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que ocorreu em Brasília, dois anos depois, foi um
                                                               arremedo orquestrado para que o já ex-presidente
                                                               Bolsonaro se tornasse o “nosso” Trump, um Trump
                                                               de segunda ordem, é claro, mas tornado herói, o
                                                               salvador da pátria.
                                                                                    ***
                                                               Uma figura que chamou a atenção durante a inva-
                                                               são do Capitólio foi um sujeito fantasiado de viking,
                                                               pintado com as cores e as estrelas da bandeira
                                                               norte-americana, como se estivesse pronto para a
                                                               guerra. Por mais patético que aquele sujeito pare-
                                                               cesse, algo em sua atitude precisa ser levado em
                                                               consideração: fantasiado de viking, ele invocava –
                                                               apenas para alguns norte-americanos, é claro – uma
                                                               ascendência norte-europeia, um passado com um
                                                               pé na origem etnográfica de alguns dos habitantes
                                                               daquele país.
                                                                  Pois nós também tivemos o “nosso” viking, surgi-
                                                               do nas comemorações do 7 de setembro de 2021 em
                                                               São Paulo, oito meses após o aparecimento do viking
                                                               “original”, em Washington. Como uma espécie de
                                                               prólogo do que ocorreria dois anos depois – ou como
                                                               uma espécie de “abre-alas” de uma escola de samba
                                                               que deu ruim –, nas comemorações bolsonaristas
                                                               daquele dia 7 de setembro, o “nosso” viking refletia
                                                               como um espelho distorcido o protótipo “deles”.
                                                                  Porém, não podendo ser um viking, nem verda-
                                                               deiro, e nem fake, (como o norte-americano), o viking
                                                               canarinho optou por se transformar em um falso
                                                               indígena. Um indígena com direito a pintura corporal
                                                               verde e amarela, segurando uma placa com o nome
                                                               do ex-deputado federal Daniel Silveira  e – pasmem!
                                                                                               2
                                                               – um cocar branco, verde e amarelo nos moldes dos
                                                               indígenas... apache! Sim dos apaches, aqueles dos
                                                               bangue-bangues do cinema norte-americano.
                                                                  Essa figura bizarra, o “nosso” viking – um falso
                                                               indígena de pantomima –, ao encenar aquele epi-
                                                               sódio grotesco, simbolicamente anunciava o que
                                                               viria a ocorrer na capital do país dois anos depois: o
                                                               simulacro tupiniquim, a “nossa” invasão do Capitólio.
                                                                                    ***
                                                               É certo que o homem que destruiu o relógio do
                                                               século XVII que D. João VI trouxe para o Brasil em
                                                               1808, realizou essa ação da mesma maneira que
                                                               destruiu o móvel que sustentava a peça, a mesa
                                                               e a cadeira que estavam ali por perto. No enredo
                                                               de destruição geral que parecia governá-lo, nem  FOTOS: RICARDO STUCKERT/PR
                                                               o caráter precioso do relógio, tão raro, o fez parar
                  Obras de arte danificadas na invasão incluem tela de Di
                  Cavalcanti, poltronas de Oscar Niemeyer, o relógio do século   ou o incentivou a destruí-lo especificamente. Não:
                  XVII que D. João VI trouxe para o Brasil em 1808 e esculturas  ele acabava com tudo o que lhe aparecia à frente de

                                                                                                         11
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