Page 100 - ARTE!Brasileiros #57
P. 100
HOMENAGEM JAIDER ESBELL
A GUERRA DE
JAIDER ESBELL
Em entrevista, artista macuxi defendeu
ocupar espaços da arte pois seriam
“um dos últimos refúgios de uma ideia
de pensamento em construção”
por fabio CYpriano
a morte De JaiDer esbell, aos 41 anos, no dia 2 de era necessário contestar a folclorização da presença
novembro, consternou o circuito de arte contemporânea. indígena tanto na Bienal de São Paulo como na mostra
Como escreveu Denilson Baniwa, “Jaider chegou a esse Moquém_Surarî, que ele organizou no Museu de Arte
lugar que para os brancos é considerado sucesso [mas Moderna de São Paulo (mam-sp):
que] para nós dois foi, dia a dia, tornando-se um peso”.
Muito vem se falando a respeito dessa perda, mas De fato, não deixamos qualquer coisa passar de
o que melhor dá conta deste contexto é uma longa qualquer forma, como as coisas têm sido trata-
entrevista que o próprio Jaider deu a Artur Tavares, das há mais de 500 anos. As nossas histórias e
publicada na íntegra na revista digital Elástica, um nossos pensamentos sempre foram interpretados,
excelente documento sobre o pensamento do ativista introduzidos e moldados por antropólogos, por
indígena (na íntegra em https://elastica.abril.com.br/ padres, por políticos, enquanto a gente nunca
especiais/jaider-esbell-bienal-mam/). conseguiu imprimir um pensamento autoral, que
Na entrevista, Jaider deixa claro como ele e outras nos coloque devidamente em um lugar de pessoas
lideranças indígenas viram na cena da arte contempo- que têm mundos próprios, cosmologias próprias.
rânea uma forma de militância - e não se reivindicava E aí temos que paralelizar a todos os momen-
de fato como artista plástico: tos com a cultura que quer ser dominante. Quando,
por exemplo, o Makunaima, que é meu avô – o
Esse trabalho todo com a Bienal é parte da nossa Macunaíma que está na capa do livro de Mário de
política histórica de resistência indígena, que é Andrade – vira um mero folclore. A gente diz que
uma extensão de um movimento invisibilizado o folclore brasileiro não existe, é uma invenção,
pelas próprias mídias, o movimento de base. (...) é uma apropriação das nossas cosmologias e
Estamos falando de um lugar que não é exata- entidades. Uma apropriação. E aí, como se não
mente o do artista plástico. Eu não sou, de fato, existíssemos mais, vamos tornar essa história
artista plástico, muito embora dentro dessa per- bonita em folclore brasileiro.
formance toda a gente precise corporificar essa
persona artística para chegar nesses lugares Existe de sua parte uma percepção muito adequada da
privilegiadíssimos, como a própria Bienal de São importância da Bienal e do circuito da arte como um
Paulo, e não passar por lá como mais um artista espaço de reflexão, algo semelhante ao que defende FOTO: RENATA CHEBEL/GALERIA MILLAN
que está por aí no mundo. Grada Kilomba. Ela, que era professora da universidade
Humboldt, em Berlim, decidiu sair da carreira acadê-
Jaider também explicita na entrevista as diferenças de mica para se dedicar à arte por perceber a abrangência
tempos e procedimentos com o circuito da arte e como e a liberdade desse campo. É muito semelhante ao
100