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o que estamos fazendo aqui? Acompanhando uma infindável quantidade de guerras
                            cotidianas, uma guerra de notícias, vindas de todos os cantos do planeta, fake news cada
                            vez mais frequentes, informações que revelam uma polarização de ideias – políticas, reli-
                            giosas, sociais – que operam e acreditam em civilizações diferentes.
                               Os lugares da batalha estão demarcados, há séculos, e foram retratados nas tragédias
                            épicas da literatura e da arte. E nessa batalha sempre houve um setor da humanidade que
                            pulsa pela vida e outro que pulsa pela morte.
                    por patricia rousseaux, diretora editorial     EDITORIAL
                               Entendemos a vida como parte da defesa de nossa civilização, o respeito pelo outro,
                            pela natureza, pela evolução do conhecimento, da ciência, pela valorização da cultura. Do
                            outro lado se articulam a censura, os cancelamentos, as inverdades, a catequização, o viver
                            no excesso, a despeito da falta de tudo para o outro.
                               Com a tecnologia, o que mudou é a forma como enxergamos tudo isso, a velocidade
                            e sua dimensão universal.
                               Esta edição traz vários artigos, entrevistas e reportagens que retratam, a partir de dife-
                            rentes ângulos, diferentes formas de violência que se repetem e, ao mesmo tempo, como
                            a arte e a cultura, ao longo da história, driblam e jogam na defesa e no ataque, fazendo da
                            repetição o lugar do possível.
                               Em Paradoxos da Repetição, a psicanalista e escritora Dominique Fingermann sustenta:
                              “Não existe assunto mais eminentemente clínico para um psicanalista do que o proble-
                            ma da repetição. Motivo de tantos lamentos, a repetição parece estruturar nossa própria
                            capacidade de sofrer, ela pode conduzir alguém a se engajar na experiência de uma aná-
                            lise, ela pode se tornar o inferno mais íntimo de cada um. (...) Cada análise pode aceder a
                            esse ponto de virada, ou seja, mais além de sua redundância patética ou tediosa, extrair
                            o alcance ético da repetição. Pois, se na psicanálise o fenômeno apresenta-se como um
                            estraga prazer, a filosofia extrai dessa temporalidade paradoxal algo que volta, sempre
                            atual e único, nunca passado, a arte e a música usam seus recursos para produzir o mais
                            novo e surpreendente, e a poesia joga com seu ritmo para lançar mão da sua rima e de
                            sua pulsação própria.”
                               Apresentamos, a partir da página 10, uma histórica correspondência entre o pai da
                            física, Albert Einstein, e o médico e pai da psicanálise, Sigmund Freud. Estas cartas foram
                            publicadas em 1933, em Paris, em inglês, francês e alemão, sob o título de Por que a guerra?
                               As reflexões nelas contidas faziam parte, quase cem anos atrás, das discussões tidas
                            no fórum do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI), fundado em 1926,
                            em Paris, que tinha como objetivo “fortalecer a colaboração entre intelectuais de cultura
                            e nacionalidade distintas, a fim de criar condições propícias ao surgimento de um novo

                            humanismo, com o escopo de respaldar os esforços em prol da paz.” A Alemanha, que
                            se preparava para o futuro imediato da Segunda Guerra Mundial, proibiu sua publicação.
                               Esta nova edição arte!brasileiros se debruça sobre conflitos aos quais continuamos
                            expostos: Fabio Cypriano aborda as Guerras Culturais; Maria Hirszman relembra o Golpe
                            de 1964 e seus ecos, com a entrevista do historiador João Cézar de Castro Rocha, que
                            se dedicou a examinar os discursos da extrema direita na tentativa de compreender as
                            razões do movimento contemporâneo.
                               Jotabê Medeiros escreve sobre a violência religiosa e traz um contundente depoimento
                            do cineasta Luiz Bolognesi. Em uma entrevista a Fabio Cypriano, o artista Mauricio Dias,
                            da dupla Dias & Riedweg, denuncia também a violência catequizadora.
                               A edição traz ainda as obras viscerais do artista maranhense Thiago Martins de Melo,
                            uma reportagem de Leonor Amarante em meio às manifestações das mulheres mexicanas     FOTOS: PATRICIA ROUSSEAUX
                            defendendo seus direitos e os investimentos culturais no Ceará – não só em Fortaleza, mas
                            também em Juazeiro do Norte e no Crato, com a construção do Centro Cultural do Cariri.
                            Iniciativas que emprestam o fôlego necessário para continuar caminhando. Boa leitura!
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