Page 92 - ARTE!Brasileiros #55
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LIVROS “ENCICLOPÉDIA NEGRA”
reduzem as insurreições negras de pequeno e médio formato,
a simples rebeldia. Somadas à entre pinturas, desenhos, aqua-
própria experiência dos autores relas e objetos de autoria dos
frente aos estudos a respeito artistas Amilton Santos, Anto-
da escravidão, pós-abolição e nio Obá, Andressa Monique,
reconstrução de perfis, trajetó- Arjan Martins, Ayrson Heráclito,
rias e biografias negras, o livro Bruno Baptistelli, Castiel Vito-
apresenta sensibilidade na com- rino, Dalton Paula, Daniel Lima,
pilação dessa multiplicidade de Desali, Elian Almeida, Hariel
referências observadas aqui e Revignet, Heloisa Hariadne, Igi
que, em grande parte, em outras Ayedun, Jackeline Romio, Jaime
publicações sobre o tema, não Lauriano, Juliana dos Santos,
são observadas senão em meio a Kerolayne Kemblim, Kika Car-
censuras, desatenção e negligên- valho, Lidia Lisboa, Marcelo
cias. Esta situação pode, infeliz- D’Salete, Mariana Rodrigues,
mente, ser observada na restrita Micaela Cyrino, Michel Cena,
seleção de autores presentes nos Moisés Patricio, Mônica Ven-
catálogos de grandes editoras tura, Mulambö, Nadia Taquary,
dedicadas apenas a responder Nathalia Ferreira, Oga Men-
às demandas de materiais após donça, Panmela Castro, Rebeca
a promulgação da lei 10.639, de Carapiá, Renata Felinto, Rodrigo
2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura Bueno, Sonia Gomes e Tiago Sant’Ana.
afro-brasileira nas escolas. Embora todos os trabalhos comissionados não
Assim, os verbetes sobre personagens singulares e constem na publicação, pois apenas uma obra de autoria
coletivos que descrevem tanto experiências individuali- de cada um dos 36 artistas está presente no caderno de
zadas quanto comunitárias apresentam-se como portas imagens da Enciclopédia Negra, o conjunto se impõe
de entrada para diferentes filosofias, religiosidades, como um retrato coletivo das variadas proposições e
práticas corporais, tecnologias, ativismos, mobilizações tentativas de compor uma presença institucional do
e empreendedorismos. Também buscam descrever as negro nas artes. Para tanto, a doação desses traba-
batalhas diárias e o cotidiano de cada período, assim lhos, em sua grande maioria retratos figurativos das
como suas limitações, suas complexidades e suas con- personagens biografadas, constitui uma intervenção
tradições. Logo, Chica da Silva, Madame Satã, Abdias em busca de representatividade.
do Nascimento, Anastácia, Geraldo Filme e Heitor dos Logo, ao recuperar vidas marcadas pela morte, o
Prazeres compartilham narrativas ao lado de Claudia livro Enciclopédia Negra almeja extrapolar a visão do
Ferreira, Robson Cruz, Rosalina, Francisca Luiz e tantos negro como sinônimo de escravizado, subalterno, onde
outros ilustres desconhecidos. o racismo se constitui como mecanismo de recusa de
sua humanidade e legitimação de sua exploração e
a exposição de seu extermínio, tanto físico, político e simbólico. O
Neste empenho em alterar a imaginação dos brasileiros filósofo e professor Achille Mbembe nos informa que o
quanto ao tema, a realização do projeto Enciclopédia reconhecimento e a reparação dessa violência se dá à
Negra inclui a montagem da exposição de mesmo título no medida em que desconstruirmos o pensamento colo-
museu Pinacoteca do Estado de São Paulo. A exposição nial e passemos a identificar o negro em sua dimensão
Enciclopédia Negra, aberta ao público a partir do dia 1º universal, humana e múltipla, longe de uma dimensão
de maio de 2021, apresenta 103 trabalhos de 36 artistas categórica, responsável pelo jugo que mantém corpos
contemporâneos. Entre as três salas de exibição, o visi- negros como mercadorias. Por isso é preciso dizer:
tante observa em sua maioria trabalhos bidimensionais, Vidas Negras Importam!
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