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Usuários de redes sociais cancelam
diariamente escritores; instituições de
ensino, não. Inf uenciadores digitais
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manipulam as emoções alheias;
professores estudam, debatem,
pesquisam, constroem conhecimento

que seja. De fato, o encaminhamento da discussão seguiu de massa próprias às redes sociais é o rebaixamento do
o rumo oposto, segundo deram conta as notícias publi- nível das discussões, quando o seu papel é qualificar
cadas. Provavelmente, chegou-se à conclusão de que o debate, apresentar argumentos fundamentados em
uma universidade não é o espaço adequado à prática de leitura e pesquisa, estimular o pensamento crítico por
cancelamentos. Se assim fosse, o IEL estaria atentando meio do qual se possa discordar de forma democrática
contra a sua missão institucional de preservação da e civilizada.
memória da cultura e da literatura brasileiras, lesando o Usuários de redes sociais cancelam diariamente
direito coletivo de acesso a essa memória. Ali estão os escritores; instituições de ensino, não. Influenciadores
acervos de Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Hilda digitais manipulam as emoções alheias; professores
Hilst e muitos outros artistas e intelectuais que podem estudam, debatem, pesquisam, constroem conheci-
um dia entrar na berlinda como “o cancelado da vez”. mento. O simples fato de essa pergunta ser o tema do
Professores sabem – ou deveriam saber – que debate promovido pelo IEL acena para a admissibili-
acervos são bens de interesse público, assim como a dade da ideia do cancelamento, flerta com ele. Além
universidade. Arquivos em instituições de guarda como disso, organizar uma discussão que já começa por uma
o CEDAE não são “canceláveis”, portanto a discussão, estratégia de divulgação nos moldes dos tribunais de
nos termos em que foi posta, carece de mérito e de censura da internet amesquinha a universidade. Oxalá
cabimento. Por sua missão social e educativa, a univer- o debate tenha sido produtivo e tenha permitido ao IEL
sidade tem o dever de discutir os cancelamentos das sair da camisa de força na qual se meteu.
obras literárias e suas consequências, mas espera-se
Tâmara Abreu
que a condução da discussão parta de uma perspec- (Professora da UFRN)
tiva de compreensão do fenômeno e análise das obras Março/2024
em toda a sua complexidade, considerando-se suas
dimensões estética, social e histórica. 1 Para maiores detalhes sobre a história da criação e da organização do Fundo
Monteiro Lobato no CEDAE/IEL, ver:: Lajolo, M., Bignotto, C., Tin, E., Bastos,
Não se nega o racismo presente na biografia ou na G. S., Chiaradia, K., Camargo, L., Martins, M., Silva, R. A. da ., Abreu, T., &
obra de um escritor ou artista, discute-se. O perigo de Albieri, T.. (2022). De papéis a documentos: Monteiro Lobato (1882-1948) e
outros modernismos brasileiros. Revista Brasileira De Literatura Comparada,
as universidades aderirem a estratégias de comunicação 24(46), 131–142

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