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Muito além da “boniteza”

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Rogério Assis e Ciro Girard lançam Mato? , publicação com fotos de Rogério e direção de arte de Ciro, uma bem vinda provocação que confronta a beleza à destruição, a insensatez à consciência, a vida e a morte e o verbo ao substantivo do título. Segundo livro deles que em 2013, pela Terceiro Nome,  publicaram Zo’ é, Mato? é fruto de uma idéia surgida há dois anos e foi viabilizado por cinco patrocinadores, Caito Ortiz, Diana Vanni, Heinz Gruber, Maru Whately e Roberta Maiorana.

Para Rogério Assis, fotógrafo que nasceu em Belém, notável polo de fotografia contemporânea, a obra, mais que um livro de fotografia, é um trabalho ambiental:

“Aqui a fotografia é uma ferramenta. É um trabalho de conscientização ambiental. De tentativa, pelo menos. Eu uso a fotografia porque é o que eu sei fazer. Se  fosse músico talvez fizesse uma canção, se fosse pintor pintaria um quadro. Mas sou fotógrafo então a minha ferramenta é a fotografia”, diz o autor.

Mato? não tem preocupação autoral.” continua ele.  “Quando você olha as imagens percebe que são imagens comuns. Praticamente fotos de bancos de imagens. A diferença é que a gente faz uso delas para formular o discurso ambiental. “

Rogério vai além: “Eu não estou preocupado com a ‘boniteza’ das imagens. A foto bonitinha se esgota aí. Ela é bonita mas daí pra frente não tem mais nada. Eu não estou preocupado com isto tanto que muitas das imagens foram feitas através de janela de avião, algumas têm pedaço desfocado, em outras a cor não é perfeita porque a janela atrapalha, mas a mensagem, que é o que nos importa, esta sim, está dada. Cada página dupla do livro, com suas fotos, é uma coisa interligada e o conjunto dessas páginas duplas  se traduz na mensagem que queremos passar. “

O fotógrafo faz trabalhos para organizações como o Greenpeace e o Instituto Sócio Ambiental e viaja bastante pela Amazonia – além de ter nascido lá – portanto tem muito material fotográfico da região e o livro segue o caminho da busca do contraponto preservação/destruição com o intuito de amarrar isto plasticamente. Idéia de Ciro Girard,  o diretor de arte, com o qual Rogério concordou:

“Eu comecei a separar esta coisa legal que é a grandiosidade do meio ambiente e a coisa triste que é sua destruição. O discurso, a ideia do livro era mais ou menos fazer este contraponto entre a preservação e a destruição e aí o Ciro veio com a idéia de amarrar este contraponto plasticamente. Fazer as imagens conversarem. Não simplesmente pegar a foto de mato e a de destruição. Mas sim que estas imagens tivessem uma conversa plástica entre elas. Se não houvesse este diálogo talvez tudo passasse batido, como se fosse apenas mais um discurso contra o desmatamento da Amazonia. E nós não queríamos banalizar o discurso. A gente queria que houvesse uma força visual que provocasse o leitor.  Partimos de mais de novecentas fotos, quase mil, para chegar nestas 58 “, diz ele.

Com relação ao excesso de  preocupação autoral Rogério Assis aponta para uma inversão de finalidade: “Essa coisa de “autoralidade” na fotografia, essa preocupação em ser autor, é algo que tem me incomodado. Uma coisa que eu já busquei lá atrás quando comecei.   Hoje começa a se dar mais importancia a essa noção de autor do que ao objeto, ao assunto que se está cobrindo, fotografando. O que aconteceu no Brasil a partir do  momento que o Mauricio Lima, por exemplo, com aquele trabalho humano, lindo, maravilhoso sobre a guerra, ganhou um prêmio (ele ganhou o Pulitzer, em 2016), de repente a guerra virou objeto de desejo de muitos fotógrafos e o cara vai lá fazer foto pra premio. O sujeito não está preocupado com a questão do que move aquela guerra. Também padecem do mesmo mal o meio ambiente, a questão indígena, etc. São questões sensíveis à maioria das pessoas e que muita gente acaba se aproveitando desta sensibilidade para criar um discurso falso em cima do assunto. Acho até um pouco desonesto você estar mais preocupado com seu próprio trabalho do que com a questão importante com que você está lidando. A meu ver importa que o que você faz mobilize para uma conscientização sobre aquilo que você está cobrindo seja guerra, meio ambiente, a questão indígena ou o drama dos refugiados. Seja lá o que for. O objetivo é criar consciência sobre o assunto. Não é o cara chegar e olhar a foto e falar que lindo, que lindo! E daí? O que você faz com isto? Existe uma confusão muito grande entre fotografia ambiental e fotografia de natureza. Fotografia ambiental é o uso que você faz da fotografia.“

Rogério Assis nasceu na década de 60 e nos anos de 1980 frequentou as primeiras oficinas de fotografia de Miguel Chikaoka em Belém, onde também fez trabalhos para o Museu Emilio Goeldi e para a Funai. Em São Paulo trabalhou na Angular, na Agência Estado, na Folha. Morou em Nova York, onde trabalhou no ICP, International Center of Photograpy. Criou a Editora Mandioca onde publicou a revista Pororoca. Também participou de  publicações da Editora BEI. Até onde se sabe, foi o primeiro fotógrafo a registrar os Zo’é – povo de língua tupi que habita o noroeste do Pará, trabalho publicado em 2013, pela Editora Terceiro Nome, também com direção de arte de Ciro Girard.

Mato? É editado pela Editora Olhavé, tem 116 paginas, capa dura, impressão offset em papel alto alvura 150g, tiragem de 500 exemplares. São 58 fotos editadas em 29 dípticos. Custa R$ 90,00 e pode (e sendo possível, deve, porque além e apesar de tudo o que Rogério Assis defende nesta entrevista, o livro é muito bonito ) ser comprado no site loja.olhave.com.br.

*Hélio Campos Mello é fotojornalista. Co-Fundador da Brasileiros Editora Ltda.

