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NAS BORDAS ATELIÊ 397



                 Existem outros lugares que abrigam
                 exposições, debates e performances, mas
                 poucos têm essa ocupação constante, esse
                 ’’
                 espaço de encontro regular que permite
                 a pedagogia da convivência.

                  GABRIEL BOGOSSIAN


                  quanto na residência artística Temos Vagas!, que neste   variados tipos de atividades e experiências. No Surpraise,
                  momento se encontra em sua segunda edição, com nove   por exemplo, que já teve oito edições, um leilão de arte
                  jovens artistas e um coletivo.                  é realizado “às cegas”, sem que os participantes sejam
                    Na vasta área central do galpão, os artistas da resi- informados da autoria das obras vendidas. Trabalhos de
                  dência têm seus espaços de trabalho separados apenas   artistas iniciantes e consagrados se misturam e recebem
                  por uma faixa no chão, sem paredes ou divisórias, o   o mesmo preço inicial, transformando a experiência em
                  que propicia um diálogo permanente entre os partici- uma espécie de aposta que coloca em cheque a ideia
                  pantes. As salas restantes são alugadas para outros   de autoria e a especulação financeira no meio artístico.
                  artistas mais experientes que têm seus ateliês no local,   A partir de um projeto proposto pelo Ateliê397 e con-
                  normalmente compartilhados por duas ou três pessoas   templado pelo Prêmio Funarte de Arte Contemporânea
                  cada um. Há ainda uma sala para gestão, reuniões ou   de 2012, a exposição Espaços Independentes: A Alma é
                  pequenas mostras e um recinto, logo na entrada, que   o Segredo do Negócio foi montada em parceria com o
                  sedia a Escola da Floresta, projeto comandado pelo  Ateliê Aberto (Campinas), o Atelier Subterrânea (Porto
                  artista Fábio Tremonte. Apesar de algumas poucas   Alegre) e as paulistanas Casa Contemporânea, Casa
                  paredes, nenhum dos ambientes têm portas fechadas. Tomada e Casa da Xiclet. A ideia de unir e colocar em
                    Para o curador Gabriel Bogossian, outro dos cola- diálogo as práticas de diferentes espaços independentes
                  boradores do Ateliê ao lado de Escobar e de Thais   buscava se contrapor às premissas individualistas do
                  Rivitti, esse caráter de formação é dos traços da iden- mercado e favorecer o compartilhamento de conheci-
                  tidade do 397 mais relevantes de se destacar no atual   mentos e práticas coletivas.
                  contexto da cidade de São Paulo. “Acho que falta aqui,   Com o trabalho do grupo de estudos “Mulheres não
                  historicamente, uma escola livre nos moldes do Parque   precisam estar nuas para entrarem nos museus”, a expo-
                  Lage no Rio de Janeiro. E nos últimos anos os espaços   sição Vozes Agudas foi organizada em 2018 e emprestou
                  independentes ocuparam um pouco esse lugar”. Ao   seu nome para um novo grupo de estudos e intervenções
                  mesmo tempo, ele ressalta, com o encerramento das   que segue em atuação no 397. Com ênfase feminista e
                  atividades de muitos deles, em decorrência de dificul- formado exclusivamente por mulheres atuantes no cir-
                  dades financeiras, o 397 acabou se tornando ainda mais   cuito artístico paulistano, o Vozes Agudas tem realizado
                  singular no cenário da cidade.                  encontros, leituras e uma série de podcasts disponíveis
                    “Existem outros lugares que abrigam exposições,  no site do Ateliê.
                  debates e performances, mas poucos têm essa ocu-   Em julho de 2019, uma grande mostra intitulada
                  pação constante, esse espaço de encontro regular que   Abraço Coletivo reuniu obras de quase 300 artistas no
                  permite a pedagogia da convivência”, afirma Bogossian,  galpão. A partir de uma chamada aberta (em que nenhum
                  que destaca ainda o valor acessível (quando não gratuito)   artista seria recusado), a mostra atraiu expositores de
                  dos cursos e atividades do 397. “E acho que ainda falta   diferentes idades e com trabalhos em variadas plata-
                  no meio artístico a consciência da importância desse   formas, chamados à pensar o espaço junto à curadora
                  espaço, que é um lugar de oxigenação do campo, da   Paula Borghi.
                  prática”, completa o curador.                      Se alguns destes projetos de anos anteriores – espe-
                                                                  cialmente na primeira metade da última década – foram
                  passaDo e Futuro                                financiados a partir da aprovação em editais ou da cap-
                  Ao longo dos 16 anos de história do 397, o desejo cons- tação nas leis de incentivo à cultura, o quadro se tornou
                  tante de questionar as práticas institucionais e mercado- mais crítico para o 397 nos tempos recentes. “É nítido   AMALIA COCCIA
                  lógicas do universo da arte contemporânea resultou em   um intenso desejo de desmonte da cultura”, comenta


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