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INTERNACIONAL ENTREVISTA
ECLETISMO MARCA COLEÇÃO CERRUTI
Empresário
italiano deixa
casa com
1.300 obras,
do século 14
ao século 20
por fabio cypriano
é bastante particular a história de uma das uma casa, a curadora aponta um caráter dramático em
coleções mais impressionantes da Europa. Francesco sua constituição. “Esta casa foi uma espécie de teatro
Federici Cerruti (1922-2015) foi um dos mais ricos empre- para o Cerruti, ele nunca viveu lá, não havia sequer gás
sários do ramo gráfico – ele imprimia listas telefônicas na cozinha. Independentemente do período, que vai de
e com elas fez fortuna. Apesar disso, tinha uma vida 1300 até o século xx, as obras eram exibidas em um
quase monástica. Vivia em um apartamento modesto em ambiente doméstico”, explica a diretora.
Turim, perto da empresa. Não casou nem teve histórias E esse “espírito doméstico” foi mantido para evitar
públicas com amantes. Seu passatempo era colecionar, o cubo branco dominante nos espaços expositivos
tanto livros raros, como móveis e arte, o que reunia em típicos do século xx. “O museu de arte moderna criou
uma casa de campo em Rivoli, construída para seus pais, um espaço branco que gera valor para o trabalho, mas
nos anos 1960, mas que se recusaram a morar a lá. Por que também o distancia de sua função que é elaborar
fora, ela tem um desenho modernista, mas por dentro a vida por meio do simbólico, para usar um termo laca-
é como um palácio do século xviii ou xix em miniatura. niano. Então busquei manter esse espírito doméstico”,
Nesta casa, Cerruti dormiu apenas uma vez. Mas diz ainda Carolyn.
era nesse ambiente que ele passava os domingos lendo Ela compara a casa de Cerruti a outro espaço orga-
jornais e apreciando suas obras, que datam do século xiv nizado pelo escritor turco Orhan Pamuk, em Istambul,
à arte contemporânea, cujo nome mais célebre é Andy um museu ficcional criado junto com o livro O Museu da
Warhol. No total, ela abriga 300 pinturas e esculturas, inocência. A diferença obvia é que enquanto no museu
300 móveis e 200 livros raros. de Pamuk os personagens que ele aborda são de fato
Em vida, Cerruti criou uma fundação para manter ficcionais, Cerruti, apesar de todo o mistério em torno
seu acervo – já que ele não teve herdeiros –, e o Castello de sua história, foi ele mesmo que reuniu toda a cole-
di Rivoli foi escolhido para administrar o museu-casa. ção, comprando as obras especialmente em galerias e
Foram quase quatro anos, entre 2016 e 2019, que Carolyn leilões. O próprio Castello di Rivoli, lembra a curadora,
Christov-Bakarkiev se dedicou a organizar o acervo. também possui história semelhante, já que foi uma
“A ideia foi manter as obras de arte como estavam na residência da família Savoy. “Cerruti me ajuda a olhar
casa, mas, ao mesmo tempo, garantir as condições de o Castello di Rivoli de forma renovada”, diz Carolyn.
segurança e clima de um museu”, explica. Apesar de ser O acervo é bastante eclético, com um tom bastante
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