 

A pornografia surgiu em um museu

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Arelação entre pornografia e museu teve início em fins do século 18, portanto muito distante do debate público instaurado a partir da exposição “Queer Museu”, no Santander de Porto Alegre, que prosseguiu com o Panorama, no MAM, o Museu de Arte Moderna, de São Paulo, e, mais recente com a mostra “Histórias das Sexualidades”, no Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Em cada um desses locais, especialmente nos dois primeiros, o debate teve uma máscara de pós-verdade, já que as acusações em ambas as mostras eram de apologia a zoofilia e pedofilia, o que era um evidente exagero.

Já no Masp, a direção do museu preferiu sair na frente do debate, ela mesma já considerando a mostra proibida a menores de 18 anos, mesmo com a presença dos pais, uma proteção exagerada, concebida por advogados, conselheiros externos à instituição.

Estes episódios, ao longo de 2017 e começo de 2018 continuam, mesmo que subliminarmente, pairando no ar e orientando decisões de curadores e diretores de instituições.

Não é a primeira vez que sexo é escondido em museus. Quando das escavações em Pompéia, na Itália, entre 1755 e 1857, em que surgiram os afrescos e objetos com conteúdo sexual, espalhados pela cidade inteira, e não apenas confinadas em câmaras nupciais, as autoridades deram-se conta que precisavam reunir essa coleção de alguma forma. Por isso foi criado o Museu Secreto, por ordem de Carlos III de Bourbon.

Essa história é contada por Paul Preciado, no Caderno VB “Alianças de Corpos Vulneráveis”, editado pelo peruano Miguel López, já há dois anos. Esse texto, “Museu, lixo e pornografia”, faz parte agora de uma compilação publicada pelo Museu de Arte Latino-americana, o Malpa, no início desse ano, intitulada “El museo apagado” (o museu apagado). Mais atual, impossível. O pequeno livro reúne três ensaios de Preciado, entre eles o que conta a história do Museu Secreto. “De acordo com o decreto real, somente homens da aristocracia – nenhuma mulher, nenhuma criança, ninguém das classes populares – podiam ter acesso ao espaço”, relata o ensaísta, encarregado do programa publico da documenta 14, Parlamento dos Corpos.

Foi nesse contexto, segue ele, que “o historiador alemão C.O.Müller usou, pela primeira vez, a palavra ‘pornografia’ para se referir aos conteúdos do Museu Secreto”. Portanto, é confinada e dentro de um museu que surge ideia de pornografia, criando uma narrativa torpe sobre sexualidade, o que certamente tem uma relação com as manifestações histéricas contra as mostras realizadas no Brasil. Parece já ter se tornado senso comum que o posicionamento do Masp não foi digno de uma instituição dessa estatura. O genial no livro do Malba está em reunir a questão da pornografia com a nova configuração dos grandes museus, no texto que encerra o volume, intitulado “El Museo apagado”. Nesse texto, Preciado aponta as atuais tendências de grande museus como o MoMA, de Nova York, ou o próprio Masp, que é “transformar inclusive o visitante local em turista da história do capitalismo globalizado”. Não por acaso, essas instituições se validam de grandes nomes, como Picasso, Van 74 Gogh ou Toulouse-Lautrec, que foi o blockbuster do ano no museu paulistano. “Este novo museu barroco-financeiro produz um significado sem história, um único produto sensorial, continuo e liso”, define Preciado.

Quem viu “Histórias das Sexualidades” percebeu como a mostra não tem libido, não tem desejo, é um sexo reduzido a pedaços de corpos. Dentro desse cenário confuso, onde manifestantes são manipulados e instituições se protegem como fortalezas, a saída parece ser uma só, ao menos para Preciado: “Apagar as luzes para que, sem possibilidade alguma de espetáculo, o museu possa começa a funcionar como parlamento de outra sensibilidade.”


El museo apagado (Colección Posmuseo)
por Paul B. Preciado
Malba, Buenos Aires, 2017
64 páginas. 19 x 13 cm.
ARS 200
tienda.malba.org.ar

“León Ferrari foi um catalisador de uma posição política forte na arte”

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Convidada da conferência León Ferrari: valor de culto e valor de exposição, realizada pela Galeria Nara Roesler, https://nararoesler.art/, no auditório do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), Victoria Noorthoorn falou para o PáginaB! sobre sua convivência com Ferrari, artista argentino que morou no Brasil por quase 15 anos e suas percepções sobre a recepção da obra do artista.

Noorthoorn é diretora do Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (MAMBA-www.museomoderno.org , e teve importante papel na participação de Ferrari na Bienal de Veneza de 2007, na qual o artista foi consagrado com o Leão de Ouro.

A conferência aconteceu no dia 12 de abril e teve apoio da SP-Arte e da revista ARTE!Brasileiros.

Além dela, a galeria Nara Roesler realiza atualmente duas exposições do artista argentino, em São Paulo e em Nova Iorque, com curadoria de Lisette Lagnado. Saiba mais sobre as mostras na matéria León Ferrari, por um mundo sem Inferno, publicada na ARTE!Brasileiros 42.

Além de Victoria, participaram do evento Regina Silveira, Pablo León de La Barra (Guggenheim), Anna Ferrari (Fundação Augusto e León Ferrari Arte e Acervo -FALFAA) e a curadora Lisette Lagnado.

O Brasil e suas grades

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*Pedro Ambra

Debater o encarceramento em massa pode, à primeira vista, parecer uma discussão sociologicamente secundária. Afinal, nossas ideias sobre a prisão parecem orbitar quase sempre ao redor de questões individuais ou morais, haja vista o tipo de narrativa midiática criada ao redor das prisões da operação Lava-Jato. Mais ainda, a solução de problemas sociais — tais como a violência e a guerra às drogas — encontraria sua redenção em políticas de encarceramento mais efetivas e extensas.

Independentemente das discussões e ou investimentos pragmáticos para resolver a questão carcerária no Brasil, esta tem sido uma guerra perdida. Hoje a nossa população carcerária é considerada a terceira do mundo.

Nesse contexto, apontando a insustentabilidade de um discurso ideológico falido, Juliana Borges formada em Letras na Universidade de São paulo e pesquisadora, desenvolve uma análise dos propósitos da política carcerária no Brasil em seu recém-lançado O que é encarceramento em massa? (Editoras Letramento & Justificando, 2018).

