessoalidade que contribuem para a recorrente violência entre alunos e professores

Controlamos pesadamente o cotidiano de nossos professores sem oferecer nenhum plano estratégico de excelência, progressão ou formação continuada. Pagamos mal e pior, entendemos que este gasto é uma despesa, um ônus para o resto da sociedade. Cortamos verbas em pesquisa destruindo investimentos mantidos a duras penas, durante décadas. Fechamos faculdades de primeiro nível, raras e difíceis de construir, como a UERJ. Saturamos nossos professores com dois ou três empregos em vez deixá-los participar mais da vida de seus alunos. Criamos uma situação de distanciamento e impessoalidade que contribuem para a recorrente violência entre alunos e professores. Estimulamos a judicialização das relações escolares, quando não sua militarização como vemos no estado de Goiás, destruindo qualquer sentido de comunidade e desincumbindo nossos professores de qualquer autonomia.   Enquanto na Finlândia a medicalização é um problema lateral por aqui a lógica contratualista e controladora faz com que os problemas de aprendizagem, adaptação e inclusão sejam remetidos para outro departamento (o médico), com o qual não mantemos nenhuma relação senão a de transferência de problemas e a limpeza de consciência. Em vez de fazer de nossos professores agentes sociais para entender e enfrentar a miséria, material e cultural, participando da vida de seus alunos, inflamos sua profissão com obrigações curriculares, esperanças messiânicas e ódio pelas famílias “mal-estruturadas”. Enquanto temos que lutar contra uma excrescência chamada escola sem partido, os finlandeses inventaram o princípio da escola para todos os partidos.

Foto: Agência Brasil

Reconhecimento é uma substância que se produz enquanto se a pratica e cujo resultado depende de como se a pratica O reconhecimento constitutivo dos professores decorre de que eles representam a “regra do jogo”. Eles são os fiéis depositários dos valores que são os nossos, notadamente na ideia de que transmitem aos alunos a promessa de que outro mundo é possível e desejável. Portanto a forma como reconhecemos nossos professores é também a maneira como eles reconhecerão seus alunos. Mas o reconhecimento regulativo dos professores decorre de como eles estão sendo atual e definitivamente reconhecidos. Isso passa por um ministro da educação que não é reconhecido por seus pares. Isso passa por um projeto de reforma do ensino médio que, independente de erros ou acertos, saiu do bolso de um burocrata nos momentos finais, depois de quase uma década sendo discutido por educadores. Falta de dinheiro não é desculpa para maus tratos e escassez de recurso não justifica falta de reconhecimento, aliás o caso africano é exemplar neste ponto. Que tal aprender alguma coisa com a Finlândia? O sacrifício de hoje deve ser em nome de um futuro melhor amanhã. Que tal seguir os princípios finlandeses de igualdade, gratuidade, autonomia, comunalidade e praticidade na educação em vez de palavras de ordem como austeridade, gastos e despesas, controle e competição? 

Ou seja, um Estado que não reconhece seus próprios processos de regulação, que quer se fazer ele mesmo “dono da bola” e “senhor da regra do jogo” está a praticar uma finlandização às avessas, ainda que sob aplauso das elites ignaras ou pela graça do novo irracionalismo à brasileira.

As poetas da guerra

Doha Almasry teve que fugir de sua cidade, Al-Hameh. Mora em Ritsóna com dois filhos dos três filhos. O mais velho e o marido conseguiram visto na Alemanha. Não se veem há três anos. "Oh, vida que passou cheia de tristeza e dor. Até quando ficaremos em tempos de repressão e traição?/ Quero viver uma vida simples e tranquila com meus filhos./ Não gosto de barulhos e gritos,/ Desejo uma vida longe do cansaço e da opressão." Foto: Olívia Seiko Tarora

A palestina Fadwa Tuqan (1917-2003) é um dos exemplos mais intensos disso. Em 1968, o ministro da Defesa israelense que comandou a Guerra dos Seis Dias, Moshe Dayan, alertou para que Fadwa não fosse convidada a recitar poemas em Israel. Para ele, cada poema dela seria “capaz de criar dez soldados” contra os israelenses e que ler seus poemas eram “equivalente a enfrentar 20 comandos inimigos”.

