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BIENAIS SÃO PAULO
LUTA CONTRA
O VENTO
aDentrar o pavilhão CiCCillo matarazzo para Antes da mostra
visitar Vento, na primeira saída de casa desde meados principal, marcada para
de março, provocou dois estranhamentos: um, de voltar, 2021, 34a Bienal de São
em pessoa, ao circuito das artes; outro, de procurar - em Paulo abre a exposição
um costume programático - uma imensidão de obras e
ser recebido por peças selecionadas, dispostas entre coletiva Vento, com
os silêncios arquitetônicos do pavilhão, a casa da Bienal participação de 21 artistas
de São Paulo desde 1957. Ora, Vento conta com apenas e trabalhos espalhados
21 artistas da 34ª edição, em uma exposição que não no amplo espaço do
estava prevista. pavilhão no Ibirapuera
No ano infernal, a organização do evento teve que
dançar a dança de 2020 e fazer alterações no que fora por miguel groisman
inicialmente imaginado. Mesmo assim, a 34ª Bienal já
havia sido concebida como uma espécie de ensaio aberto,
uma exposição em processo; dessa forma, Vento não é
um corpo alienígena dentro do conceito de uma mostra
constantemente em construção, que “reflete sobre si
mesma publicamente”. Aliás, após o curto período de do invisível não vai embora tão cedo, mesmo inserto na
estranhamento com os vazios, o esquema da exposição contemplação das obras apresentadas em Vento.
se revela orgânico e despista a suspeita do provisório. O título da mostra vem do filme Wind, de Joan Jonas,
Em Vento é proposta a ocupação do edifício sem o que tenta fazer desse invisível, visível. Nele, a artista
uso de nenhuma divisória construída, sem a inserção estadunidense registrou os esforços de um grupo de
de espaços intermediários, mas em contato direto dançarinos para executar uma coreografia na praia de
com a amplitude, monumentalidade e transparência Long Island, em Nova York, em um dos dias mais frios de
do Pavilhão. As obras - quase dois terços delas sen- 1968. Ao mesmo tempo que executam seus movimentos,
do instalações sonoras e vídeos - “criam âncoras no eles também resistem ao vento forte que se impõe contra
espaço que nos convidam a ressignificar a ideia de seus corpos. Assim, o filme de Jonas mostra o invisível
espera, distância, vazio e perda, que está ao nosso pelo contraste, colocando algo no vazio para revelá-lo.
redor. Elas crescem neste espaço criando caminhadas “O vento carrega o eco, que é ao mesmo tempo a
de reflexão, caminhadas de digestão das provocações lembrança do que foi dito e sua reverberação futuro
trazidas pelos artistas”, como afirma o curador adjunto adentro. Vento, analogamente, funciona como o índice
da Bienal, Paulo Miyada. desta edição da bienal, no sentido de que aponta alguns
Nessa superfície indivisível, os sons acompanham dos temas que voltarão expandidos na exposição de
o visitante pelas obras desmaterializadas, anunciam a setembro do ano que vem, e ao mesmo tempo se refere
chegada de algumas delas e, às vezes, também brigam ao que já aconteceu”, escreveu Jacopo Crivelli Visconti,
entre si, se sobrepõem e disputam a concentração do curador geral da edição, em uma das correspondências
visitante. São eles que ajudam a combater a melancolia publicadas no site da 34ª Bienal.
das vacâncias e do distanciamento social necessário. Em A exemplo das palavras de Visconti, a obra Insurgen-
um momento em que a segunda onda de Covid-19 era cias botánicas, de Ximena Garrido-Lecca, que está em
negada pela prefeitura e o status da crise, do dia para a Vento, foi mostrada pela primeira vez na abertura da 34ª
noite, tinha sua gravidade alterada, de amarelo para verde Bienal, em fevereiro, inaugurada com uma performance FOTO: BIENAL DE SÃO PAULO
e vice-versa, foi tranquilizante perceber que a Bienal havia do sul-africano Neo Muyanga. Nela, a elaboração de
respeitado as recomendações sanitárias; afinal o medo um sistema de cultivo hidropônico que permite que as
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