Na obra, de caráter introdutório, a autora demonstra de que forma, com a terceira maior população carcerária do mundo, o país dá a ver sua racionalidade punitivista não propriamente em relação às infrações cometidas, mas como uma forma brutal de controle social e dos corpos. Assim, indaga “Como se estabelece crime e criminoso? Como e sob quais interesses se define o que deve ser tornado ilegal e criminalizado?” (p. 21) e não se apega a respostas dadas de antemão seja pela militância, seja pela academia.

Seu primeiro capítulo apresenta os componentes ideológicos que sustentam o encarceramento, e as bases do processo histórico de construção do sistema prisional. Se o conteúdo dessa breve análise é a explicitação da naturalização com a qual o senso comum encara a lógica carcerária, sua forma começa a apresentar componentes interessantes e centrais para o propósito metodológico do livro: nele mesclam-se dados estatísticos e históricos, análises de autores clássicos, como Foucault e Althusser bem como o de intelectuais negras de peso, como Carneiro e Akotirene. Desde o início da obra, a autora se propõe a fazer uma análise interseccional, ou seja, que articule as dimensões de gênero, raça e classe de maneira dialética, sem hierarquiza-las a priori. No entanto —  diferentemente de algumas discussões atuais que tomam a interseccionalidade como objeto — a autora propõe algo notável que é eleva-la à categoria de método. Em outras palavras, Borges realiza a interseccionalidade e o faz a partir de um objeto que a princípio lhe seria alheio, o encarceramento no Brasil. Não deve causar espanto, portanto, que o livro insira-se na coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro: acompanharemos, ao longo de seus capítulos, a construção da especificidade de sua problemática fundamental, o encarceramento da mulher negra, e todas as consequências de tal postura analítica.

O segundo capítulo pontua algumas das particularidades da escravidão no Brasil, os componentes básicos do mito da democracia racial e, principalmente, as modalidades de perpetuação do racismo, posto que “algo tão fundamental no processo de formação não some em um piscar de olhos pela simples destituição da monarquia e por pretensões modernizantes.” (p. 53) Longe de se tratar de uma discussão que alguns nomeariam como “identitária”, somos convidados a enxergar a incidência dessa análise sobre os pilares de estruturação da sociedade brasileira, seus pontos nevrálgicos e a cartografia de silenciamentos que a acompanha. Pela análise do nascimento do sistema judicial no Brasil, constatamos como as bases da lógica carcerária são inseparáveis de um projeto racista e genocida, perpetuado no coração do direito criminal e da racionalidade que o rege, mesmo após o tardio e inconcluso processo de abolição da escravidão. De escravo a vadio criminoso, o lugar social do negro muda de nome, mas não em opressão. A autora sublinha que, por meio da imigração europeia, o projeto eugenista no país teve como uma de suas chaves a incidência do branqueamento na mão de obra com impactos distintos para homens e mulheres. Ao negar-se aí a possibilidade de ascensão social pelo trabalho “mulheres negras acabaram como lavadeiras, quituteiras e empregadas domésticas, ainda sob o contexto de superexploração. Aos homens negros sobrava, portanto, o enquadramento nessas leis criminalizadoras.” (p. 79)

Mas a articulação entre gênero, raça e classe ganha seu ponto alto no terceiro capítulo, no qual é introduzida a componente contemporânea da análise: a guerra às drogas. Se, de fato, a população carcerária masculina é numericamente muito superior à feminina, a política de incremento no encarceramento incide sobremaneira nas mulheres. “Entre 2000 e 2014, houve um aumento 567,4% no contingente de mulheres encarceradas, enquanto que o aumento entre os homens foi de 220%” (p. 90), população essa composta em sua grande maioria por mulheres negras. Borges nota que esse aumento coincide com o período da aprovação da Lei de Drogas, que teve impactos diretos no encarceramento e em suas especificidades de raça e gênero. “62% das mulheres encarceradas estão respondendo a crimes relacionados às drogas, enquanto que entre os homens esse percentual cai para 26%.” (p. 98) A autora salienta que os critérios para tal enquadramento — traficante ou usuário — dão-se em função da raça e da classe e, portanto, servem aos propósitos da manutenção estrutural do extermínio da população negra.

Tal quadro desolador não impede que Borges proponha, no capítulo que fecha a obra, um verdadeiro chamado à luta e à imaginação de um futuro sem prisões. Ao retomar e alinhar-se a toda uma tradição feminista negra interseccional, a autora sublinha que só a radicalidade do pensamento e da ação que toma a mulher negra como sujeito pode promover um verdadeiro abolicionismo que liberte a todas e todos. À maneira de Mbembe e Buck-Morss, Borges proporciona uma espécie de travessia da identidade, na qual compreendemos que enquanto nossa razão, nossas emoções e as estruturas que as produzem estiverem atrás das grades do racismo e do machismo, nenhuma universalidade será possível ou verdadeira.

*Pedro Ambra é psicanalista. Doutor pela USP e pela Sorbonne Paris Cité, é autor de diversos livros e artigos sobre psicanálise, gênero e sexualidade. Colaborador da paginaB.

Bruscky, Marcelle, Milhazes, Zerbini e brasileiros da Segunda Guerra em Londres

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Além de lutar na Itália durante a Segunda Grande Guerra, os brasileiros alheios a batalha em campo buscaram outras formas de intervir no conflito. Cerca de 70 artistas decidiram ajudar os aviadores tupiniquins e, ao mesmo tempo, melhorar os ânimos do outro lado do oceano Atlântico.

A história é no mínimo curiosa. Foram 168 fotos enquadradas pelos próprios artistas para baratear os custos e facilitar a vida da Royal Academy. Tudo que pediam os brasileiros eram 25 libras para custear o transporte das obras para o Reino Unido. Entretanto,  a proposta esbarrou na própria Royal Academy, que não gostou das fotos e se recusou a exibi-las.