O ato de resistência poética de Fadwa se repetiu entre outras mulheres e, agora, diante da guerra na Síria, não é diferente. Espalhadas por campos de refugiados na Europa, muitas mulheres encontraram na escrita uma forma de lidar com as dores e com os desejos de liberdade, de se aproximar de parentes que estão longe e de restituição da pátria.

A oitenta quilômetros norte de Atenas, na Grécia, vivem aproximadamente 600 refugiados no acampamento de Ritsóna. A maioria dessas pessoas vem da Síria, somando 74%. Os outros 26% têm origem diversa, vindos de países da África, como Nigéria e Camarões, e outros países do Oriente Médio, como Irã e Iraque.

Em Ritsóna, é possível encontrar uma quantidade significante de mulheres que usam a literatura como forma de resistir. Uma dessas mulheres é Doha Almasry. Com 34 anos de idade hoje, ela apagou voluntariamente muito de seu passado da memória. Prefere esquecer o caminho doloroso feito há pouco mais de três anos, desde que deixou sua terra, onde morava com a família.

O marido e o filho mais velho, de 11 anos, conseguiram visto para a Alemanha. Foram os primeiros a deixar a Síria. “Eles foram para lá e fiquei com meus outros dois filhos em Al-Hameh. Desde então nunca mais os vi. Logo depois, deixei meu país também e vim para Ritsóna com os mais novos”, lamentou Doha.

Centenas de refugiados, maior parte vindos da Síria, vivem hoje em Ritsóna. É muito comum encontrar mulheres que escrevem poemas por lá. Foto: Olívia Seiko Tarora

Apesar de não verbalizar muito sobre isso, achou outra forma de se expressar sobre os cenários que tem avistado desde que a guerra tomou conta de seu país. Nos pequenos cadernos abarrotados de poemas, guardados em um gabinete ao lado de sua cama, ela escreve sobre suas dores e seus desejos. “Eu não consigo me expressar de outra forma sobre as coisas que não seja por meio da poesia”, admitiu. O marido e o filho distantes, a situação no acampamento, a repressão do governo de Bashar al-Assad e o desejo de se instalar com a família em um lugar onde tenha paz e silêncio são os temas mais usuais para ela hoje: “Escrevendo poemas, eu consigo falar sobre tudo e para todos”.

Não é de agora o contato de Doha com a poesia: “Eu comecei a escrever aos 16 anos, mas não me lembro ao certo quando comecei a me interessar por literatura”. Essas lembranças também são dolorosas para ela, pois Doha deixou muita coisa para trás para facilitar a fuga, o que inclui seus vários cadernos com poemas que um dia foram permeados de temáticas mais otimistas.

Apesar de achar a vida no campo de refugiados um tanto difícil, ela diz não reclamar. “Eu agradeço a Deus toda hora por tudo”, confessa. Além disso, ela afirma que o local tem uma atmosfera que a incentiva a escrever mais.

Doha confessa se inspirar em Nizar Qabbani, poeta sírio conhecido por seus poemas de crítica a governos opressores e à visão ocidental sobre o mundo árabe. Ele também o favorito de Sida Hasan, 18, vinda da província de Al-Hasakah, no nordeste da Síria. “Para nós, sírios, ele é o nosso Shakespeare”, afirma.

Cada palavra de Sida saía como um suspiro sôfrego, mas ela mantinha o sorriso no rosto enquanto era entrevistada: “A vida aqui é muito ruim. Temos inúmeros problemas e tudo o que eu mais quero é sair daqui com a minha família”. Ela também confessa que o acampamento não está entre os cenários de sua escrita, ela gosta de escrever apenas sobre a Síria: “A poesia para mim, aqui, significa não perder a esperança de um futuro melhor”.

Poema de Sida, escrito em um pedaço de papel encontrado no meio do acampamento. “Ninguém percebe suas lágrimas, ninguém se importa com sua tristeza./Só percebem seus erros. Será que a vida é difícil mesmo?/Ou quem está ao meu redor/Não tem piedade nunca?” Foto: Olivia Seiko Tarora

A relação mais forte de Sida com a poesia começou desde que saiu da Síria com a família, há quatro anos, e foi para o Iraque. “Vivíamos em um campo de refugiados. Lá conheci meu marido e nos casamos. Poucos meses depois, viemos para cá”. Por receio do marido não gostar, Sida preferiu não ser fotografada. Deixou, porém, que fosse fotografado um pedaço de papel amassado encontrado pelo acampamento, no qual tinha escrito um poema curto.

