Page 8 - ARTE!Brasileiros #56
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estamos experimentanDo mais uma muDança Cultural, especificamente no campo das artes, que se
compara às mudanças de fins do século 19, começos do século 20, com a ruptura do conceito de estética clássica
proposta pelo modernismo e o advento de uma estética contemporânea, que levou as vanguardas até os anos 90.
Dentre muitos dos filósofos e críticos de arte, o argentino Reinaldo Laddaga salientava em Estética da
Emergência, em 2006, haver um “processo decisivo nos últimos anos no universo das artes, a formação de
uma cultura diferente à moderna e suas derivações pós-modernas. Um signo particularmente eloquente deste
processo é a proliferação de iniciativas de artistas destinadas à participação de grandes grupos de pessoas
diversas, em projetos onde se associa a realização de ficções ou imagens com a ocupação de espaços locais
por patriCia rousseaux, dirEtora Editorial CARTA DA EDITORA
e a exploração de formas experimentais de socialização. Estamos perante novas Ecologias Culturais”.
Essa “nova cultura” está inevitavelmente ligada a mudanças de formas de ativismo e participação nas áreas
sociais, políticas e econômicas que apareceram com o esgotamento do modelo neoliberal.
Essas foram as primeiras constatações de um processo que abriu o debate para a reflexão do papel dos
museus – como o conceito do Museu Vivo, onde o público além de assistir pudesse participar dos projetos
apresentados, e artistas se engajar em projetos. Precursores como Lygia Clark foram devidamente lembrados
nestas páginas, na ocasião do seu centenário.
Sem ir muito longe, arte!brasileiros acompanhou nestes últimos anos a premiação internacional de proje-
tos como o Jamac/Autoria Compartilhada, criado em 2004 e encabeçado pela artista brasileira Mônica Nador,
que arquitetou todo um trabalho de oficinas de pintura, stencils e impressão junto à comunidade do Jardim
Miriam, na periferia da cidade de São Paulo, e que participou da mostra Somos Muit+s: experimentos sobre
coletividade, na Pinacoteca de São Paulo, em 2019.
Nesta edição, a reportagem de Giulia Garcia traz a premiação do pipa 2021 que, a partir deste ano contará
com exposições anuais virtuais. Para Luiz Camillo Osorio, curador do pipa, a escolha de Castiel Vitorino Brasi-
leiro, Denilson Baniwa (cuja obra ilustra nossa capa), Ilê Sartuzi, Marcela Bonfim e Ventura Profana, neste ano,
demonstra o momento de grande ebulição política e de forte desenvolvimento de poéticas experimentais que
presenciamos no Brasil atual. Cada um deles evidencia obras em processo, em que o performativo, as novas
tecnologias, a ancestralidade, a experimentação e as politicas de gênero estão todas embaralhadas, fertilmente
misturadas, apontando para o desconhecido e com muita contundência poética.
Uma dos cinco vencedores, Castiel confirma: “O que faço são convites e lembretes de que nós podemos
viver outra história que não essa racial e de gênero”, explica em vídeo gravado ao pipa. Artista visual, escritora
e psicóloga, Castiel constrói suas produções a partir dos diálogos entre saberes da arte, da macumba, da psi-
cologia, da feitiçaria, do curandeirismo e mais “o que julgar ser necessário para produzir sobrevivência”. Não
se definindo em uma técnica artística específica.
Junto a este movimento, e isso Laddaga não podia ter previsto, vivenciamos hoje como nunca a presença
da realidade virtual como elemento fundamental para se relacionar, para conhecer e para se informar. O poder
da imagem ganhou outras dimensões, dentre elas a de se transformar em mais um mediador, entre a obra e
o espectador.
Se no começo do século 20 alguns artistas viajavam para a França e se muniam de novas teorias e visua-
lidades, desde o ano 2000 e especificamente desde 2010, com a aparição das redes de comunicação, toda e
qualquer experiência ficou exacerbada. Para o bem e para o mal.
Com a pandemia então - que já dura quase dois longos anos! -, a presença da imagem se tornou desespe- FOTOS: FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO | CORTESIA DA ARTISTA E DA PINACOTECA DE SÃO PAULO | JOSÉ PELEGRINI
radamente relevante, por vezes banalizada. Ver, ver, ver na tela: notícias, amigos, o entorno desde as janelas. Ver
fake news, imagens reais dos desmatamentos e da matança de índios para garantir a ocupação de mineradoras,
memes, obras em exposições em ambientes virtuais, se ver em seminários nacionais e internacionais virtuais.
Ver filmes, documentários e séries nas plataformas digitais.
Nesta edição, vários textos convergem para documentar este momento, analisando este fenômeno, que
deverá nos impactar e impactar na produção dos próximos anos. Entre eles, o texto do arquiteto e pesquisa-
dor Mateus Nunes sobre o novo livro de Giselle Beiguelman, Políticas da imagem – Vigilância e resistência na
dadosfera, e a nossa nova coluna Olho Crítico, da professora, pesquisadora e crítica de fotografia Simonetta
Persichetti, que analisa os efeitos das imagens do atentado às Torres Gêmeas nos Eua, em 2001.
A história da arte será outra após a - cada vez maior - adesão de artistas a projetos colaborativos e sua
sensibilidade para o entorno, a comunicação digital e a pandemia, porque isso não tem a ver com computadores
ou tecnologias, isso tem a ver com os sujeitos que produzem e os sujeitos que olham.