Segundo reportagem do “The Guardian”, os próprios artistas não haviam gostado dos resultados. Aparentemente gostar ou não das obras “não era o ponto”. Após um ano de negociações, em novembro de 1944 as obras viajaram o país-ilha e em pouco tempo morreram no esquecimento dos acervos em diversas cidades britânicas.

De volta à superficie

Nos anos 40, salvo raras exceções, os europeus não tinham a menor idéia do que fazer com a arte latino-americana. Hoje, a demanda pela arte brasileira contemporânea é outra. Inúmeras galerias inglesas, francesas, espanholas, portuguesas e alemãs participam das feiras latino-americanas, colecionadores e museus estudam o modernismo e varios dos nossos artistas participam de mostras e ganham prêmios na Bienal de Veneza. 

É nesse clima que, funcionários da embaixada brasileira em Londres, decidiram reunir obras de 20 dos artistas do projeto original da Segunda Guerra e, após uma extensa pesquisa, montar neste ano, a exposição A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para a Guerra. A curadoria é de Adrian Locke, curador oficial da embaixada, responsável pelo intercâmbio e a promoção cultural. A exposição foi montada na Sala Central de Arte Brasileira, espaço integrado a própria embaixada, em Westminster, no centro da cidade.

Isto veio a calhar num momento em que renomados brasileiros contemporâneos abrem na cidade ao longo do ano.

Cinthia Marcelle, cuja obra deu o Prêmio ao Pavilhão do Brasil na 57 Bienal de Veneza está no Modern Art Oxford com a instalação “A família em desordem: verdade ou desafio”. 

Luiz Zerbini que abre em junho na South London Gallery e Paulo Bruscky na Richard Saltoun, até fins de maio, fazem sua primeira individual na UK. O coletivo OPAVIVARÁ! apresentará suas redes coloridas na Tate Liverpool. 

Rio Azul”, da artista plástica fluminense Beatriz Milhazes, está aberta para visitação desde 14 de abril na White Cube Gallery Bermondsey

“Eu quero provocar movimentos ópticos, perturbar a visão”, diz Milhazes. Cada peça foi projetada com múltiplas camadas de cores. Conseguindo um denso processo de estratificação física e conceitual as obras empregam uma abundância de forma e cor para oferecer uma experiência visual vertiginosa.  Milhazes chama essa interação entre as peças e o público de “Diálogo entre Simbolismo e Materialidade”. 

Junto da mostra com esculturas, colagens e pinturas é apresentada sua primeira e única tapeçaria, realizada especialmente para a mostra.

Enfim, não precisamos de uma guerra para estar, agora sim brilhantemente representados.

O cinema segundo Nelson Pereira dos Santos

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Aos 83 anos, o cineasta paulistano Nelson Pereira dos Santos vive a rotina extenuante de cabines de imprensa, pré-estreias e um sem-número de entrevistas para a divulgação nacional do aclamado documentário A Música Segundo Tom Jobim, um comovente testemunho audiovisual da obra universal do maestro carioca, assinado por ele e Dora Jobim, neta de Tom. O filme rendeu uma continuação, A Luz do Tom, reunindo depoimentos de três mulheres importantes na vida do maestro: a irmã Helena, a primeira mulher, Thereza, e a segunda, Ana. O longa está previsto para estrear no final do primeiro semestre. Inquieto, Nelson ainda pretende iniciar neste ano as filmagens de seu novo projeto ficcional, dedicado a um dos grandes símbolos da história do País, o imperador D. Pedro II.

Com uma frenética agenda, o autor de clássicos da nossa cinematografia, como Rio 40 Graus, Vidas Secas e Memórias do Cárcere, nos concedeu a entrevista a seguir, que seria feita por e-mail – sim, Nelson também é um entusiasta dos meios eletrônicos –, acabou sendo registrada por telefone, ao longo de quarenta minutos, de forma objetiva e lúcida.

O cinema parece trazer a ele uma eterna juventude (Nelson, imortal desde 2006, ocupa a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras). E é essencialmente sobre o cinema brasileiro, suas próprias experiências e impressões da indústria que ajudou a estabelecer que, a seguir, ele fala com entusiasmo.

Brasileiros – Quando você se envolveu com o Cinema Novo, já havia feito filmes importantes, como Rio 40 Graus e Boca de Ouro. Como se deu essa aproximação?
Nelson Pereira dos Santos – Quando fiz Vidas Secas, em 1963, já havia rodado outros quatro filmes. Fui cooptado por essa nova geração de cineastas, numa boa, pois defendíamos que o cinema brasileiro começasse a discutir a realidade social do País. Isso, na época, virou até moda. Todos procuravam dar alguma contribuição nesse sentido, porque havia também a situação política, que exigia uma tomada de posturas. A pressão sob os intelectuais para lutar pela liberdade de expressão e contra a ditadura era muito grande. Mas o Cinema Novo não tinha um pensamento homogêneo, muito menos uma face única. Era um grupo de amigos que fazia cinema, cada um com suas próprias afirmações culturais, estéticas e políticas.

Brasileiros – Que conquistas essa geração trouxe ao cinema do País?
Vejo como grande conquista – digamos assim, na falta de outra palavra – o fato de termos acabado com o enorme preconceito contra a nossa própria realidade. Outro importante avanço foi a discussão étnica que propusemos, porque, no Brasil, pelo cinema que se fazia, era cabível concluir que não havia negros. Os poucos papéis dados a negros eram de empregados, como na Hollywood dos anos 1940. Personagens vinculados à realidade brasileira e sua problemática foram aparecer aqui somente com o Cinema Novo. Hoje, é fluente a presença e a variedade étnica na produção brasileira. Naquele tempo, havia certa censura do próprio mercado. Diziam: “Ah, mas esse filme não vai dar dinheiro, filme com negro não dá dinheiro”. Havia uma série de preconceitos, horríveis, felizmente superados.

Brasileiros – Havia também uma grande convergência de influências entre vocês…
Leon Hirszman, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade foram expoentes de uma geração cinematográfica. Minha turma era a do Neorrealismo italiano e do Buñuel. A geração deles surgiu sob a influência do Godard e de toda a Nouvelle Vague francesa. Hoje, temos um cinema pluralista, bem diferente dessa época, que reunia uns 15, 20 diretores em atividade. Só na escola de cinema da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que ajudei a fundar no século passado, saem 30 jovens formados por ano. Outras escolas de cinema do Rio, São Paulo, Porto Alegre e de quase todo o País também têm formado cineastas bastante capacitados.

