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BIENAIS GUATEMALA
direitos de viver respeitando suas cosmovisões, mais com a pandemia - se acentuou essa falsa ideia
formas de medicina e de organização comunitária. de interconectividade, que ao mesmo tempo nos
Além disso, também associamos o título a todos bombardeia e nos cega. Dentro desta temporalidade
os imigrantes que podemos pensar também como está o passado ancestral Maia, que em um país mul-
refugiados, no sentido de que o principal motivo da tiétnico e multilíngue onde 60% da população é de
migração para o Norte é o desemprego, que é em si origem indígena, assume uma importância crucial.
mesma uma forma de violência econômica. A curadoria procurou aproximar-se disso, desde o
O que geralmente se vê na América Latina não é nosso lugar de brancos mestiços, falando a partir da
a negação da cidadania às minorias, mas a negação conjuntura histórica de uma overdose de presente e
de uma vida digna, de se poder viver em paz. Então nos permitindo entrar em territórios ancestrais que
veio a pandemia e o título ganhou força própria. pertencem a estes artistas do altiplano - e dos outros
O trabalho de Jonas Staal, a forma como aborda as convidados. O importante era fazer isso por meio de
suas pesquisas e projetos, foi uma inspiração, uma suas próprias vozes, dos artistas Kakchiquel, Tz´utujil,
espécie de base a partir da qual começamos a con- Garífunas e afrodescendentes de diferentes lugares
siderar a bienal como um projeto. Suas propostas da América Latina, assim como artistas da África.
de formação política, suas oficinas de discussão, as Os trabalhos apresentados na bienal dialogam
diversas formas de trabalhar no nível coletivo e suas entre si e entre os eixos temáticos. A decisão de
formas particulares de problematizar nos serviram abrir um espaço para as vozes indígenas e populares,
de ponto de partida para discutir sobre o local, o sem pretender ser tradutora de nada, resultou em
regional e o hemisfério sul em relação ao norte. E, uma percepção coletiva do público guatemalteco
dentro disso, sua base na desigualdade. de que tudo o que está ali exposto faz sentido em
O projeto curatorial está dividido em três eixos suas vidas. E essa é a maior recompensa ao tra-
temáticos: Universos da matéria; Passados. eternos. balho da equipe.
futuros; e Geografia perversa/ Geografias malditas.
Todos os três abordam questões que estão interliga- Sobre a seleção dos artistas, há uma predominân-
das e que tocam bem ali, naquele ponto onde tudo cia de latino-americanos (35 dos 40 participantes).
se desequilibra tanto social quanto politicamente, Este olhar que parte do que chamamos de Sul
onde a história ancestral é confrontada com a his- Global, e mais especificamente da América Latina,
tória contemporânea e onde a matéria e as formas é o foco principal da exposição?
de abordagem dos objetos e da natureza se opõem. Sim, o foco foi a América Latina, tanto por questões
curatoriais quanto de logística. Embora muitas das
Em seu texto curatorial você fala no conceito de obras respondam ao contexto guatemalteco, a ideia
“presentismo” para se referir a uma espécie de sempre foi tomar a Guatemala como o espelho a
desorientação que vivemos no momento atual do partir do qual podemos ver todas essas desigual-
mundo, relacionada também à uma dificuldade de dades que historicamente afligem o Sul Global. E,
olhar tanto para o passado quanto para o futuro. por isso, junto ao Gabriel Rodriguez, meu co-cu-
Poderia falar um pouco sobre essa ideia, sobre rador, convidamos também artistas como Nelson FOTOS: HUGO QUINTO | CORTESIA PAZ ERRÁZURIZ
como ela é abordada pela curadoria? Makengo, do Congo, Emo de Medeiros, de Benin, e
Esse presentismo de que fala Reinhart Koselleck Heba Y. Amin, do Egito. As obras destes três artistas
nos levou a pensar em uma questão de temporali- têm funcionado como uma espécie de conector de
dade, de análise da capacidade e incapacidade de realidades muitas vezes desconhecidas do público
vislumbrar futuros em um momento em que - ainda centro-americano.
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