Segundo a brasileira Olívia Seiko Tarora, coordenadora de comunicação e diretora de conteúdo criativo da I AM YOU, uma das ONGs que trabalham no acampamento, é comum encontrar outras mulheres falando sobre poesia ou escrevendo algumas em Ritsóna. “Nas tentativas de conseguir me aproximar delas, aprendi mais sobre seus gostos e desgostos. Assim, descobri que muitas gostam de escrever poemas”, contou Olivia.

Procuradas pela reportagem para falar sobre seus poemas, outras refugiadas preferiram não se manifestar. Muitas dela ainda não possuem status de refugiada ou de asilo, outras preferem preservar o nome e a imagem pela religião ou por causa dos companheiros.

Art Dubai inclui residências artísticas no mapa das feiras de arte

O vídeo NAU/NOW, de Cinthia Marcelle e Tiago Mata Machado é uma das obras que a galeria Vermelho apresenta na Art Dubai. É uma obra comissionada pela Fundação Bienal de São Paulo como parte do projeto “Chão de Caça”, 2017, exibido no Pavilhão do Brasil, na 57 a Biennale di Venezia. FOTO: Cortesia Galeria Vermelho

Feiras de arte já incluíram seminários, performances e mostras com curadoria sem obras à venda em sua programação, mas a realização de residências artísticas foi a novidade que Art Dubai trouxe ao circuito, no setor denominado Residents.

“Residentes é uma plataforma pioneira e única, que reúne diferentes energias, sinergias, geografias e práticas artísticas, o que em geral não se vê no mesmo local”, disse o espanhol Pablo de Val, diretor artístico de Art Dubai.

Variando entre quatro e oito semanas, 11 artistas de distintos países, da turca Jennifer Ipekel ao espanhol radicado nos Estados Unidos José Lerma, Residents de fato apresentou temperatura bem distinta do resto da feira, sendo mais caótica e menos objetual.

Art Dubai chegou, agora em 2018, à sua 12ª edição com um total de 105 galerias de 48 países, o maior número de sua história. Apesar de ser importante vitrine para galerias do Oriente Médio, Ásia e África, galerias de peso da Europa como as italianas Franco Noero e Continua, a francesa Templon, a espanhola Elba Benítez e a inglesa Victoria Miro também estão presentes. Do Brasil, a única participante é a Vermelho.

Em seu estande, a galeria paulistana apresentou uma seleção de obras da mineira Cinthia Marcelle, incluindo o vídeo realizado em parceria com Tiago Mata Machado, NAU/NOW, que fazia parte do projeto Chão de Caça, a ocupação do pavilhão brasileiro na 57ª Bienal de Veneza, realizada no ano passado.

A feira ocorre no complexo de hotéis de luxo Madinat Jumeirah, o que combina com o estímulo ao turismo de luxo dos Emirados Árabes, que recentemente abriu o Louvre Abu Dhabi, um projeto de cerca de cerca de R$ 2,5 bilhões de reais só na construção projetada por Jean Nouvel, além de R$ 1,7 bilhão pago ao Louvre para o uso da marca.

Detalhe do estande da galeria Vermelho na Art Dubai.

Salto Febril

Além da seção contemporânea, Art Dubai também contém um segmento de galerias de arte moderna, e junto a ele uma mostra com curadoria de Sam Bardaouil and Till Fellrath, que nesta edição também fizeram parte do comitê de seleção da feira.

Em Dubai, a dupla que atualmente dirige a Fundação Cultural Montblanc apresenta a exposição That Feverish Leap into the Fierceness of Life (o salto febril na ferocidade da vida), que reúne cinco grupos de artistas de cidades árabes no decorrer de cinco décadas. O título foi extraído do Manifesto de um desses coletivos, o Grupo de Bagdá para a Arte Moderna, escrito em 1951.