Brasileiros – O que pensa sobre os embates estéticos entre o Cinema Novo e o Cinema Marginal na transição da década de 1960 para os anos 70?
Apesar da aparente anarquia, o Cinema Marginal promoveu avanços no plano estético e na expressão da linguagem cinematográfica por aqui, como fez a Nouvelle Vague na França. Influências essas que ainda estão impregnadas em nossa produção. É possível identificar tendências do Cinema Novo e do Cinema Marginal em muitas obras recentes produzidas em todas as regiões do Brasil – nos filmes de Cláudio Assis e de Lírio Ferreira, por exemplo, dois jovens diretores de que gosto muito. Aliás, o cinema pernambucano tem uma personalidade fortíssima e essa é outra característica atual da nossa produção. Ou seja, ela deixou de ser feita apenas no eixo Rio-São Paulo. O cinema brasileiro, hoje, é tematicamente plural e expressa identidades regionais diversas.

Brasileiros – Durante as décadas de 1970 e 80, o Estado subsidiou uma nova indústria, via Embrafilme, mas, paradoxalmente, esse foi um período em que o cinema brasileiro produziu muito e distanciou-se do grande público…
N.P.S. – Os anos 1970 foram um período de crescimento acentuado da indústria. Foram criados organismos de apoio oficial ao cinema, projetos ambiciosos, como o Conselho Nacional de Cinema, que incentivou o surgimento de empresas de produção, coprodução e distribuição. Na década de 1980, essa mesma indústria passou a ter complicações, decorrentes da enorme inflação e de nossa frágil economia e chegamos ao ponto em que o Collor assumiu a presidência e mandou fechar a Embrafilme. Apesar de todos os impasses, esse foi um período importante para a consolidação da nossa indústria, mas houve exageros na legislação, como a cota mínima de 180 dias de filmes brasileiros exibidos por ano no cinema e a obrigatoriedade de exibição de curtas-metragens. Os exibidores, para não pagarem pelo não cumprimento da lei, começaram a coproduzir qualquer porcaria. Uma aberração. Um erro político crasso e paternalista, que só ajudou a formar uma opinião pública contrária ao cinema brasileiro.

Brasileiros – Nos últimos dias, o sucesso mundial da música Ai, Se eu Te Pego, do cantor Michel Teló, tem gerado constrangimento para muitos, por revelar uma faceta supostamente inculta do País. Você produziu filmes enaltecidos pela crítica, mas nunca teve problemas em lidar com a cultura de maior acento popular, como no filme Estrada da Vida, sobre a dupla Milionário e José Rico. O que pensa disso?
Existe, sim, grande preconceito contra essa suposta “baixa cultura”. Eu “fui” paulista (Nelson nasceu em São Paulo, em outubro de 1928, mas vive no Rio de Janeiro desde os anos 1960), meu pai era caipira, do oeste de São Paulo, e gostava muito de música sertaneja. Meus irmãos mais velhos se achavam sofisticados, pois gostavam de música americana e não deixavam meu pai ouvir os programas de música caipira no rádio. Simplesmente, o censuravam. Quando me ofereceram o projeto do filme do Milionário e José Rico, fui ver a dupla cantar no Parque São Jorge (o extinto estádio do Corinthians, na zona leste de São Paulo), que estava lotado, com milhares de pessoas. Eu me lembrei do meu pai e vi que este era um dado cultural importantíssimo pela quantidade de pessoas que movia, a tradição e a história que carregava. Quando exibi o filme, fui criticadíssimo, malhado mesmo, mas ele rodou o País e fez grande sucesso.

Brasileiros – A Música Segundo Tom Jobim é essencialmente cinematográfico. Não traz depoimentos, legendas ou informação alguma que não venha de imagens e sons. Ao final, a célebre frase de Tom: “A linguagem musical basta”. Em que proporção o cinema, arte autônoma como a música, ainda basta para você, Nelson?
Sim, o cinema também é uma arte livre, como a música. A minha formação, em todos os sentidos, seguiu uma linha clássica de ter um mínimo enquanto máximo. Fundamentalmente, para mim, conteúdo e forma caminham juntos no fazer cinematográfico. Posso expressar um conteúdo adaptando obras literárias ou partindo de roteiros originais, adotando diferentes linguagens, mas esse mesmo conteúdo pode ser feito de diversas formas. O conteúdo, por si só, já impõe uma determinada forma. Tudo isso, é claro, está dentro da minha cabeça, são conceitos que não existem fora do que eu estou pensando ou sentindo, e sempre me preocupo com a forma ligada ao conteúdo para que ela não se exima, não fique separada. São, para mim, fundamentos indissociáveis.

Brasileiros – Que avaliação você faz da chamada Retomada do Cinema Brasileiro. Ela tem sido eficaz em retratar esse novo Brasil e resgatar nosso passado?
Essa retomada comprova a vitalidade do cinema brasileiro, que havia sido arrancado da nossa história à força. Eu me lembro de uma crônica da Maria Lucia Dahl, naqueles tempos do Collor, em que ela dizia ter topado com uma nova vassoura, em casa, e percebeu que as cerdas tinham uma imagem dela. Eram feitas de filmes reciclados, que os fabricantes compravam como matéria-prima. Um testemunho claro de que acabaram mesmo com o cinema por aqui, mas, dali a pouco, houve um: “Peraí! Não é bem assim…” E surgiu a Lei Rouanet. Em pouco tempo o cinema brotou novamente no País. As margens do Rio São Francisco são caatinga pura, mas se você levar a água do rio até o solo, planta até uva! O cinema brasileiro também precisava desse pouquinho de água, de incentivo de capital e brotou de novo com mais fôlego e mais rico. A coisa mais bonita é ver, hoje, a pluralidade do nosso cinema.

