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PRÊMIOS MARCANTONIO VILAÇA
ALINE MOTTA E O MERGULHO
PESSOAL NA MEMÓRIA COLETIVA
UMA DAS VENCEDORAS DO 7º PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA, ARTISTA MULTIMÍDIA PARTE DE UMA
PROFUNDA PESQUISA SOBRE SUA HISTÓRIA FAMILIAR PARA TRATAR DE GRANDES TEMAS COMO
ESCRAVIDÃO, HERANÇA AFRICANA E UMA ESTRUTURA PATRIARCAL QUE PERMANECE NO BRASIL ATUAL
POR MARCOS GRINSPUM FERRAZ
A JORNADA DA ARTISTA Aline Motta à procura travessias além-mar para Portugal, Serra Leoa e
de suas raízes e dos vestígios de seus antepas- Nigéria. E aprofundaram, de diferentes modos,
sados é, sem dúvida, uma empreitada pessoal. uma pesquisa sobre a história familiar de Motta
O resultado, no entanto, diz respeito à memória e, ao mesmo tempo, sobre a herança africana na
coletiva de milhares de famílias brasileiras cons- formação do Brasil.
truídas (ou destruídas) no violento processo de No último mês de setembro a artista foi agraciada,
formação do país, baseado na escravidão e na ao lado de Dalton Paula, Dora Longo Bahia, Ismael
estrutura patriarcal. Monticelli e Rodrigo Bueno, com o Prêmio Marcan-
“Levou um tempo até que eu adquirisse alguma tonio Vilaça, em sua 7 edição. Neste contexto, a
a
maturidade e centramento psíquico para lidar ARTE!Brasileiros conversou com Motta sobre sua
com questões tão profundas e difíceis que dizem trajetória e produção. Leia abaixo.
respeito a minha própria história e família”, conta a
artista em entrevista à ARTE!Brasileiros. Esse tempo ARTE!Brasileiros — Seu trabalho parece ter caminhado,
de maturação incluiu não só alguns primeiros tra- ao longo dos anos, de modo mais contundente para dis-
balhos artísticos que tratavam de outros temas, cussões sociais e políticas. Elas não estavam ausentes
realizados especialmente a partir do início desta anteriormente, mas pareciam menos explícitas do que
década, mas também uma vasta trajetória como as preocupações formais e de linguagem. Faz sentido
continuísta de cinema, iniciada em 2001. pensar assim? Como você enxerga essa sua trajetória?
Foi a partir de 2016, quando teve o projeto Pon- ALINE MOTTA — Certamente discussões em torno de
tes sobre Abismos selecionado pelo programa questões raciais foram ganhando corpo no meu
Rumos, do Itaú Cultural, que Motta, hoje aos 45 trabalho paulatinamente, à medida que eu me sen-
anos, passou a se dedicar em tempo integral aos tia mais confiante e preparada para abordar esse
trabalhos autorais, com uma produção multimídia assunto com o rigor e pesquisa que eu julgava
que não deixou de lado o cinema, mas se desdo- necessários. Isso levou um tempo até que eu adqui-
brou também em instalações, fotografias, textos, risse alguma maturidade e centramento psíquico
publicações e performances. para lidar com questões tão profundas e difíceis que
Além do projeto para o Rumos, obras como dizem respeito a minha própria história e família.
(Outros) Fundamentos, Se o Mar Tivesse Varan-
das, Filha Natural e Jogo da Memória – este último, Através de uma pesquisa pessoal, sobre memória familiar,
vencedor da Bolsa ZUM do IMS e ainda em desen- você trata também de um vasto universo da memória
volvimento – levaram a artista a diversas cida- coletiva, que tem a ver com as violências históricas na
des do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia e a formação do Brasil, com a escravidão, com o patriarcado.
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