Nesse sentido, aqui se revela uma importante iniciativa da feira, já que dá visibilidade ao circuito internacional uma produção local bastante desconhecida. Esse é o caso da Escola de Casa Branca, que reuniu artistas radicais, agrupados em 1966 e três anos depois expunham no espaço público como forma de não estarem vinculado a uma elite, o que só pode ser visto como ironia em Dubai.

Agenda: confira os destaques de 24 a 30 de março

Paulo Pasta, 'Sem Título', 2014

Paulo Pasta: Projeto e Destino, individual no Tomie Ohtake, em São Paulo, a partir de 24/3

Nesta individual de Paulo Pasta, o curador do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada selecionou treze pinturas produzidas nos últimos treze anos que refletem o arsenal pictórico do celebrado artista paulista. Projeto e Destino é a primeira exposição que reúne um conjunto de suas pinturas de dimensões quase arquitetônicas. No dia 24, também abre Se o paraíso fosse assim tão bom, exposição de Cecily Brown formada por um conjunto de trabalhos da última década de sua carreira.

Cecily Brown, ‘Paradise (to go)’, 2015

Thiago Rocha Pitta, ‘Marina com cianobactérias’, 2017

Thiago Rocha Pitta: O primeiro verde, individual na Galeria Millan, abertura em 24/3.

A mostra marca um novo capítulo em sua meticulosa investigação acerca do meio ambiente, à medida que ele mergulha mais profundamente na origem e na evolução do planeta a partir de um conjunto de trabalhos – em sua maioria afrescos, além de uma instalação, uma escultura, uma aquarela e um vídeo – concebidos entre 2017 e 2018. A Millan também abre uma exposição de Paulo Pasta no dia 24.


Antônio Malta Campos, Preto, 2018

Antônio Malta Campos, individual na Galeria Leme, até 12/5

Para esta exposição Antonio Malta Campos concebe suas pinturas pensando não apenas nas composições internas de cada obra mas também na relação que estas estabelecem entre si. A lógica de figura-fundo presente em cada uma das suas telas é refletida à macro-escala da exposição, onde cada uma das obras é cuidadosamente elaborada e posicionada para ser vista em relação às demais e de forma a estabelecer um profundo diálogo, compositivo e cromático. O artista expande a sua lógica compositiva para lá dos limites da tela, aplicando-a e potencializando-a na totalidade da exposição.


Abraham Palatnik, ‘Sem Título’, 2018

5 anos, coletiva na Carbono Galeria, abertura em 26/3

Comemorando cinco anos de sua existência, a Carbono abre exposição com um recorte de seu acervo, que possui mais de 200 edições exclusivas. Neste dia, também lançará uma edição comemorativa assinada por Abraham Palatnik, realizada com exclusividade para a galeria.


Mostra faz parte da programação da Feira Plana.

Germem, coletiva na Galeria Jaqueline Martins, abertura em 27/3

Germen é um cenário onde as publicações da Ediciones Popolet, editora dos artistas Ignacio e Martin, podem ser apresentadas e estendidas em projetos generativos em vez de apenas livros estáticos. Germen é apresentada como um espaço aberto de participação, interação e diálogo. É também uma plataforma de contemplação que parte do espaço da publicação para ir além e pensar como nós habitamos os livros, dentro e fora deles.


Jonas Barros, série ‘Experimentos para bovinos’, 2015

Dialetos 2, coletiva no Centro Cultural São Paulo, até 6/5

A exposição Dialetos 2 reúne 20 jovens artistas contemporâneos do cenário do Planalto Central. Nela será apresentado um recorte com visão diversificada e pluralista de artistas do estado de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Goiás. Esta edição, assim como a primeira, realizada em 2012, não tem a intenção de apresentar uma visão totalizadora da produção emergente atual; restringiu-se, portanto, à seleção de obras de alguns jovens do Centro-Oeste que têm se destacado em mostras regionais e nacionais e em mecanismos de mapeamento, como os salões de arte de Anápolis, Jataí, Campo Grande, Cuiabá e Brasília.