MAIS

Veja, no Youtube, o documentário A Música Segundo Tom Jobim

 

Auritha Tabajara, “Magistério indígena em verso e prosa”

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“Sou mulher que ainda chora; Por tão grande escuridão; Minha essência está aqui; Dentro do meu coração; De um Brasil ensanguentado; Onde ninguém é culpado; Mulher da mesma nação!”

Assim brota da terra cearense, uma das poesias da escritora do povo Tabajara, Auritha. Seu nome ancestral assina os livros, poemas e cordéis da mulher de 38 anos que o homem branco obrigou a registrar como Aurilene. Indígena nordestina-cearense, Auritha calçou o salto alto e desembarcou em São Paulo meio ao caos da maior cidade brasileira.

Logo de cara, a escritora desceu na Avenida Paulista, “me jogaram logo na [Avenida] Paulista quando cheguei, foi um choque. Fiquei tonta olhando para aqueles prédios. Parecia que eu não estava respirando. Quando desci do carro, a primeira coisa que senti foi o peso da poluição”, desabafou.

Sua chegada a capital paulista foi decorrência do termino de um relacionamento. Antes de vir conhecer parentes e pessoas de outros povos indígenas, a escritora vivia em uma aldeia a 370km de distância da capital cearense. Na aldeia em que vivia, o pé no chão era de lei, pelo menos para Auritha. Ela sente falta da liberdade que a natureza oferecia. “Em São Paulo”, diz, “sentia falta de algo nos pés e só depois eu pude entender que não poderia esquecer meus ancestrais ou me distanciar deles”.

“Para pisar no chão, tem que pisar com firmeza. É diferente pisar no chão da aldeia e no chão da cidade”

O próprio processo criativo da autora de “Magistério Indígena em Verso e Poesia” perdeu um pouco de sua liberdade, porque Auritha escreve às madrugadas debaixo de alguma árvore que lhe pareça agradável. Porém, na cidade grande, cheia de muros que navegam entre o cinza, o pixo, o graffitti e o lambe-lambe, é difícil sentar ao pé de arvore, ainda mais sem por em risco a própria segurança.

Publicado em 2010, seu livro, como o próprio nome diz, nasceu no magistério cursado no estado natal. A obra nasceu já no primeiro dia de estudos. Após a aula, Auritha transformava seus relatórios em cordel, estilo que chamava sua atenção desde que aprendeu a ler e escrever, aos 9 anos. Hoje, “Magistério Indígena em Verso e Poesia” foi adotado pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará como obra obrigatória nas escolas públicas.

A mulher indígena

Auritha é neta de uma das maiores contadoras de história do povo Tabajara, Francisca Gomes. Ela segue os passos da avó e também promove contaçōes de histórias para manter viva a cultura oral de seus ancestrais. Além disso, ela também é curandeira, utiliza o conhecimento passado através das gerações e das ervas e plantas para cultivar os costumes Tabajara. Assim como a avó, Auritha transpira sabedoria mesmo nos momentos em que as palavras fogem e falta o ar.

Em São Paulo, Auritha leva sua contação de historias para as salas de aulas de diversos colégios. Em uma dessas ocasiões, ela precisou lidar mais uma vez com os preconceitos e sensos comuns. Ao aparecer na porta da sala de aula, Auritha observou a professora dizer “A índia chegou, não precisam ter medo”. Já surpresa, o pior aconteceu ao entrar na sala, “como é que o índio faz? Nós treinamos, lembram?” continuou a professora. Os alunos, em coro, reproduziram os sons erroneamente atribuídos à povos indígenas. Embaraçada e desanimada, Auritha reuniu forças e contou sua história.

“Nesse dia eu fiquei quase sem querer contar a minha historia, de pensar que aquelas crianças já tinham aquela visão do índio. O Daniel [Munduruku] diz que quem quiser mesmo saber o que é um índio precisa buscar na tabela periódica, porque somos um metal.”

Isso [Índio] é apelido que nos deram. Isso não existe.

Questionada sobre dificuldades no setor editorial, Auritha afirmou categoricamente nunca ter sofrido discriminação de gênero em sua aldeia ou por parte de pessoas de outros povos. Porém, relatou dificuldades ao chegar em São Paulo. Estudando para ingressar pela primeira vez em um curso superior, a escritora e uma das integrantes do Conselho de Povos Indígenas da Cidade de São Paulo, sofreu racismo. “No primeiro dia de aula no cursinho pré-vestibular da PUC, me apresentei como nordestina, como mulher indígena e ouvi risadas. Depois, um colega de sala me procurou para perguntar, entre outras coisas, o que eu estava fazendo aqui em São Paulo?”, contou.

O sonho de cursar Letras foi interrompido ali. “Desisti do curso naquele momento, mas ainda vou me formar”, explicou para a reportagem. Para ela, fazer uma graduação vai além das noções do homem ocidental de empregabilidade. “Precisamos conhecer outros mundos. Principalmente eu que desejo continuar dentro da literatura, os títulos acabam sendo importantes para a sociedade, temos que ter os conhecimentos ancestrais, do nosso povo, mas temos que ter esse conhecimento desse mundo em que temos de estar no mesmo vocabulário, ate para exigir nossos direitos”.

Para Auritha, ancestralidade é tudo. Seu nome, ela explicou, quer dizer pedra de luz. Ela diz que gostaria de ter sido registrada com seu verdadeiro nome, mas comemora ter conseguido registrar sua filha, apesar da resistência do cartório, com o nome ancestral.

“Foi a minha avó, parteira, curandeira e contadora de histórias, quem me pegou nos braços pela primeira vez no mundo. Foi ela quem me chamou de Auritha.”

Agenda: confira os destaques de 21 a 27 de abril

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Lugares do Delírio, coletiva no Sesc Pompeia, até 01/7

Idealizada por Paulo Herkenhoff e curada por Tânia Rivera, apresenta cerca de 150 trabalhos – entre instalações, mapas, performances, pinturas e objetos – de diversos artistas, como Cildo Meireles, Laura Lima, Anna Maria Maiolino, Arthur Bispo do Rosário, Fernand Deligny, Lygia Clark, Raphael Domingues, Gustavo Speridião, Fernando Diniz, Cláudio Paiva, Geraldo Lúcio Aragão e outros. Trata-se de uma reflexão política, ética e estética sobre loucura e arte.



Geraldo de Barros, ‘They are kissing negativo’, 1964

Entre Construção e Apropriação, coletiva no Sesc Pinheiros, até 03/6.

Com curadoria de João Bandeira, apresenta a produção de Antonio Dias, Geraldo de Barros e Rubens Gerchman, nos turbulentos anos 1960, em obras que articulam o legado da arte construtiva no país e elementos apropriados da indústria cultural e da cultura popular urbana, destacando aspectos técnicos, estéticos e suas implicações sociais.



Mestre Didi, ‘Ejo Lorum Keta’, década de 60. | Frans Krajcberg, ‘Sombra V’.

Um Deoscóredes, individual no Museu Afro Brasil, a partir de 21/4.

A exposição Um Deoscóredes – 100 anos do Alapini Deoscóredes Maximiliano dos Santos: Arte e Religiosidade é uma homenagem ao centenário de nascimento de Mestre Didi (1917-2013), Alapini do Ilê Asipa e filho de Mãe Senhora (1890-1967) – iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. A mostra celebra a obra de fôlego inesgotável e as tradicionais e potentes esculturas do artista, produzidas com materiais naturais como búzios, sementes, couro, nervuras e folhas de palmeira.

Didi também é tema de exposição na galeria Almeida e Dale, com Mo Ki Gbogbo In – Eu saúdo a todos, até 26/5. O Museu Afro abre mais quatro exposições no próprio dia 21/4, são elas: Um Frans, a natureza – Exposição em memória de Krajcberg: Esculturas, relevos e fotografias; Os Africanos – O olhar europeu da fotografia contemporânea; África Contemporânea e África e a presença dos espíritos. Todas elas, inclusive Um Deoscóredes, têm curadoria de Emanoel Araújo.



Luiz Roque, ‘Geometria Descritiva’, 2012, videoinstalação

MitoMotim, coletiva na Videobrasil, até 28/7.

Realizada a partir de uma ampla pesquisa no Acervo Histórico Videobrasil, a exposição MitoMotim tem curadoria de Júlia Rebouças e busca refletir sobre a representação da identidade nacional e a capacidade da arte de se contrapor às ordens instituídas.

A curadoria recorre às ideias de mito e motim, articuladas como um palíndromo no título da mostra, para debater os modos e as possibilidades de insurgência diante de cenários de instabilidades sociais e refletir sobre o Brasil do momento presente. A partir da leitura em dois sentidos, é como se a ideia de motim na arte, ou por meio dela, fosse desafiada como uma mitologia, ao passo que se propõe o motim dos mitos, ou a desconstrução de nosso ideário de país.



Abraham Palatnik, ‘W’, 2018

Abraham Palatnik: Em movimento, individual na Nara Roesler do Rio de Janeiro, a partir de 24/4

A exposição demonstra o pleno vigor do mundialmente reconhecido mestre do movimento e da luz, ao apresentar como obra central um inédito Objeto Cinético em grandes dimensões (205 x 226 x 40 cm), realizado em 2018. A obra em destaque simboliza a continuidade de uma extensa pesquisa à qual o artista se dedica ao longo de sua carreira, tornando-se, após justo revisionismo histórico, uma referência no campo da arte cinética e óptica.

Nesta mostra de Palatnik estão reunidos outros trabalhos também de sua produção mais recente: relevos sobre acrílico, sobre madeira, da série W, e sobre papel cartão, que passaram a receber uma camada de tinta spray na superfície. São peças bidimensionais que alcançam profundidade e dinamismo devido à composição de padrões rítmicos, por meio cortes sequenciais, que remetem a ondas de caráter irregular, características formais que conectam à genealogia da produção de Palatnik a partir dos anos 1960.



Luiz Hermano, ‘Dobrada’, 2016

Trapézio: Luiz Hermano, individual no Sesc Santo Amaro, a partir de 21/4.

 

O artista cearense Luiz Hermano, representado pela Galeria Lume, apresenta uma instalação inédita com diversos trabalhos. Com curadoria de Cauê Alves, a exposição pretende apresentar o desenvolvimento criativo do artista. A mostra faz parte do projeto Desdobramentos, realizado pelo Sesc. As diversas obras que vieram compor a exposição partem do estudo da ciência das formas, tamanho e propriedades do espaço: a geometria.


Festival Serrote, conversas no Instituto Moreira Salles de São Paulo, nos dias 21 e 22/4.

serrote, revista de ensaios do IMS, promove conversas com escritores, jornalistas, pesquisadores e críticos sobre literatura, arte, política e sociedade, e uma sessão da serrote ao vivo com leituras, música e artes visuais.


 


 


 

Democracia?

Quando estourou a última onda de revoltas no mundo árabe, me fizeram muitas vezes a pergunta que naquele momento apareceu, aos olhos de muitos no Ocidente, como uma das mais intrigantes: será possível a democracia no mundo árabe e no mundo muçulmano? A formulação mais direta e mais comum era: Islã e democracia são coisas compatíveis?

Eu respondia – com razão, acho – que sim; que não havia  por que imaginar que determinadas sociedades, humanas como todas as demais, não tivessem anseios por, entre outras coisas, liberdade e participação, e não tivessem condições de construir sistemas em que esses anseios fossem atendidos.

Apenas, pensava eu, a democracia que essas sociedades construiriam teria as marcas que lhe seriam próprias. Ela não poderia ser imposta ou importada sem que a palavra mesma perdesse significado.

Alguém me disse então que eu respondia assim porque não sabia o que era democracia. Esta verdade dita deste modo, sem misericórdia, abriu diante de mim o fosso da minha própria ignorância. Eu até podia ter razão sobre a impossibilidade lógica de uma democracia ao mesmo tempo democrática e imposta, ao mesmo tempo genuína e imitação desajeitada, mas o que, afinal, é a democracia?

Você que está lendo, saberia dizer?