Ana Luiza Dias Batista: Chão Comum, individual na Pinacoteca de São Paulo, a partir de 24/3

Em sua produção, Ana Dias Batista frequentemente explora objetos cotidianos, muitas vezes alterando a sua escala e função. A exposição desses trabalhos também enfatiza o esforço da Pinacoteca em promover o diálogo entre a arte contemporânea e a história da arte. Também no dia 24, são abertas as exposições de Rosângela Rennó e José Antonio da Silva, além da mostra Arte Colonial na Coleção da Fundação Nemirovsky.


POR AÍ…

Julio Le Parc, ‘Sphère bleue’, 2001 / 2013

Art Basel Hong Kong, feira internacional de arte, de 27 a 31/3

A feira de arte que funciona como farol no mundo asiático está fazendo muito sucesso após seu ressurgimento, há cinco anos. Neste ano, quatro galerias brasileiras estarão presentes em Hong Kong. São elas Bergamin & Gomide, Fortes D’Aloia & Gabriel, Mendes Wood DM e Nara Roesler.

Diretor do Itaú Cultural é escolhido como destaque em prêmio do governo de SP

Eduardo Saron esta à frente do Itaú Cultural desde 2002
Eduardo Saron esta à frente do Itaú Cultural desde 2002

Destaque na premiação, que acontecerá na próxima segunda-feira (26), em São Paulo, Eduardo Saron será recebido pelo Secretario de Cultura, José Luiz Penna, como Destaque Cultural do Ano e pela sua contribuição e incentivo a difusão de cultura no estado, ele receberá prêmio de R$100 mil.

Mestre em Administração e pós-graduado em Turismo Cultural, o homenageado soma experiência em Gestão Cultural. Prova disso é sua presença nos conselhos do MASP, SP Companhia de Dança e do Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura.

Em entrevista ao PáginaB!, o secretário de Cultura do estado, José Luiz Penna, afirmou ter recebido com felicidade a notícia da homenagem a Saron como Destaque Cultural. “Foi unânime a escolha dele pelo conselho do Prêmio. O conjunto de obra dele é imbatível, realmente dignificante e justo o reconhecimento da instituição [Itaú Cultural] e dele próprio”, disse.

Ao PáginaB!, Saron falou sobre a gestão cultural brasileira. Para ele, a alta rotatividade de ministros no MinC, Ministério da Cultura, é um problema considerável. “Em 32 anos, já passaram pela pasta 20 ministros, uma média de 1,6 por ano. Lembrando que, neste período, a pasta chegou a ser extinta no governo Collor e, mais recentemente, no início do governo Temer”, explicou. “Isso dificulta muito a criação de uma política cultural pública, com ações efetivas e pensamento estratégico”.

Para o diretor do Itaú Cultural, o investimento na pasta deveria ser prioridade, e o sucesso de politicas publicas culturais poderiam levar à redução de investimento de recursos em Segurança Publica e Saúde a médio prazo.

Atualmente, a Secretaria de Cultura recebe 0,27% do orçamento estadual, “isso representa cerca de R$500 milhões. Precisamos de pelo menos o dobro disso”, apontou José Luiz Penna, secretario da pasta. Questionado sobre as expectativas com as eleições para governo estadual, Penna disse apenas que espera que “o crescimento da Secretaria correspondente a expectativa da sociedade sobre a cultura sensibilize os homens públicos”.

Em 2017, Eduardo Saron completou 15 anos à frente do Itaú Cultural. Em entrevista ao portal, ele falou sobre o que, em sua avaliação funcionou ou não nas gestões do MinC e de outras instituições:

O Ministério da Cultura tem uma alta rotatividade de ministros, qual o impacto disso na criação e salvaguarda de políticas culturais?

A rotatividade no Ministério da Cultura é, de fato alta, o que não é positivo. Nos seus 32 anos de existência, passaram por lá 20 ministros, uma média de 1,6 por ano. Lembrando que, neste período, a pasta chegou a ser extinta no governo Collor e, mais recentemente, no início do governo Temer. Os dois ministros mais longevos foram o Francisco Weffort, que ficou 8 anos, durante o governo FHC, e o Gilberto Gil, que ficou 6 anos, durante o governo Lula. Isso dificulta muito a criação de uma política cultural pública, com ações efetivas e pensamento estratégico.

Qual, na sua avaliação, seria um primeiro passo para alinhar as ideias e a realidade na construção de políticas culturais solidas que sofram menos com essa rotatividade?