A minha perplexidade com a coisa vem de longe. Desde a escola, talvez até mais desde as salas de cinema que eu frequentava com mais gosto, nos acostumamos a representar a democracia ateniense como o começo de todas as coisas boas e como superior à disciplina e ao autoritário de Esparta – a Esparta de abdômen definido só fará bonito, nos quadrinhos e nos filmes, contra os persas, aqueles vilões usuais de turbantes e rostos indefinidos.

Era preciso fazer um esforço para lembrar que aquela era um democracia exclusivamente de homens e de cidadãos, uma democracia de senhores e escravos.

Mais perto de nós no tempo, o modo como muitos europeus e outros ocidentais articulavam seu otimismo em relação à democracia turca causava em mim, a cada vez, uma surpresa confusa. O argumento era que naquele país o que garantia a continuidade democrática era a ameaça constante de um golpe militar: qualquer desvio antidemocrático seria corrigido pela ação violenta das forças armadas que viriam reconduzir a democracia a seu curso natural!!

O estranhamento causado pela imagem evocada, que mesmo para quem não entende nada de democracia pode parecer razoavelmente absurda, só fica um pouco mitigado quando se percebe que o que se quer dizer é que os militares seriam a garantia da laicidade, que eles constituiriam a defesa contra a islamização da política turca. Interessante a ideia subjacente de democracia, incompatível com o Islã mas não com um golpe de Estado.

E nos dias que correm a Turquia nos brinda com novas charadas democráticas. Em tempos de expurgo em massa de militares, juízes, promotores, professores e jornalistas, de uma evidente escalada autoritária e de uma crescente islamização da estrutura de poder, o presidente responsável por tudo isso conhece uma popularidade sem precedentes que o faz imbatível em qualquer processo eleitoral. Democracia e a voz do povo podem se desencontrar?

Mas o meu enigma favorito em relação à democracia é outro. Olho com admiração para os países que conhecem, em seus sistemas internos, os traços do que imagino seja a face da democracia à ocidental que se quer universal –  a esta altura, denunciada a minha ignorância, só me é licito imaginar…: eleições livres, alternância no poder, laicidade, participação, liberdades – com uma ou outra exceção para o burquini circunstancial -, alto grau de segurança jurídica. Não direi igualdade ou justiça social porque seria pedir muito.

Apenas, a admiração dá lugar ao espanto quando lembro que, enquanto operavam essas belas construções em casa, esses países se dedicavam à exploração colonial de outros povos, e quando vejo que ainda hoje, enquanto vendem barato o discurso da democracia, não fazem mais do que exercer, ou tentar, uma dominação de que os ditadores amigos ou os eleitos complacentes são os instrumentos, e cujos adversários merecem uma primavera que os venha arrancar de seus tronos.

Li em algum lugar, e me soou verdadeiro, que desde o início dos tempos a liberdade de uns se dá à custa da servidão de outros.

E, como diz a canção, pra não dizer que não falei de flores… Alguém me disse que a democracia representativa estava morta em todos os lugares, que os parlamentos já não cumprem a sua missão e, completava com a demonstração cabal, “veja o nosso Congresso…”

Ora, nosso Congresso anda bastante ocupado. A pergunta é se está cumprindo seu papel em relação à democracia brasileira. Afinal, quando todos os ritos e procedimentos tiverem sido cumpridos, quando todos os discursos, a despeito de ferirem de morte a gramática, tiverem sido proferidos a contento dos oradores e quando os votos estiverem contados, poderemos dizer que uma presidente foi eleita pelo voto popular mas foi derrubada por uma espécie de golpe democrático?

X-Range, um poema sobre o espaço

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Os artistas habitam formas culturais e sociais. Os ateliês se convertem em fenômenos da memória e provocam reflexões sobre o espaço. Regina Vater é uma das pioneiras da vídeo arte e instalações no Brasil, mas se manifesta por meio da fotografia e da poesia visual para criar X-Range, reedição do livro publicado em 1977, em Nova York. A artista irrompe segredos por meio dos objetos espalhados ou organizados no espaço doméstico de quatro artistas: Hélio Oiticica, John Cage, Lygia Clark e Vito Acconci, todos seus amigos e, na época, morando no exterior.

A artista toma o espaço “como um instrumento de análise para a alma humana” como diz Gaston Bachelard, conceito que tangência X-Range. Tudo casual, porque Vater criou o livro muito antes de ter lido o pensador francês. A artista carioca discute a poética do espaço sobre as imagens desencadeadas a partir de diferentes espaços. Busca a origem e chega a uma fenomenologia da imaginação, ao visitar dezenas de casas de artistas, ateliês e escolher entre eles quatro para compor esse livro de formato inusual, feito em papel craft.

Regina tenta encontrar a presença na ausência, assim como em outros de seus trabalhos. “Ao longo de X-Range, procuro registrar, de maneira poética, como um indivíduo ou grupos de indivíduos lida com o espaço doméstico”. A artista não se prende a territórios e, onde quer que esteja, aborda o tempo e a temporalidade dos espaços como material poético. “O que me interessa é essa poesia cotidiana que o ser humano imprime ao seu entorno por meio de gestos, exposição de seu modo de ser e viver”.

Cada artista visitado recebeu um poema criado pela artista, com a impressão de partes de seu corpo e intervenções como rasgos, dobras ou pedaços de papel colados com fita adesiva. Dos 30 exemplares editados em 1977, resta apenas um, guardado por ela. O poema visual dedicado a Hélio Oiticica se transforma em performance gráfica ao mostrar uma espécie de “ninho”, com a impressão do corpo de Regina, rasgado e colado sobre ele. A nova edição mantém a performance nos 1.500 exemplares.

Paralelamente à edição do livro, produzido pela Ikrek, Regina realizou a retrospectiva Oxalá que dê Bom Tempo no MAC, de Niterói, com 70 obras, entre instalações, desenhos, séries fotográficas e vídeos. O conjunto aborda temas ligados à mulher, corpo, natureza, com curadoria de Pablo León de La Barra e Raphael Fonseca. O destaque fica para Tina América, de 1976, um dos trabalhos com forte referencial frente ao posicionamento da mulher na sociedade. A mostra é um resgate importante da obra de uma das artistas representativas da arte contemporânea brasileira.