Ao contrário do que é recorrente no país, a cultura deveria ser encarada como uma prioridade nas políticas públicas. Na medida em que ela assume um papel de centralidade, a médio e longo prazo, precisaremos de menos recursos para a segurança pública e de menos recursos até para a saúde.

Qual o papel do Itaú Cultural na mediação entre cultura e o acesso da população a ela?

O Itaú Cultural surgiu dois anos depois do MinC sendo, muito provavelmente, uma das primeiras instituições privadas brasileiras a serem criadas com um objetivo concreto e uma agenda voltada para a valorização da cultura. Em um primeiro passo, trabalhamos firmemente pela democratização da cultura, procurando garantir o acesso por todas as populações de todos esses brasis que compõem o país. Agora, o passo é garantir a manutenção da democratização na cultura brasileira e iniciar uma construção de valores de uma democracia Cultural, em que sujeitos, indivíduos assumem o protagonismo nas políticas culturais junto com as instituições e poder público. Acredito que caminharemos muito neste sentido.

Que nomes ou instituições, hoje, trazem bons projetos culturais para o Brasil, na sua avaliação?

Não citaria apenas uma. Há quase dois anos um conjunto de mais de 150 instituições de todo o país nos unimos e formamos o Fórum Brasileiro Pelos Direitos Culturais. Este coletivo foi fundamental no retorno do MinC, na batalha pelas reformulações da Lei Rouanet e tem brigado pelos recursos que o poder público deveria e deve dedicar à cultura. Acredito muito na relevância e no trabalho de todas as instituições, coletivos e pequenos produtores que formam o Fórum.

E quem deixa a desejar e por quê?

Deixam a desejar as instituições que se agarram no que chamo de CEP – Catraca, Espetacularização e Ponte. Para algumas instituições, o importante é o número de pessoas que passam pelas suas catracas, elevando, assim, a distorção sobre o que é realmente a democratização do acesso e a constituição dos direitos culturais. Claro, que ter público é fundamental, mas não deve ser a única métrica para tudo. É preciso formar o público, oferecer formação cultural.

A espetacularização tem a ver com o boom das commodities reduzindo a cultura meramente a projetos de marketing que aposta em alocar recursos mais nos fogos e artifícios, do que no fazer artístico ou na ação cultural. Não estou falando contra o business e a indústria do entretenimento, nem ignorando a importância de alavancagem reputacional das marcas pela cultura, pois também são importantes para a indústria cultural e para as boas relações. Meu ponto se estende à artificialização dos projetos em nome da venda e do natural desespero, colocando em segundo plano o artista.

Por fim, o “p” de ponte e de prédio. As commodities geraram superávits fiscais sobre bolhas e o gestor público transferiu um cacoete dos governantes para o mundo cultural. O mais importante era construir pontes, ao invés de cuidar do saneamento básico ou de outras ações mais estruturantes, porém com pouco impacto midiático. E aí o Brasil se deparou com um número importante de novos prédios culturais, esquecendo, muitas vezes, dos já existentes ou mesmo da sustentabilidade desses novos. Infelizmente, o boom das commodities passou e a orientação do CEP se deparou com a realidade do mundo digital e da criatividade, na qual as commodities são sarcasticamente antagônicas. Portanto, a catraca, a partir da espetacularização e dos prédios, não resistiu.

Casos como o do MAM e do Queermuseum representam um risco para as liberdades de expressão e manifestação de outros museus e artistas ou deveriam ser pensados como casos isolados e específicos?

Qualquer reação extrema, de censura e impedimento à liberdade de expressão representam sérios riscos. A meu ver, a origem destas crises com as quais nos deparamos no ano passado é o comportamento gerado pelos algoritmos das redes sociais, que colocam em contato apenas aqueles que se afinam entre si. Os museus têm de dialogar com isso e usar acontecimentos como estes como aprendizado. “A classe artística tem de liderar esse debate na sociedade, tem o desafio de encontrar o ponto de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a defesa da criança e do adolescente. A partir destes acontecimentos, começamos a trabalhar para conhecer o Estatuto do Menor, criar um manual para fazer a autoclassificação das exposições e poder informar corretamente o público sobre o conteúdo das mostras que vai ver.